Friday, April 03, 2015

Líder autêntico, mas desprestigiado



Pedro J. Bondaczuk



O presidente argentino, Raul Alfonsin, que enfrenta dificuldades enormes em seu país, de caráter político, econômico e até institucional, pode se tornar, hoje, um dos raros latino-americanos a obter um Prêmio Nobel. Ele é um dos mais sérios candidatos, ao lado da mandatária filipina, Corazón Aquino e da Organização Mundial de Saúde, à obtenção da honraria. Mesmo que ele não venha a conquistar tal distinção, todavia, o simples fato de ter sido lembrado para tanto mostra o prestígio internacional de que goza atualmente. Afinal, tem sido, nos últimos quatro anos, um dos líderes mais sérios, determinados e audazes da América Latina.

Enfeixa em suas mãos uma série de questões capazes de perturbar o mais sereno dos homens. Mesmo assim, entre tropeços e avanços, erros e acertos, vem conduzindo a contento a Argentina em meio a um árduo processo de transição.

Enquanto isso, em seu país, chegaram a circular até rumores de que o presidente estaria em vias de renunciar ao cargo. É evidente que tais boatos só podem ter partido de fontes radicais, retrógradas, das tais que só se satisfazem quando tudo está ruim, para extrair proveitos pessoais. O presidente, de fato, ainda não se refez da derrota eleitoral da União Cívica Radical nas eleições de 6 de setembro passado.

Sensível como é, porém, percebeu que os rumos por onde a nação está enveredando não são exatamente os desejados por sua sociedade. E dentro do possível (ou factível), com muita humildade por sinal, tenta reorientar suas ações. Tudo sem traumas, medidas de força e nem qualquer forma de pressão ilegítima. Age, portanto, dentro do mais perfeito figurino democrático, o que é (desgraçadamente) uma raridade nessa nossa infeliz América Latina.

Para um líder que assumiu o país no auge do desprestígio externo e o recompôs pelo menos a um nível aceitável; para quem pegou um governo virtualmente falido, que sequer tinha recursos para saldar os juros da dívida externa e recompôs o perfil do endividamento de forma vantajosa; para quem teve que curar "feridas" geradas pela "guerra suja" do regime anterior, que deixou um número de desaparecidos que nunca será conhecido com exatidão e teve a coragem de punir, dentro da lei, os que se excederam na repressão, nada mais justo do que ser lembrado para uma honraria desse porte. Se ele ganhar, em poucas vezes o Nobel da Paz estará em tão boas e legítimas mãos quanto nessa oportunidade.

(Artigo publicado no Correio Popular em 13 de outubro de 1987)

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