Competição e cooperação
Pedro
J. Bondaczuk
A competição é a lei da
vida. Ou, pelo menos, é uma delas, gostemos ou não que seja assim. Quando
nascemos, os fundamentos do que aí está, rotulados eufemisticamente de “civilização”, já
existiam há milênios. Não participamos da sua criação. Fomos induzidos e
“programados” (e ainda somos, pois o processo educativo nunca se acaba), ou
seja, educados desde tenra idade para competir, para vencer, para superar
alguém em alguma coisa. Gostemos ou não, essa é a realidade que se impõe ou que
nos impõem. Temos que nos adaptar a ela, caso contrário, seremos passados para
trás em praticamente tudo, por todos.
Não me sai da memória,
todavia, a constatação feita pelo doutor Gregory House – personagem
interpretado pelo ator Hugh Laurie, da famosa série de televisão do mesmo nome,
criada por David Shore e exibida, originalmente, pela Fox, nos Estados Unidos
de 16 de novembro de 2004 a 21 de maio de 2012 – quando diz, em determinado
momento, diante de um paciente moribundo, ao qual tenta salvar: “Sem competição, seríamos, ainda, organismos
unicelulares”. Ou seja, sequer existiríamos como seres humanos.
E ele não está certo?
Está, mas em termos! Por mais que isso choque a sensibilidade dos idealistas,
não há como negar o caráter competitivo da vida. Da minha parte, não me oponho
à competição. Não, pelo menos, como princípio. Todavia, meu senso crítico,
minha inteligência, minha capacidade de raciocínio e análise ditada pela razão
observa que ela tem que ser “seletiva”, universal e com regras. Ou seja, me
indica que eu deva competir, sim, quando as circunstâncias me impuserem essa
necessidade. Mas agindo sempre com lealdade, sem jamais tripudiar sobre quem,
eventualmente, eu venha a superar seja no que for. Que aja com compreensão,
piedade e solidariedade em relação ao mais fraco, ou ao menos hábil, ou ao
menos sábio, ou ao mais despreparado, de sorte que, em vez de haver,
formalmente, vencedor e vencido, haja seres humanos dispostos a somar forças e
a cooperar para a construção de uma realidade melhor, que não seja tão perversa
e desumana como a que encaramos no dia a dia.
Aliás, a cooperação
também é lei da vida e muito mais importante que a competição. Doutor House não
disse, na série televisiva, mas eu digo, convicto de não me enganar, que, sem
ela sim é que “ainda seríamos seres unicelulares”. Já imaginaram se todas as
células que compõem nossos tecidos, órgãos, sistemas e nossa estrutura orgânica
competissem, o tempo todo, sem nunca cooperarem entre si? Nossa vida seria inviável.
Aliás, seria absolutamente impossível. As células do fígado tentariam
prevalecer sobre as do coração, as deste sobre as do cérebro e assim por
diante. Seria um horror! E se ninguém cooperasse com ninguém, em nada, e em
momento algum, como seria o mundo? Não haveria civilização. Não haveria nada.
Não existiríamos.
Sozinhos não somos
ninguém. Precisamos do próximo, que também precisa de nós, do nascimento á
morte. Para que a vida se reproduza, por exemplo, é indispensável a ação de
duas pessoas: a conjunção sexual do masculino e do feminino. Portanto, a
concepção é fruto, literalmente, de cooperação, mesmo que ditada pelo instinto.
É verdade que há competição entre bilhões de espermatozóides. Apenas um vencerá
a corrida da sobrevivência e irá fecundar um único dos cerca de 300 óvulos
disponíveis, dando início à gestação. Não estou me referindo, claro, à geração
de gêmeos. Mesmo esta, todavia, tem limite. Pelo que pude apurar, a mulher que
teve o maior número de filhos em uma única gestação foi uma tunisina, cujo nome
não foi revelado, fato ocorrido no ano passado. Ela teve (pasmem) doze
gêmeos!!! Mas este é um caso raríssimo, o mais raro já registrado nos
compêndios da ginecologia. O mais das vezes, é gerado, apenas, um par de
gêmeos. E mesmo essa geração, ainda assim, é relativamente rara.
A mesma natureza que
nos impele a competir impõe que cooperemos caso pretendamos sobreviver. A mãe
coopera conosco, logo após nosso nascimento, nos alimentando, higienizando e
protegendo e por anos a fio. Se não o fizesse... que chances teríamos de
sobreviver e nos desenvolver? Rigorosamente, nenhuma. A mesma cooperação –
igualmente imprescindível – encontramos em quem nos educa, em quem nos emprega,
em quem nos supre de alimentos etc.etc.etc.
e, sobretudo, em quem assegura a normalidade da vida cotidiana: do
lixeiro ao pedreiro, assim como o médico, o jornalista, o professor, o
engenheiro etc.etc.etc. e até, por que não, o coveiro, que sepulta nossos
restos mortais.
Concordo, pois, com o
historiador inglês do século XVII, Edward Gibbon, quando observa que a
principal competição que devemos encarar, desde quando tomemos consciência do mundo, não é com nenhum rival, nenhum
adversário, nenhum concorrente. É conosco mesmo. E justifica porque: “Nós nos
melhoramos com vitórias sobre nós mesmos”. Esse é o comportamento dos gênios,
dos sábios, dos gigantes da espécie, dos que legam obras e princípios
imprescindíveis à humanidade. Já a massa inculta e ignara... limita-se a
competir, sem trégua, entre si, por picuinhas e por bugigangas, num processo
autofágico e suicida.
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