O homem e sua incalculável capacidade de destruição
Pedro
J. Bondaczuk
O potencial humano para
criar, fazer, construir obras, sobretudo as materiais, embora limitado dada a
própria fragilidade do homem, é imenso. Pode-se dizer que é tamanho, que se torna
impossível de delimitar com razoável precisão. Depende, claro, da capacidade de
iniciativa, do poder de convencimento e de mobilização dos “construtores”, além
da existência ou não de recursos para tornar concreto o que idealizam e... da necessidade. Esta é a mola-mestra por
excelência dos grandes empreendimentos.
No pólo extremo, porém, está a capacidade humana de “destruição”, que é,
desconfio, “n” vezes superior à de construção. Basta ver quantos monumentos,
edificações e obras de todos os tipos e tamanhos o homem já destruiu,
principalmente através de guerras que mancham de sangue e desolação toda a
História. Praticamente nada escapa incólume da sua sanha destruidora quando
posta em marcha.
Por exemplo,
hecatombes, catástrofes naturais e a passagem do tempo não conseguiram arrasar
a obra do hábil engenheiro que projetou a Grande Pirâmide do Egito, a de
Queops. O vento, as tempestades e a erosão, que destruíram tantos monumentos,
palácios, cidades e até países do passado, mundo afora, desgastaram, somente,
9,44 metros dos seus 146,60 metros originais, reduzindo-os para os atuais
137,16 metros. No fim do século XII da nossa era todo o Egito foi arrasado por
devastador terremoto que deixou Cairo totalmente em ruínas. Edifícios
reforçados, tidos e havidos como sólidos e indestrutíveis, erguidos em terreno
firme e com a mais avançada técnica de construção da época, foram, todos, parar
no chão, como fragílimos castelos de cartas. A capital egípcia transformou-se,
em um piscar de olhos, em gigantesca montanha de escombros, sem que nenhuma
casa, palácio, templo etc. permanecesse de pé. Houve, porém, uma exceção: as
pirâmides. E a maior delas, a de Queops, não sofreu nada, absolutamente nada
com o arrasador terremoto. Nem mesmo um simples bloco de pedra moveu-se do
lugar.
Para a Grande Pirâmide,
o poderoso abalo sísmico significou pouca coisa, aliás, literalmente nada.
Afinal, “pode” ter sobrevivido (não estou afirmando que sobreviveu, mas também
que não) a uma catástrofe bem maior: ao afundamento no Oceano Atlântico do
mítico continente da Atlântida. Por que não? Quem garante que essa monumental
obra não foi construída antes desse cataclísmico evento? Todavia, o que a
natureza não conseguiu em vários milênios, a ação humana, em poucos pares de
anos fez. Não destruiu Queops, que lá está, firme e forte e bastante sólida.
Todavia, depredou-a severamente. Saques e invasões predatórias de diversos
povos, em busca de pretensos tesouros dos faraós, deixaram marcas profundas na
Grande Pirâmide. É certo que não abalaram sua estrutura. Todavia,
descaracterizaram-na e reduziram muito sua magnificência.
Por exemplo, para
reconstruir suas casas, arrasadas pelo terremoto do século XII, os egípcios
retiraram a parte mais bela de Queóps, ou seja, suas reluzentes pedras calcárias
brancas, que faziam desse monumento gigantesco farol que refletia os raios
solares por toda a região, por milhares de quilômetros, a ponto de ser
conhecida no passado como “Luz”. Hoje, esse revestimento está ornando inúmeros
e magnificentes palácios do Cairo, com suas inscrições hieroglíficas que, se
decifradas, poderiam lançar muita luz no mistério, quem sabe, até da origem da
civilização humana. Os povos dessa região agiram da mesma maneira, por exemplo,
que os turcos e os gregos em relação ao Panteão de Atenas, privando a
humanidade de um dos seus mais preciosos tesouros.
A verdadeira riqueza
dessas obras de engenho e arte, ao contrário do que seus predadores julgavam (e
que muitos acreditam ainda hoje) jamais esteve em seu interior. Sempre foram elas
próprias, em sua integralidade, em seu conjunto, em seu todo. Uma parte da
graciosa mesquita do Sultão Hassan, no Cairo, por exemplo, foi construída com
as pedras de calcário branco que revestiam Queóps. Até por isso, esse templo
muçulmano é o justamente considerado o mais belo dos cerca de trezentos
existentes na cidade. Com que direito os egípcios (e outros povos), não só do
século XII, mas de todas as outras épocas dilapidaram, dessa forma tão
estúpida, esse patrimônio que é de toda a humanidade? Essa prática, de usar
Queóps e as pirâmides vizinhas, como gigantescos depósitos de materiais de
construção durou séculos e apenas foi interrompida em virtude do seu alto custo
e das dificuldades logísticas e riscos de se retirar e transportar blocos tão
pesados, situados a imensas alturas, através de grandes distâncias.
Seja qual for o
propósito, não deveriam ser permitidas pesquisas que implicassem em alguma
forma de depredação das pirâmides, como aconteceu, por exemplo, em 1985, com a
equipe de arqueólogos franceses, que no final das contas não resultou em nada
de prático, de útil ou de novo. Perfurações nas paredes, explosões com
dinamite, escavações com picaretas e outras tantas formas de descaracterizar a
obra original deveriam ser terminantemente proibidas, para que as gerações
futuras, as dos remanescentes da potencial hecatombe nuclear que mais dia menos
dia pode ocorrer (se é que possam restar alguns) saibam que nem todos os homens
se dedicaram às guerras e à destruição. Para que tenham, quase intactos, diante
de si, magníficos monumentos, construídos por este estranhíssimo animal que
pensa, que resistiram ao embate dos milênios e escaparam, quase incólumes, como
testemunhas concretas do engenho e inteligência humanos.
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