América Latina volta à democracia
Pedro J. Bondaczuk
A
posse do presidente uruguaio, Júlio Maria Sanguinetti, saudada, ontem, com
entusiasmo por representantes de 72 países, marca o regresso à democracia da
sexta República latino-americana, no curto espaço de menos de seis anos.
Neste período todo, apenas a Bolívia conheceu golpes
de Estado na América do Sul, em número de quatro (um em 1979, um em 1980, um em
1981 e outro em 1982), apesar de também já Ter restabelecido a legalidade
institucional.
Se levarmos em consideração os casos (muito
especiais) de El Salvador e da Nicarágua, cujas redemocratizações são
contestadas em algumas partes, serão oito os países que no período empossaram
presidentes escolhidos pela vontade popular. É, sem dúvida, uma marca
expressiva.
Argentina, Uruguai, Brasil, Bolívia, Equador e
Panamá vivem períodos de relativo respeito às instituições, até mesmo de
euforia, embora em algumas dessas Repúblicas estejam se formando nuvens
sombrias no horizonte institucional, como é o caso boliviano. E o da Argentina,
onde denúncias feitas nos últimos dias dão conta de que grupos militares
estariam engendrando um novo golpe de Estado.
De qualquer forma, a América Latina tem, como
contrapartida, o caso da Guatemala, que após a escolha, no ano passado, de uma
Assembléia Nacional Constituinte, que elabora uma nova Constituição para esse
país, caminha a passos largos para a normalidade democrática, tendo marcado até
as eleições presidenciais, que deverão ocorrer em 23 de outubro próximo.
Nas duas últimas décadas, ou seja, desde 1965, o
poder trocou de mãos, através da violência, em 91 oportunidades no mundo todo,
geralmente por meio de golpes de Estado aplicados por militares. A África
encabeçou as estatísticas, com 33 ocorrências, vindo (para nosso profundo
constrangimento) a seguir a América do Sul, com vinte ações golpistas, a Ásia
com 18, a América Central com 9 o Oriente Médio com 5 e a Europa (no caso
Turquia, Grécia, Portugal e Chipre) com 4.
O período de maior atividade repressiva no mundo,
estranhamente, foi aquele em que Jimmy Carter era presidente dos EUA e aplicava
severas sanções aos regimes que desrespeitavam os direitos humanos. Durante a
sua gestão, ocorreram exatamente 36 golpes de Estado, numa média incrível de
nove por ano.
Outro mandato caracterizado por fechamentos
institucionais foi o de Richard Nixon, no prazo de cerca de sete anos em que
esteve na Casa Branca. As ocorrências golpistas na ocasião (de 1970 a 1975),
foram 23.
No período Reagan, somente o continente africano e
ca Bolívia destoaram, somando, apenas eles, onze golpes de Estado (sete na
África e 4 na Bolívia), elevando o total para 16. Não fosse isso, e a despeito
das contundentes críticas dos seus opositores ao atual presidente
norte-americano, estes seriam forçados a admitir, mesmo que a contragosto, a
eficácia de seus métodos no relacionamento com regimes de exceção.
Em contrapartida, Reagan tem em seu cartel uma
quantidade jamais vista de processos redemocratizantes, todos feitos sem
traumas, sem contragolpes e nem caudalosos “banhos de sangue”. O que afinal
teria mudado para essa reversão do comportamento político latino-americano? O
tratamento dos EUA para com as ditaduras ou a mentalidade dos povos da América
Latina? Isso, apenas o tempo haverá de esclarecer.
(Artigo publicado na página 10, Internacional, do
Correio Popular, em 2 de março de 1985).
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
1 comment:
O escrivinhador,
concordo em gênero, número e grau com seu artigo, o qual eu assinaria embaixo, sem nenhuma indecisão.
Bem isto também, tem sua explicação no fato de você ser um jornalista, e saber tecnicamente, como se pode produzir uma excelente matéria como esta.
Só que esta sua é excelente na forma e conteúdo e viva a democracia!
Tenho sentido sua falta nos meus blogues e apesar de respeitar suas razões, que tal dar um pulinho até lá?
Um abração carioca
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