Amantes em vez de
adeptos
Pedro
J. Bondaczuk
O carismático poeta
espanhol, Federico Garcia Llorca, afirmou em certa ocasião: “A poesia não quer
adeptos: quer amantes”. Ou seja, não admite meios termos. Ou você se apaixona
por ela ou ignora-a. É nisso que ela se diferencia de outros gêneros: no
sentimento, na empatia, na cumplicidade que estabelece entre autor e leitor.
Nesse aspecto, todo poeta (refiro-me aos bons) é carismático. Consegue,
simultaneamente, nos fazer sentir a mensagem que se propõe a transmitir e
refletir sobre seu significado. E a poetisa fluminense Márcia Mendes, autora do
livro “Permanência”, publicado pela editora “Mar de Letras”, não foge à regra.
Conta com esse carisma. Faz, de quem a lê, não propriamente apenas admirador,
mas, sobretudo, “amante” de sua poesia.
Como e por que esse
fenômeno ocorre? Bem, poderia citar um sem número de explicações, ou de
tentativas de explicar, mas nenhuma delas convence. Pelo menos eu não me sinto
convencido por nenhuma delas. Para mim, isso é inexplicável. Prefiro a
explicação, que nada explica, dada pelo mesmo Garcia Llorca, que citei no
preâmbulo dessas reflexões, que afirmou: “Todas as coisas têm o seu mistério, e
a poesia é o mistério de todas as coisas”. Ou não é?!!! Como se forjam os
poetas? De onde lhes vem esse talento de nos comover, apaixonar e refletir?
Creio que seja inato,
embora o ambiente em que o poeta nasce e vive possa ter alguma influência.
Vejam o caso de Márcia Mendes. Ela nasceu (em 7 de janeiro de 1969) em um
lugarejo bucólico, próximo à cidadezinha litorânea de Mangaratiba, no Estado do
Rio de Janeiro. Passou a infância em um ambiente que rescendia a poesia, entre
o mar e a mata atlântica. “Só isso fez dela a poetisa sensível e carismática
que é?”, perguntaria o leitor mais cético. Claro que não! Fosse “apenas” esta a
causa, todos os moradores dessa localidade seriam poetas, o que, evidentemente,
não são. Entram aí, além do talento potencial, as influências do meio ambiente,
da família, da vivência e da leitura, entre tantos e tantos fatores.
A própria Márcia deixa
isso claro na entrevista que deu a Selmo Vasconcellos, publicada no portal dele
(WWW.selmovasconcellos.com.br),
ao informar: “Vivi com meus avós paternos num lugarejo próximo a
Mangaratiba. Era uma casinha rosa de
janelas verdes, construída por vovô, espremida entre o mar e a mata atlântica.
Não havia luz naquela época. As noites
eram proseadas na varanda, à luz do lampião à querosene. Minha avó, catalã,
contava histórias de sua cultura, enquanto vovô lia em voz alta a poesia de
Pessoa, Bandeira, Cecília e Drummond. A
leitura está entronizada de tal forma na minha estrutura psíquica que faz parte
do meu Eu. Leio tudo. Busco a leitura
com voracidade, inclusive novos autores.
Gosto de encontrar na pluralidade, o singular de cada autor, o original,
aquilo que me traz espanto”. Entendo que, sobretudo, ambiente, família e
talento inato, os três fatores simultaneamente, fizeram de Márcia Mendes a
excelente poetisa que é. Tudo isso e muito mais...
O carismático poeta
chileno Pablo Neruda, ganhador do Prêmio Nobel de Literatura, afirmou, certa
feita, em uma de suas tantas entrevistas: “A poesia tem comunicação secreta com
o sofrimento do homem”. De fato, tem. Fala, pois, diretamente à alma e não,
propriamente, ao intelecto ou prioritariamente a ele. É algo muito mais para
ser sentido do que propriamente entendido. E essa capacidade Márcia tem de
sobejo. Não por causa de sua profissão de psicóloga, que sonda a mente dos
pacientes em busca de problemas que os afligem, como os desavisados podem
supor. Pode até ser que ajude, mas não é essencial. Fosse assim, todos
profissionais dessa área seriam poetas. Todavia, raros são.
A própria Márcia define
sua aptidão, neste trecho da citada entrevista que deu a Selmo Vasconcellos, ao
fazer esta declaração: “Sabe, Selmo, eu acho que o poeta é um alquimista capaz
de transformar o cotidiano. O verdadeiro
poeta transforma as lentes, pinta as telas, traz colorido à vida. Nossas emoções traduzem sentimentos. Sentimos
aquilo que nos emociona. O poeta percebe as sutilezas que envolvem a linguagem
e o sentir, assim, consegue decifrar esse enigma e mostrar o avesso do feio, do
triste, do mal. Não há impacto, o
impacto está na percepção do poeta.
Escrevo em cafés barulhentos, em aviões, em aeroportos, no silêncio da
madrugada, ou no meio do dia. Escrevo quando as palavras me alcançam. A palavra é viva. Enfileiram-se e dão concretude aos meus
pensamentos que traduzem as imagens mentais que percebo”.
Partilho com você,
paciente leitor, o poema abaixo, publicado no livro “Permanência”, de Márcia
Mendes, destes que a gente gostaria de ser o autor, por expressarem a caráter o
que pensamos a respeito:
Morte
“Papel
em branco?
Não
temo.
Temo
a morte que tem cara feia
Que
faz o coração se soltar do peito
E
sangrar,
E
doer…
Morte
tem cara?
Chega
sem que se espere.
Entra
sem ser convidada,
Suspendendo
amores,
Interrompendo
dizeres,
Levando
pessoas
Sei
lá pra onde,
Trazendo
saudade.
Mal-educada,
atrevida, insolente!
Morte
é fio cortado
É
esquina dobrada
É
rosto escondido.
Dona
Cotinha, carpideira convicta
diz
que já viu:
É
mulher, veste preto e cheira a terra.
Pro
padre ela não tem rosto.
Pensando
bem morte deve ser homem,
Veste
branco e cheira a flores.
Somente
ela foi capaz de acabar
Com
dores intermináveis,
Sofrimentos
inaceitáveis,
Viveres
mortos.
Isolamento
de tudo…
É
a morte um exílio?
Pode
ser.
Só
sei que
Não
sei morrer”.
Agora, respondam-me:
como não se apaixonar por uma poesia assim?!!! E, sobretudo, por uma poetisa
tão competente e convincente?!! Sim, leitor, como?!!!Voltarei, certamente, ao
tema.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
No comments:
Post a Comment