À sombra dos acordos
Pedro J. Bondaczuk
Os Estados Unidos e a União
Soviética vão para a reunião de Genebra (visando a obtenção de um acordo global
que reduza as armas nucleares) dentro de apenas 18 dias, numa posição de
profunda desconfiança mútua. À medida em que se aproxima o dia do início das
conversações, acusações e denúncias se multiplicam, em Washington e em Moscou,
tendo desta vez por pomo da discórdia o mirabolante projeto do presidente
norte-americano, Ronald Reagan, a Iniciativa de Defesa Estratégica, vulgarmente
conhecida como “Guerra nas Estrelas”, ou “starwars”, no idioma original.
Já
tivemos inúmeras oportunidades para expressar nosso cepticismo quanto a tais
conferências, que tudo leva a crer se tratem apenas de uma maneira de se dar uma
satisfação à opinião pública e a levar à esperança de que ainda é possível
deter a vertiginosa corrida para a destruição.
Nunca
se negociou tanto a esse respeito quanto da segunda metade da década de 70 até
o ano de 1982. E o que foi que aconteceu de prático? Conseguiram-se dois
acordos Salt, um dos quais permanece até hoje esquecido em alguma gaveta
qualquer do Senado norte-americano, à espera da competente ratificação. Apenas
isso.
Em
contrapartida, jamais, em outra época nenhuma, o mundo conheceu uma corrida
armamentista tão intensa quanto neste período de tantas conferências e
negociações. O negócio de armas movimenta hoje tamanha soma de recursos, que de
maneira nenhuma as superpotências desejarão matar essa “galinha dos ovos de
ouro”, mesmo que a manutenção dessa situação implique numa insensata “roleta
russa” nuclear.
Apenas
para que o leitor tenha uma pálida idéia do dinheiro envolvido na questão,
basta dizer que a “Guerra nas Estrelas” completa deverá custar aos EUA a
astronômica cifra de US$ 1 trilhão, o que representa dez vezes o valor da
dívida externa do Brasil ou 120% do endividamento global do Terceiro Mundo.
Apenas
para este ano, para início das pesquisas, está sendo destinada uma verba de US$
20 bilhões. Ou seja, um quarto daquilo que devemos no Exterior. Ou dez vezes o
endividamento externo da Bolívia.
Todo
este dinheiro circula não apenas nos EUA. Diversas matérias-primas são
adquiridas em vários outros países, bem como componentes e ligas especiais
(inclusive no Brasil). Por essa razão, os protestos internacionais são tão
débeis e sem grande convicção. Todos, com maior ou menor intensidade, têm
interesses em jogo.
A
União Soviética grita, esperneia, deblatera, faz-se de vítima, mas investiu nos
últimos anos muito mais do que a superpotência rival na corrida armamentista.
Com uma agravante: sua riqueza nacional é apenas um quarto da norte-americana e
não é necessário ser nenhum gênio para se concluir que o sacrifício imposto à
população russa tem sido bem maior.
Estima-se,
otimisticamente, que 40% de toda a atividade econômica da URSS gira em torno de
armas. Com isso, o cidadão soviético ser vê privado de mais automóveis,
geladeiras, fogões e outros tantos utensílios que a moderna tecnologia
desenvolveu para tornar menos penosa a vida das pessoas.
É
irônica, mas rigorosamente verídica, a constatação de que hoje “a indústria da
morte” tem papel fundamental para a manutenção pessoal de milhões de
indivíduos. Por isso ela vem crescendo e segundo prognósticos da Agência para o
Desarmamento dos EUA, deverá movimentar no corrente ano mais de US$ 1 trilhão.
Fica
a pergunta no ar: o que, afinal, soviéticos e norte-americanos vão negociar em
Genebra, a partir de 12 de março? A redução das armas nucleares, com certeza,
não haverá de ser!
(Artigo
publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 22 de fevereiro de
1985).
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
No comments:
Post a Comment