Maior façanha da
antiguidade
Pedro
J. Bondaczuk
A maneira com que a
pirâmide de Queops, no Cairo, foi construída intrigou (e vem intrigando)
gerações. Quanto mais se estuda o assunto, mais boquiabertos e encantados
ficamos. Nada se sabe de real, de verdadeiro, de factual baseado em documentos
(que não existem) a propósito da construção. É um empreendimento que dá margem
a especulações de toda a sorte, a possibilidades (talvez não a probabilidades)
e a fantasias das mais plausíveis ás delirantes. O assunto é magnífico desafio
à imaginação. Num ponto, porém, há consenso: trata-se da maior façanha humana
da antiguidade. Talvez, até, de todos os tempos, caso sejam consideradas as
circunstâncias da sua construção.
Estima-se que a grande
pirâmide tenha sido construída há 4.200 anos, mas esse tempo pode ser muito
anterior (ou posterior), já que a datação histórica – posto que muitos
historiadores neguem isso enfaticamente – não passa de ficção. A maneira das
pessoas medirem o tempo variou demais, de época para época e de povo para povo.
Os calendários foram muitos e na conversão de um para o outro, é provável que
tenha havido superestimação ou subestimação não de alguns anos, mas até de
séculos e quiçá milênios.
Para efeitos de
comentários (meu objetivo não é o da precisão histórica, que, ademais, nesse
caso é impossível) aceitemos a data tida e havida como a mais provável pela
quase totalidade dos historiadores, embora com a ressalva que a construção pode
ser muito, muitíssimo mais antiga do que se aceita. Digamos, pois, que a
pirâmide de Queops tenha mesmo por volta dos 4.200 anos que se lhe atribui, o
que, convenhamos, não é antiguidade desprezível. Muito pelo contrário.
Provavelmente, em 2.400 antes de Cristo, a imensa maioria da população mundial
estava ainda em estágio primitivíssimo de civilização. Na Europa,
provavelmente, a maior parte dos povos praticamente não tinha organização
social alguma ou, se tinha, esta não era sequer remotamente parecida com a
atual. Ou seja, não havia vilas, cidades. países e nem embriões de Estados, mas
somente tribos esparsas, bandos, conjuntos de clãs familiares que talvez ainda
habitassem em cavernas.
Pois bem, numa era tão
remota, um povo que estava muito à frente dos demais em todos os aspectos,
constrói monumentos que nos dias de hoje ainda são assombrosos. Como isso
aconteceu? Não é intrigante? Concentremo-nos especificamente na pirâmide de
Queops, com seus 146,60 metros originais, não só a maior delas – quer no Egito,
quer em qualquer outra parte do mundo – mas a mais gigantesca construção humana
de todos os tempos por mais de quatro milênios, apenas superada em altura no
século passado, no início de 1931, quando da inauguração do Empire State
Building, em Nova York, com seus 381 metros de altura (desconsiderando sua
antena).
A edificação
novaiorquina tem mais do dobro de altura da egípcia, com seus 102 andares.
Pudera! Na sua construção foram empregadas as mais modernas técnicas de
engenharia da época, que não mudaram muito de 1931 para cá. Já Queops foi
erguida praticamente “na unha”, como se diz no popular. Não existiam, por
exemplo, os gigantescos e poderosos guindastes de hoje, capazes de alçar a
imensas alturas equipamentos com muitas toneladas de peso e nem algo que sequer
remotamente lembrasse esse recurso. Seus construtores não dispunham de trilhos
de aço por onde pudessem deslizar blocos de pedra pesadíssimos, que mesmo hoje
dariam trabalho imenso para transportar e mais ainda para erguer. E a altura a
se alcançar não era nada desprezível, equivalente à de um prédio de 45 andares.
Como conseguiram? Que magnífico segredo aqueles egípcios conheciam e que hoje a
humanidade desconhece?
Outro aspecto admirável
é o que se refere à resistência da grande pirâmide. Admitindo que tenha, mesmo,
antiguidade de 4 milênios (embora eu desconfie que esta seja muito maior), a
erosão desbastou apenas exatos 9,44 metros da estrutura original. Ou seja, o
monumento tinha, após concluído, altura de 146,60 metros e tem, hoje, 137,16
metros. Qual outra obra contemporânea resistiu tanto? Absolutamente nenhuma! A
teoria mais aceita hoje é que a grande pirâmide foi construída exclusivamente
com a força humana, sem qualquer recurso tecnológico, mesmo que tosco e
primitivo. A quantidade de trabalhadores empenhados nela e sua natureza é outro
ponto sobre o qual não há consenso. Para a maioria dos historiadores, o número
de operários, empenhados nessa empreitada foi de aproximadamente cem mil
pessoas e a duração dela foi de vinte anos. Óbvio que se trata, apenas, de
estimativa. Não há qualquer documento para comprovar ou desmentir essa cifra.
Há quem recorra aos
registros do grego Heródoto, considerado o “Pai da História”, para cravar um
número pelo menos aproximado de pessoas que participaram da construção. Ele, de
fato, conheceu Queops bem de perto, mas sabe a respeito tanto quanto eu, você,
fulano, sicrano e beltrano. Por que afirmo isso? Porque o venerável historiador
conheceu a grande pirâmide quando ela já tinha dois milênios de idade
(aceitando, claro, como data de sua conclusão cerca de 2.400 antes de Cristo).
Heródoto afirmou que cerca de cem mil “homens livres” participaram da
construção. Como sabia? Não sabia! Chutou, evidentemente, o que eu e qualquer
outra pessoa poderíamos fazer.
Outra controvérsia
refere-se à natureza desses trabalhadores. Para o historiador grego, os homens
empenhados na obra eram todos livres e assalariados. Outras fontes, todavia,
afirmam, com convicção que não tem base alguma em provas, que ou a totalidade
deles ou grande parte desses operários eram escravos. Para mim, mesmo sem ter
nenhum registro da época para me basear, a hipótese que considero mais
plausível, baseado puramente na intuição, é a segunda. Ou seja, a mescla de
assalariados e de escravos. O “piramidologista’ alemão, Kurt Mendelssohn (pois
é, já existe este ramo da ciência!) chegou a outra conclusão. Afirmou que o
número de operários da grande pirâmide foi de cerca de 80 mil, sendo dez mil
permanentes e 70 mil temporários, que se empenhavam na tarefa somente durante
as cheias do Rio Nilo, quando não podiam plantar e nem colher. Ou seja, faziam
da construção uma espécie de “bico” para reforçar o orçamento familiar. Faz
sentido.
Há que se levar em
conta a população do Egito na época. A quantos habitantes ascendia? A um
milhão? Dificilmente. A 500 mil? A 400 mil? A 300 mil? Sabe-se lá. Fossem
quantos fossem os habitantes, é provável que 80% ou mais das famílias egípcias
da época tiveram pelo menos um membro trabalhando por certo tempo na obra. É
incrível como a grande pirâmide vem resistindo ao tempo. Seu maior adversário,
responsável por alguns estragos no monumento (consideráveis por sinal) não foi,
propriamente, o vento. Nem foram as chuvas. Nem mesmo foram todos os elementos
naturais somados. Foi o homem. Foram inúmeras as pilhagens que Queops sofreu.
A pirâmide original
estava revestida, nos seus quatro lados, por uma pedra polida, imaculadamente
branca, que refletia, como monumental espelho, a luz do sol. Não por acaso, os
antigos egípcios chamavam-na, simplesmente, de “Luz”. O acabamento era perfeito
e não deixava aparecer as emendas, como se fosse lavrado em um único e
grandioso bloco, com a precisão de um mosaico. Deixava entrever, apenas, as
janelas que foram assentadas com cimento. A obra, assombrosa, podia ser vista a
imensas distâncias, a centenas de quilômetros, com seu enorme esplendor.
Esse revestimento
permaneceu intacto por milênios e veio a ser destruído somente no século XII da
nossa era. Daquelas pedras originais, restam, hoje, apenas algumas, e esparsas,
no topo e na base. Além do brilho, elas continham inscrições hieroglíficas numa
quantidade extraordinária. Certamente nelas deveria estar a explicação para
pelo menos parte do mistério que cerca o monumento, ou seja, o que se refere ao
objetivo da sua construção. Abdul Latif, que viveu nesse tempo, fez, a este
propósito, as seguintes anotações: “Nas pedras estavam gravadas inscrições
atualmente ininteligíveis. Nunca encontrei ninguém no Egito que pudesse
decifrá-las. Os hieróglifos, que ocupam o espaço das pirâmides, são tão
numerosos que, se fossem copiados, poderiam encher mais de seis mil páginas”.
Todavia, por burrice, ambição, inconsciência etc.etc.etc., tudo isso se perdeu,
com o roubo do magnífico revestimento, que conservava a luz do sol e brilhava
intensamente inclusive à noite, como imenso farol a guiar os viajantes.
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