Monday, April 27, 2015

A nossa vez e nossa voz

Pedro J. Bondaczuk

A arte – toda arte, qualquer arte – é uma das maiores, se não a maior manifestação de inteligência. Não conseguimos criar coisa alguma, está claro, se antes não entendermos o significado do que pretendemos produzir, às vezes partindo de uma idéia esparsa, colhida ao acaso e, não raro, de simples fragmento dela, aparentemente incoerente. Quando a produzimos, pouco nos importa o valor material do produto artístico. A maioria de nossas criações pode, até, não valer nada materialmente, não ter qualquer serventia para ninguém, exceto a contemplação do belo. Mas isso é pouco? Não! Jamais!  Criar, seja o que for, também é descobrir. É, sobretudo, ousar. É ter coragem para aceitar o risco do ridículo. É desafiar o sistema vigente com alguma novidade. É enriquecer o patrimônio da própria humanidade. É ser original. É colher frutos desse supremo ato com humildade.

O norte-americano Michael Drury diz o seguinte a respeito: "A grande verdade, a verdade transformadora, é que ser criativo constitui uma descoberta – a descoberta de nós mesmos, de nossa maneira própria de reagir diante da vida. E descoberta é aquilo que ninguém sabia antes. É algo que se faz só, como nascer ou morrer". O lado melhor disso tudo não é, reitero, o prático, o material. É a satisfação íntima advinda da certeza de que fizemos o que gostamos e nos sentimos realizados com isso, sem nos importarmos se os outros vão ou não valorizar o que fizemos. E isso importa? Para mim não. E creio que a resposta será a mesma da parte de qualquer artista criativo e competente. O que conta é a descoberta acompanhada de revelação: de nós mesmos.

Vamos conversar um pouco a respeito? Não estranhem se esse meu monólogo lhes parecer um tanto maluco, digamos, incoerente. Provavelmente será. Papo entre amigos às vezes é assim. Muda de assunto sem aviso prévio e os interlocutores sequer estranham. A arte precisa ser instintiva, natural, selvagem. É a única forma de sermos autênticos sem causar estranheza. É nossa carta de alforria, a absoluta e irrestrita liberdade de expressão.. Ninguém é forçado a ser artista: músico, escritor, pintor, escultor, poeta... É uma escolha pessoal e intransferível, questão de vocação, gosto, competência, talento ou sabe-se lá mais o quê.. Ou se é ou não se é artista. Não existe meio-termo. Não existe o “meio artista”. Fazer arte é o modo que cada pessoa dispõe para ser livre, para impor a personalidade, para deixar marca no mundo. A aceitação ou não do que o artista produzir vai depender de critérios subjetivos de apreciação e avaliação dos destinatários. Mas a arte não comporta interferências e nem censuras.

A liberdade de escolha do artista tem que ser respeitada e irrestrita. Só a ele cabe decidir sobre o que, quando, como e onde criar. Pois a arte, insisto e reitero, é nossa carta de alforria. É nosso "DNA". É nosso ser. É nossa vez. É nossa voz... e não raro única... Não podemos, todavia, nos fiar, apenas, na inteligência no processo criativo. Ela ajuda, não há dúvidas (o sujeito burro praticamente não tem nenhuma chance de sucesso, como destaquei dia desses), mas sozinha é inerme. Precisa do auxílio da sensibilidade. Requer o acréscimo da emoção. Sem esquecer jamais a irrestrita liberdade no ato de criar. A vida, com seus mistérios, oportunidades e armadilhas, tende a ser nosso modelo de arte. Temos que acreditar nela e buscar seus aspectos positivos e mais nobres, como beleza, grandeza e transcendência.

O desencanto que se apossa da maioria das pessoas, nestes tempos loucos de insensatez e de violência, é tão grande, que pequenos (mas de maiúsculo significado) gestos de bondade e de solidariedade, que se praticam no dia-a-dia (e que não são poucos), que não deixam de ser obras de arte vivas, passam despercebidos.  Ou são ignorados, quando divulgados publicamente. Ou são, na melhor das hipóteses, logo depreciados. Não podemos, porém, nos importar com esse tipo de opinião. Devemos agir com bondade, grandeza, solidariedade e espontaneamente, sempre dispostos a ajudar quem precise, sem outra distinção senão essa necessidade.

As amizades – as irrestritas, espontâneas e desinteressadas como todas deveriam ser – são fartas fontes de inspiração para obras de arte. Li, nestes anos todos em que convivo com artes e artistas, inúmeros poemas, contos, crônicas e romances em torno do tema. Claro que se trata de assunto delicado, não muito fácil de se lidar com competência. Não o recomendo aos imperitos, aos pessimistas e aos mau humorados. Eles não saberão explorá-lo com grandeza, beleza e credibilidade necessárias. Se não acreditarem na sua existência (cansei de ouvir o desabafo de que “amigos são apenas nossos dentes e olhe lá”), tudo o que escreverem a respeito soará falso, deficiente e piegas. Não canso de reproduzir o apelo, em tom de desabafo, de Vinícius de Moraes, quando soube da morte de um amigo. Escreveu: "Ah, meus amigos, não vos deixeis morrer assim. Ide ver vossos clínicos, vossos analistas, vossos macumbeiros, e tomai sol, tomai vento, tomai tento, amigos meus... Amai em tempo integral, nunca sacrificando ao exercício de outros deveres este sagrado, do amor. Amai e bebei uísque. Não digo que bebais em quantidades federais, mas quatro, cinco uísques por dia nunca fizeram mal a ninguém. Amai, porque nada melhor para a saúde que um amor correspondido. Mas, sobretudo, não morrais, amigos meus".

A experiência me diz que o melhor termômetro para medir a temperatura de um afeto é o temor de perder a pessoa a quem é voltado. Isso vale tanto para o amor, quanto para as amizades. Quanto mais tememos perder a companhia de uma pessoa, mais afeiçoados estamos a ela. Faço meu o apelo de Vinicius aos meus amigos, a você que participa desse papo informal e um tanto amalucado, que tanto prezo (mesmo sem conhecê-lo pessoalmente) e que não admito perder. Pena que o poetinha não seguiu a própria receita. Um dia, inesperadamente, sem nenhum aviso, nos deixou. Seu coração, grandioso, fonte da sua criatividade, não resistiu a tanto acúmulo de ternura. Simplesmente explodiu!

Antes de encerrar este papo descontraído (e amalucado, reitero, sem constrangimento), deixo-lhe, caro interlocutor, derradeira recomendação. Tenha cautela com informações e, principalmente, com imagens com as quais alimenta, diariamente, seu espírito. Nosso subconsciente não é seletivo, como é o consciente. Não estabelece filtragem de valores, separando o bem do mal. Grava tudo, absolutamente tudo o que vemos, ouvimos e sentimos. Caso, na vida cotidiana, nos fartemos de imagens de atos de degradação e de destruição alheios, através do noticiário, do cinema e da televisão, corremos o risco do nosso subconsciente incrementar nossa instintiva agressividade individual e interferir, para pior, em nossa personalidade.

Queiram ou não, as cenas terríveis, mostradas por determinados filmes, se constituem, de fato, numa aprendizagem da crueldade. Subconscientemente, podemos ser incitados à imitação e nos tornarmos, à nossa revelia, pessoas violentas e destrutivas. O sociólogo francês, Philipe Saint-Marc, faz a seguinte advertência a respeito: “Não existe uma substituição da agressividade individual, mas a aprendizagem da crueldade, o incitamento à imitação, à reprodução na vida cotidiana de atos de degradação ou de destruição que excitaram a imaginação do espectador”. Portanto, cautela! Mas não seja parcimonioso, econômico ou moderado no ato de criar. Crie, crie e crie a não mais poder. Porquanto a arte é uma das maiores, se não a maior, manifestação de inteligência. E você é inteligente, ora pois...


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