Miséria gera violência
Pedro J. Bondaczuk
O secretário de Estado dos Estados Unidos, James
Baker, visitou, ontem, o gueto negro do Soweto, e parece não ter gostado nada ,
nada daquilo que viu. Por toda a parte, pôde presenciar somente a miséria.
Conheceu de perto as péssimas condições de vida dos habitantes dessa
cidade-dormitório. O cenário chocou-o a tal ponto, que ele fez um desabafo,
dizendo que as piores favelas existentes no seu país seriam "luxuosos
bairros de classe média" se comparadas às aglomerações de miseráveis
barracos dessa localidade sul-africana. A visita foi muito proveitosa para que
ele formasse um quadro real, despido da propaganda oficial, do que ocorre na
África do Sul. Baker deixou o Soweto exortando as autoridades do governo de minoria
branca a porem um fim definitivo no intolerável sistema do
"apartheid".
O secretário de Estado norte-americano, como homem
público sensível e experiente que é, pôde entender, certamente, pelo menos um
pouco, da razão que tem levado a maioria negra a recorrer às vezes à violência.
Trata-se de desespero. A miséria, por si só, já é uma agrura suficiente para
acuar qualquer pessoa. Principalmente quando ela não é indolente, e produz
riquezas com a força do seu trabalho, sem que usufrua qualquer benefício.
Imaginem o que é essa condição aliada à falta absoluta de direitos. Ao fato do
indivíduo ser considerado um "estrangeiro" na própria terra em que
nasceu, cresceu e foi criado. Ninguém defende na África do Sul a substituição
do domínio de uma raça sobre outra. Nem mesmo o líder nacionalista Nelson
Mandela.
O atual vice-presidente do Congresso Nacional
Africano deixou isto bastante claro no pronunciamento que fez, em 10 de
fevereiro passado, ao deixar a prisão, onde permaneceu por quase 27 anos, por
defender uma sociedade multirracial, integrada e cooperativa, como deve ser
qualquer país que se preze. Ele assinalou, na oportunidade:
"Convoco todos os nossos compatriotas brancos a
se unirem a nós na criação de uma nova África do Sul. O movimento de liberdade é
um abrigo político para vocês também". A melhor salvaguarda contra a
violência é a justiça. Se todos tiverem oportunidades iguais para, através da
sua capacidade e do seu empenho, subirem na escala social, não existirão
frustrações reprimidas. Ninguém se sentirá acuado pela miséria e não precisará
entrar em desespero. Mas não será com o atual regime segregacionista que isto
irá ocorrer. É como Mandela assinalou na oportunidade referida: "Não se
pode reformar o regime do 'apartheid'. É preciso eliminá-lo".
(Artigo publicado na página 12, Internacional, do
Correio Popular, em 24 de março de 1990)
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