O eclético escritor que
amava o povo e o futebol
Pedro
J. Bondaczuk
O escritor uruguaio,
Eduardo Hughes Galeano, que nasceu, viveu e morreu (neste 13 de abril de 2015)
em Montevidéu, é um dos tantos latino-americanos que serão sempre citados (com
pertinência, diga-se de passagem) como mais um dos tantos injustiçados pelo
Nobel. Ele tornou-se mundialmente conhecido pelo seu livro “As veias abertas da
América Latina”. Há quem ache que essa foi sua obra “única” – a exemplo de Juan
Rulfo, que só publicou “Planalto em chamas” – o que é tremenda desinformação.
Há muita gente que posa de “expert” em Literatura, mas que, ao fim e ao cabo,
entende muito pouco do riscado. Galeano, além de escritor, foi notável
jornalista, que tinha muito que ensinar aos que exercem essa nobre profissão.
Quanto à sua
bibliografia, esta é bastante considerável. Ascende a mais de 40 livros, a
imensa maioria abordando a história nem sempre narrada com fidelidade dos povos
latino-americanos. Desses, 13 foram traduzidos para o português, o que não é
desculpa para não ser lido no Brasil, e que são os seguintes: “As veias abertas
da América Latina” (1971); “Vagamundo” (1973); “Dias e noites de amor e de
guerra” (1973); “Memórias de fogo” – trilogia (1982 a 1986); “O livro dos
abraços” (1989); “As palavras andantes” (1993); “O futebol ao sol e à sombra”
(1995); “Ser como eles” (1997); “Mulheres” (1997); “Pés acima: a escola do
mundo ao revés” (1998); “Bocas do tempo” (2004); “O teatro do bem e do mal”
(2002); “Espelhos, uma quase história universal” (2008) e “Os filhos dos dias”
(2012), a última obra que publicou, também lançada em nosso país.
Eduardo Galeano nasceu
em 3 de setembro de 1940, em uma família de classe média, de ascendência
européia. Batalhou muito para se instruir, tendo, na adolescência, assumido
funções bastante modestas, como as de pintor de letreiros, mensageiro,
datilógrafo e caixa de banco. O curioso é que seu sonho de infância não era,
propriamente, ser jornalista e nem escritor. Era o de ser jogador de futebol
profissional, certamente influenciado pelo título mundial (o segundo da sua
história) conquistado em 1950, pelo Uruguai, no célebre episódio do
“Maracanazzo”, ocasião em que tinha quase dez anos de idade (que completaria
meses depois da conquista).
Não por acaso, um dos
primeiros livros que publicou, em 1968, foi “Su majestad El futbol” (não
traduzido para o português). Mas sua obra mais conhecida, abordando este apaixonante
esporte das multidões, data de 1995. Trata-se de “O futebol ao sol e à sombra”,
esta sim lançada no Brasil e bastante conhecida, sobretudo da mídia esportiva
brasileira. Neste livro, entre outras coisas, Galeano compara esse esporte ora
como teatro, ora como uma guerra, com suas táticas e estratégias. E estava
errado? Óbvio que não. Narra, principalmente, a final de 1950 e tudo o que a
cercou, antes e depois da conquista uruguaia (e, consequentemente, do fracasso
brasileiro considerado o maior de nossa seleção até ser superado pelo de 2014,
com a trágica goleada sofrida diante da Alemanha por 7 a 1).
Apesar de “As veias
abertas da América Latina” ser a obra mundialmente mais conhecida de Eduardo
Galeano, a que teve melhor acolhida por parte da crítica internacional foi a
trilogia “Memórias de Fogo”, uma espécie de resgate da História da América
Latina, com seu punhado de heróis e sua multidão de vilões, sobretudo os vários
caudilhos que governaram os países latino-americanos e foram responsáveis pelo
secular atraso do hemisfério. Ele foi comparado (comparação com a qual
concordo) com o norte-americano John dos Passos e com o colombiano Gabriel
Garcia Marquez. O renomado crítico do “The Times”, Ronald Wright, chegou a
escrever que "os grandes escritores dissolveram gêneros antigos e
encontraram novos. Esta trilogia de um dos mais ousados e talentosos da América
Latina é impossível de classificar". Da minha parte, classificaria a obra
de genial.
Quando afirmo que
Eduardo Galeano é um dos tantos e tantos e tantos injustiçados do Nobel não
exagero e nem estou tecendo loas pelo fato dele ter falecido. O escritor
uruguaio inovou em Literatura. Conseguiu a façanha de combinar em sua obra
ficção, jornalismo, análise política e História. Recorde-se que, nos mais de
cem anos de existência da premiação, apenas seis escritores latino-americanos
foram premiados: Gabriela Mistral (Chile), em 1945; Miguel Angel Astúrias
(Guatemala), em 1967; Pablo Neruda (Chile), em 1971; Gabriel Garcia Marquez
(Colômbia), em 1982; Octávio Paz (México), em 1990 e Mário Vargas Llosa (Peru),
em 2010. Só de brasileiros que mereceram o Nobel e não foram sequer cogitados,
poderia citar, na ponta da língua, pelo menos cinco dezenas de escritores. De
todos os injustiçados, considero como “pecado mortal” irremissível o fato de
Machado de Assis não ser, nem remotamente, cogitado para o Nobel de Literatura.
Afinal, “ignorância literária” tem limites, ou pelo menos deveria ter.
Eduardo Galeano vem
juntar-se – excluindo os brasileiros – a escritores excepcionais da América
Latina, nunca cogitados a esse prêmio. Como os argentinos Jorge Luís Borges,
Ernesto Sabato, Júlio Cortázar, Ricardo Piglia e Adolfo Bioy Casares. Ou como o
nicaragüense Ruben Dario. Ou como os cubanos Alejo Carpentier, José Lezama Lima
e Guillermo Cabrera Infante. Ou como o paraguaio Augusto Roa Bastos. Ou como
seus conterrâneos uruguaios, Horácio Quiroga, Juan Carlos Oneti e Mário
Benedetti. E a relação poderia se estender por páginas e mais páginas. Além do
que, não existe um Prêmio Nobel póstumo, para corrigir tantas e tão gritantes
omissões.
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