Friday, April 24, 2015

À sombra dos acordos


Pedro J. Bondaczuk


Os Estados Unidos e a União Soviética vão para a reunião de Genebra (visando a obtenção de um acordo global que reduza as armas nucleares) dentro de apenas 18 dias, numa posição de profunda desconfiança mútua. À medida em que se aproxima o dia do início das conversações, acusações e denúncias se multiplicam, em Washington e em Moscou, tendo desta vez por pomo da discórdia o mirabolante projeto do presidente norte-americano, Ronald Reagan, a Iniciativa de Defesa Estratégica, vulgarmente conhecida como “Guerra nas Estrelas”, ou “starwars”, no idioma original.

Já tivemos inúmeras oportunidades para expressar nosso cepticismo quanto a tais conferências, que tudo leva a crer se tratem apenas de uma maneira de se dar uma satisfação à opinião pública e a levar à esperança de que ainda é possível deter a vertiginosa corrida para a destruição.

Nunca se negociou tanto a esse respeito quanto da segunda metade da década de 70 até o ano de 1982. E o que foi que aconteceu de prático? Conseguiram-se dois acordos Salt, um dos quais permanece até hoje esquecido em alguma gaveta qualquer do Senado norte-americano, à espera da competente ratificação. Apenas isso.

Em contrapartida, jamais, em outra época nenhuma, o mundo conheceu uma corrida armamentista tão intensa quanto neste período de tantas conferências e negociações. O negócio de armas movimenta hoje tamanha soma de recursos, que de maneira nenhuma as superpotências desejarão matar essa “galinha dos ovos de ouro”, mesmo que a manutenção dessa situação implique numa insensata “roleta russa” nuclear.

Apenas para que o leitor tenha uma pálida idéia do dinheiro envolvido na questão, basta dizer que a “Guerra nas Estrelas” completa deverá custar aos EUA a astronômica cifra de US$ 1 trilhão, o que representa dez vezes o valor da dívida externa do Brasil ou 120% do endividamento global do Terceiro Mundo.

Apenas para este ano, para início das pesquisas, está sendo destinada uma verba de US$ 20 bilhões. Ou seja, um quarto daquilo que devemos no Exterior. Ou dez vezes o endividamento externo da Bolívia.

Todo este dinheiro circula não apenas nos EUA. Diversas matérias-primas são adquiridas em vários outros países, bem como componentes e ligas especiais (inclusive no Brasil). Por essa razão, os protestos internacionais são tão débeis e sem grande convicção. Todos, com maior ou menor intensidade, têm interesses em jogo.

A União Soviética grita, esperneia, deblatera, faz-se de vítima, mas investiu nos últimos anos muito mais do que a superpotência rival na corrida armamentista. Com uma agravante: sua riqueza nacional é apenas um quarto da norte-americana e não é necessário ser nenhum gênio para se concluir que o sacrifício imposto à população russa tem sido bem maior.

Estima-se, otimisticamente, que 40% de toda a atividade econômica da URSS gira em torno de armas. Com isso, o cidadão soviético ser vê privado de mais automóveis, geladeiras, fogões e outros tantos utensílios que a moderna tecnologia desenvolveu para tornar menos penosa a vida das pessoas.

É irônica, mas rigorosamente verídica, a constatação de que hoje “a indústria da morte” tem papel fundamental para a manutenção pessoal de milhões de indivíduos. Por isso ela vem crescendo e segundo prognósticos da Agência para o Desarmamento dos EUA, deverá movimentar no corrente ano mais de US$ 1 trilhão.

Fica a pergunta no ar: o que, afinal, soviéticos e norte-americanos vão negociar em Genebra, a partir de 12 de março? A redução das armas nucleares, com certeza, não haverá de ser!

(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 22 de fevereiro de 1985).


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