Papel da ONU é contraditório
Pedro J. Bondaczuk
O aspecto feio e brutal da
guerra do Golfo Pérsico começou a vir à tona desde ontem, quando milhares de
telespectadores puderam ver na televisão (e os leitores, em fotos de jornais) a
exibição dos prisioneiros das forças aliadas, exibidos, machucados,
amedrontados e humilhados, pelo presidente iraquiano Saddam Hussein ao mundo.
Foi
uma volta à realidade para aqueles que estavam encarando o confronto como mero
espetáculo pirotécnico. Como um simples show televisivo. Como mera opção ao
Rock in Rio. Que entendiam que Saddam Hussein iria entregar os pontos após uma
única batalha (embora tenha sido a mais feroz, de caráter aéreo, de que se tem
notícia até aqui.
Todavia,
cada vez mais está ficando claro que a guerra mal está começando. E ela vai Ter
com certeza um desfile de horrores, parte considerável da qual apenas os
historiadores do futuro tomarão conhecimento e, mesmo assim, na versão do
ganhador, em virtude da censura imposta ao noticiário. É como diz o adágio
popular: “Aos perdedores, as batatas”.
Entendemos,
como grandes líderes mundiais, do porte do papa João Paulo II, ressaltaram que
não foram esgotadas todas as possibilidades para uma solução pacífica do
conflito. Por exemplo, as sanções econômicas poderiam ser efetivas, desde que
se desse mais tempo para que elas funcionassem. Não se deu.
Optou-se
pelo recurso insensato das armas. Lamentável, foi o papel das Nações Unidas
nisso tudo. Organismo criado com o objetivo básico de promover a paz e a concórdia
entre os povos, no entanto a ONU é a patrocinadora da confrontação militar, a
antítese do objetivo maior que fundamentou a sua criação.
Mais
uma vez a organização agiu com um peso e duas medidas. Não mediu as
conseqüências dessa guerra em termos de estabilidade regional. Montou uma bomba
de tempo que fatalmente explodirá um dia.
Ademais,
muita gente pergunta, e não sem razão, por que a entidade não atuou com rigor
idêntico, por exemplo, contra a China, que em 1959 simplesmente varreu do mapa
o reino teocrático do Tibete? Qual o sentimento dos tibetanos diante da postura
atual da ONU na crise do Golfo Pérsico?
Não
estariam se perguntando por que não foram defendidos com o mesmo vigor, a mesma
energia, idêntica determinação? Mas esse pequeno país anexado, situado no
chamado “Teto do Mundo”, não dispõe de petróleo. Não tem instalado ali nenhum
empreendimento multinacional de porte. Não interessa a ninguém, a não ser ao
seu próprio povo, violentado de forma tão brutal pelos chineses, com a
complacência dos que hoje rilham os dentes contra o truculento ditador do
Iraque.
A
guerra seria aceitável – e ainda mais patrocinada pela ONU – se fosse contra a
miséria crescente de dois terços da humanidade. Se fosse contra o
analfabetismo, que afeta um bilhão de seres humanos. Se fosse contra a
intolerância, que ao invés de ser combatida, ganhou espaços incríveis nas
principais mídias mundiais. Só que o preço da violência nunca é barato. E
todos, inocentes e pecadores, terão fatalmente de pagá-lo um dia.
(Artigo
publicado na página 14, A Guerra no Golfo, do Correio Popular, em 23 de janeiro
de 1991).
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