Crítica literária
objetiva e atrativa
Pedro
J. Bondaczuk
O livro “O castelo de
Frankenstein”, de Salim Miguel, lançado em 1986 pela Editora da Universidade
Federal de Santa Catarina, é dessas preciosidades cada vez mais raras no mundo
literário. Seu título sugere que se trate de alguma obra de ficção, relacionada
ao famoso personagem criado pela escritora britânica Mary Shelley, também
conhecido como Moderno Prometeu, datado de 1818. Todavia, não é nada disso. Nem
é coletânea de contos de terror como muitos podem pensar. Também não é nenhuma
reunião desses poemas estranhos, que por isso são extremamente originais, como
os tantos que andam circulando por aí. O livro de Salim Miguel, insisto, não é
nada disso. É, sim, uma coleção de textos de crítica literária, abordando obras
de escritores catarinenses, de outras partes do Brasil, das Américas de língua
espanhola, enfim, do mundo. São escritos que publicou na imprensa de São Paulo,
do Rio de Janeiro, do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, Estado em que
reside e atua.
O Frankenstein do
título, embora original, é mais um surto de modéstia do autor. Como se sabe,
esse personagem criado pelo Doutor Víctor Frankenstein foi construído com
pedaços de cadáveres que o cientista juntou e que deu vida. Já os textos de
Salim Miguel não têm nada de mortos e nem de restos, mas são vivos, vivíssimos,
claros, objetivos e dos tais que nunca perdem a atualidade, passe o tempo que
passar. Porém que o título chama a atenção, pelo inusitado, não resta a menor
dúvida. O autor, embora considerado, com justiça, um dos melhores escritores
brasileiros da atualidade – tanto que recebeu o Prêmio Machado de Assis, da
Academia Brasileira de Letras, em 2011, pelo conjunto de sua obra – sempre se
considerou (e de fato é), sobretudo, jornalista. E como tal, é dotado daquela
linguagem ágil, fluente e dinâmica do jornalismo de primeira qualidade. Em vez
de recorrer a qualquer preciosismo semântico (que classifico de “pirotecnia
verbal”), ou de se valer das tentativas pedantes de mostrar cultura e erudição,
tão a gosto de muitos redatores, ele dá seu recado com simplicidade, clareza e
objetividade. Enfim, satisfaz o objetivo principal da comunicação: comunica.
Salim Miguel analisa,
entre outros, alguns livros de autores desconhecidos para nós, leitores,
sobretudo do eixo Rio-São Paulo, de escritores muito bons, que mereceriam sorte
melhor, como os de Santa Catarina que agora, com o advento da internet, dos
blogs e sites voltados para a Literatura, começam a ser conhecidos e
apreciados. Na época em que publicou seu livro, no entanto, não havia esse recurso.
E excelentes escritores catarinenses raramente conseguiam a projeção nacional
que mereciam. Mas “O castelo de Frankenstein” não se limita à Literatura
regional. Pelo contrário, é universal. Salim Miguel enfoca, por exemplo, os
contos de Gogol, os romances de Jorge Amado e Gabriel Garcia Marquez e vai por
aí afora, flagrando determinadas nuances que escapam de leitores mais
desatentos e até de críticos literários mais apressados. Enfim, decodifica, em
linguagem simples e objetiva, o que outros escondem mediante uso e abuso de
jargões técnicos, acessíveis, apenas, a meia dúzia de iniciados.
Ultimamente tem sido
muito difícil o leitor, sobretudo o assinante, poder ler a análise de algum
livro, qualquer que seja, no seu jornal diário predileto ou em sua revista de
grande circulação. O relacionamento da imprensa com os escritores e com as
editoras caracteriza-se por mútua indiferença. É raro, por exemplo, algum
grande nome da literatura brasileira ter sua coluna própria, exclusivamente
literária, diária ou não, em algum veículo impresso de comunicação de
expressiva circulação nacional. Literatura é tema cada vez mais da alçada da
internet. Com isso, as duas partes saem perdendo. Editorias voltadas às letras
são cada vez mais escassas. No máximo, há seções curtíssimas de Livros nas
editorias de Cultura ou de Artes e Variedades.
Os Suplementos
Literários, como o que o jornal “O Estado de São Paulo” manteve por décadas, em
suas edições dos sábados, foram extintos, em decorrência de custos. Já vão
muito longe, também, os tempos em que Guilherme de Almeida, com seu “Ecos ao
longo dos meus passos”, Luís Martins, com “Crônicas” e Sérgio Milliet, todos no
carinhosamente apelidado “Estadão” paulista, “conversavam” com a gente, a cada
edição, a propósito de obras literárias, da vida e principalmente de
escritores, esses magistrais artífices desse mundo fascinante da cultura e da
observação do comportamento humano. Quando algum jornal trata de livros (o que
é cada vez mais raro, reitero) geralmente não dedica ao assunto mais do que
dois parágrafos, limitando-se a vagas referências, quase sempre extraídas da
orelha ou da contracapa da obra citada, o que, convenhamos, não motiva ninguém
a querer adquiri-la ou lê-la. Com isso, o leitor se vê privado do acesso a
analistas brilhantes, competentes e realmente entendidos, como Salim Miguel, o
que é de se lamentar.
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