Thursday, April 16, 2015

Crítica literária objetiva e atrativa

Pedro J. Bondaczuk

O livro “O castelo de Frankenstein”, de Salim Miguel, lançado em 1986 pela Editora da Universidade Federal de Santa Catarina, é dessas preciosidades cada vez mais raras no mundo literário. Seu título sugere que se trate de alguma obra de ficção, relacionada ao famoso personagem criado pela escritora britânica Mary Shelley, também conhecido como Moderno Prometeu, datado de 1818. Todavia, não é nada disso. Nem é coletânea de contos de terror como muitos podem pensar. Também não é nenhuma reunião desses poemas estranhos, que por isso são extremamente originais, como os tantos que andam circulando por aí. O livro de Salim Miguel, insisto, não é nada disso. É, sim, uma coleção de textos de crítica literária, abordando obras de escritores catarinenses, de outras partes do Brasil, das Américas de língua espanhola, enfim, do mundo. São escritos que publicou na imprensa de São Paulo, do Rio de Janeiro, do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, Estado em que reside e atua.

O Frankenstein do título, embora original, é mais um surto de modéstia do autor. Como se sabe, esse personagem criado pelo Doutor Víctor Frankenstein foi construído com pedaços de cadáveres que o cientista juntou e que deu vida. Já os textos de Salim Miguel não têm nada de mortos e nem de restos, mas são vivos, vivíssimos, claros, objetivos e dos tais que nunca perdem a atualidade, passe o tempo que passar. Porém que o título chama a atenção, pelo inusitado, não resta a menor dúvida. O autor, embora considerado, com justiça, um dos melhores escritores brasileiros da atualidade – tanto que recebeu o Prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras, em 2011, pelo conjunto de sua obra – sempre se considerou (e de fato é), sobretudo, jornalista. E como tal, é dotado daquela linguagem ágil, fluente e dinâmica do jornalismo de primeira qualidade. Em vez de recorrer a qualquer preciosismo semântico (que classifico de “pirotecnia verbal”), ou de se valer das tentativas pedantes de mostrar cultura e erudição, tão a gosto de muitos redatores, ele dá seu recado com simplicidade, clareza e objetividade. Enfim, satisfaz o objetivo principal da comunicação: comunica.

Salim Miguel analisa, entre outros, alguns livros de autores desconhecidos para nós, leitores, sobretudo do eixo Rio-São Paulo, de escritores muito bons, que mereceriam sorte melhor, como os de Santa Catarina que agora, com o advento da internet, dos blogs e sites voltados para a Literatura, começam a ser conhecidos e apreciados. Na época em que publicou seu livro, no entanto, não havia esse recurso. E excelentes escritores catarinenses raramente conseguiam a projeção nacional que mereciam. Mas “O castelo de Frankenstein” não se limita à Literatura regional. Pelo contrário, é universal. Salim Miguel enfoca, por exemplo, os contos de Gogol, os romances de Jorge Amado e Gabriel Garcia Marquez e vai por aí afora, flagrando determinadas nuances que escapam de leitores mais desatentos e até de críticos literários mais apressados. Enfim, decodifica, em linguagem simples e objetiva, o que outros escondem mediante uso e abuso de jargões técnicos, acessíveis, apenas, a meia dúzia de iniciados.

Ultimamente tem sido muito difícil o leitor, sobretudo o assinante, poder ler a análise de algum livro, qualquer que seja, no seu jornal diário predileto ou em sua revista de grande circulação. O relacionamento da imprensa com os escritores e com as editoras caracteriza-se por mútua indiferença. É raro, por exemplo, algum grande nome da literatura brasileira ter sua coluna própria, exclusivamente literária, diária ou não, em algum veículo impresso de comunicação de expressiva circulação nacional. Literatura é tema cada vez mais da alçada da internet. Com isso, as duas partes saem perdendo. Editorias voltadas às letras são cada vez mais escassas. No máximo, há seções curtíssimas de Livros nas editorias de Cultura ou de Artes e Variedades.

Os Suplementos Literários, como o que o jornal “O Estado de São Paulo” manteve por décadas, em suas edições dos sábados, foram extintos, em decorrência de custos. Já vão muito longe, também, os tempos em que Guilherme de Almeida, com seu “Ecos ao longo dos meus passos”, Luís Martins, com “Crônicas” e Sérgio Milliet, todos no carinhosamente apelidado “Estadão” paulista, “conversavam” com a gente, a cada edição, a propósito de obras literárias, da vida e principalmente de escritores, esses magistrais artífices desse mundo fascinante da cultura e da observação do comportamento humano. Quando algum jornal trata de livros (o que é cada vez mais raro, reitero) geralmente não dedica ao assunto mais do que dois parágrafos, limitando-se a vagas referências, quase sempre extraídas da orelha ou da contracapa da obra citada, o que, convenhamos, não motiva ninguém a querer adquiri-la ou lê-la. Com isso, o leitor se vê privado do acesso a analistas brilhantes, competentes e realmente entendidos, como Salim Miguel, o que é de se lamentar.


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