Líbano mais perto da paz
O Líbano parece estar muito
próximo do fim do flagelo da guerra civil, de dez anos e oito meses de duração,
e que já causou mais de cem mil mortos, cerca de 3% da sua população. Este
Natal, pelo que tudo leva a crer, deverá ser marcante para o sofrido povo desse
país, pois foi nele que os poderosos chefes das três maiores milícias chegaram,
finalmente, a um acordo para o início de uma nova era.
Eles
estiveram reunidos em Damasco, com a mediação do vice-presidente sírio, Abdel
Halim Khadam, e pela primeira vez aceitaram colocar em forma de documento
aquilo que foi acertado.
É
evidente que o assunto está sendo tratado com enorme cautela, tanto pela
imprensa do Líbano, quanto pela própria população. Afinal, já foram tantas as
frustrações conhecidas nessa década de luta fratricida, que ninguém pode
criticar o libanês por essa espécie de descrença.
Mas
as lideranças das principais milícias, embora igualmente cautelosas, não
escondiam, ontem, um certo alívio pela obtenção da concórdia e uma grande
preocupação. Pacificado o país, todos terão, doravante, que assumir uma outra
tarefa, tão árdua quanto a de não perder o conflito. Esta é a de curar as
feridas deixadas pelos dez anos de guerra.
Os
libaneses, se não quiserem ver frustrada mais essa tentativa de retorno à
normalidade, terão que esquecer ofensas, perdoar as mortes dos entes queridos e
sobretudo se organizar para a difícil obra de reconstrução, que deve começar
pela reformulação das instituições.
As
várias facções religiosas terão que ter funções, no novo regime, proporcionais
à sua quantidade. É inconcebível, por exemplo, que os xiitas, hoje 35% de toda
a população, não tenham constitucionalmente o direito de indicar seus
integrantes para os dois principais cargos: a Presidência da República e a
chefia do gabinete.
Esse
desequilíbrio foi um dos fatores que levaram a essa sangrenta guerra civil. Os
palestinos, convenhamos, não foram mais do que um pretexto para que velhas
controvérsias viessem à tona e explodissem em manifestações de tamanha
violência.
Mas
o fundamental de tudo é o fortalecimento das Forças Armadas nacionais, hoje
virtualmente inexistentes. Para que o leitor tenha uma idéia, cada uma das
milícias é um autêntico exército particular, com hierarquia própria e que
aceita ordens somente do seu respectivo líder.
Os
xiitas, de Nabih Berri; os drusos, de Walid Jumblat e os cristãos, de seu atual
comandante militar, Elie Hobeika. O mesmo ocorre com os sunitas, liderados pelo
primeiro-ministro Rashid Karami, que só graças à sua imensa experiência,
conseguiu conservar intacto o gabinete, posto que esvaziado e sem nenhuma
autoridade.
É
necessário que as milícias sejam extintas. É uma aberração a existência de
qualquer exército particular num país com os problemas e a dimensão do Líbano.
É indispensável que os milicianos sejam desarmados e que aqueles mais treinados
se incorporem de vez nas Forças Armadas, que devem ser o único instrumento de
defesa nacional, interno e externo.
Se
não for procedido o desarmamento, qualquer questãozinha de somenos importância,
que poderia ser resolvida com meia hora de conversa com a cabeça fria, pode
desembocar em novos enormes conflitos, de proporções incontroláveis.
Nós
também, como observadores, temos a nossa dose de reservas quanto ao acordo
obtido pelos principais grupos em confronto. Todavia, talvez mais por uma sutil
questão de intuição, estamos acreditando que desta vez a paz será para valer. E
não há presente maior para o sofrido povo libanês do que a pacificação nacional,
logo no raiar do Ano Novo.
(Artigo
publicado na página 10, Internacional, do Correio Popular, em 27 de dezembro de
1985).
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