Tema assustador... que
não deve ser tabu
Pedro
J. Bondaczuk
A morte é um dos
assuntos que mais me incomodam e que procuro, sempre que possível, evitar. Sou
comprometido com a vida e seus mistérios, dissabores, tristezas, alegrias e
satisfações. Tenho medo de morrer? Muito! Essa perspectiva apavora-me, embora
esteja consciente que é algo de que nem eu e nem ninguém conseguiremos escapar.
Todavia, enquanto escritor – dos menores e mais obscuros, admito – não fujo de
tema algum. Nem mesmo deste, que me é tão desagradável e penoso, literalmente
“mórbido”. Volta e meia sou “provocado” por leitores, para escrever a respeito
e, embora a contragosto, não fujo da raia. É o que acontecerá, por exemplo,
hoje. Pediram-me para abordar o assunto “morte” com “objetividade”. Tentarei,
pois, fazê-lo, posto que com os parcos conhecimentos que tenho a propósito.
Espero, apenas, que minha abordagem seja útil a alguém, em algum momento.
A Medicina tem,
atualmente, visão clara e definida do que vem a ser a morte. Está bem longe o
tempo em que este colapso total do organismo era associado com a parada das
pulsações de um determinado órgão, no caso, o coração. Com o advento das
operações a peito aberto desta “máquina” natural de bombear sangue, em que ela
é paralisada por completo para passar por cirurgia, sem que, por isso, o
paciente morra, mas recupere todas suas funções vitais, tão logo finde o ato
cirúrgico, não tem mais sentido situar exclusivamente nesse órgão a sede da
vida. De acordo com os médicos, a essência da morte está na ativação de um
produto químico orgânico (pois contém carbono), da família das aminas, chamado
Catepsina, deflagrada pela anoxia, ou seja, pela ausência de renovação de
oxigênio no organismo.
Essa substância é uma
enzima proteolítica que durante toda a vida permanece em atividade no interior
das células. Portanto, quando se diz que já no momento em que nascemos trazemos
em nós a semente da extinção, não se está incorrendo em nenhum exagero e nem
somente se está utilizando figura de linguagem. Isso é rigorosamente literal.
Mesmo após o cérebro ficar sem suas funções e o coração parar de pulsar, o ser
humano continua “morrendo” por mais algumas horas. Inicialmente, é uma célula
que morre. A seguir, são outras tantas; são os tecidos, os órgãos, os sistemas
e... todo o organismo enfim. Com as mudanças de conceitos sobre as
características da morte, mudou-se, no correr do tempo, a maneira dela ser
diagnosticada. Antigamente, o médico, para saber se determinado paciente
moribundo já havia morrido, colocava um espelho à frente da sua boca. Queria
constatar se ele ainda respirava. Era, portanto, a parada dos pulmões que lhe
dava a certeza de que o desenlace havia ocorrido.
Depois, evoluiu-se (e
não faz muito) para a utilização do estetoscópio, para a agulha intracardíaca,
para o bisturi na carótida, para a tríplice reação de Lewis (injeção e resposta
tecidual), para o eletrocardiógrafo e, finalmente, para o eletroencefalógrafo.
Essa explicação foi dada, há alguns anos, pelo doutor Irany Novah Moraes,
perante o Conselho Técnico de Economia, Sociologia e Política da Fiesp,
reproduzida no excelente livro “O médico perante a morte”. Um resumo, muito bem
elaborado, do teor dessa conferência, foi publicado na edição de
outubro/novembro de 1985 da revista “Problemas Brasileiros”.
Há que se distinguir
três formas de morte para efeitos da Medicina: a cerebral, a encefálica e a
biológica. Recorro aos ensinamentos do doutor Irany para tentar explicar, de
forma minimamente didática, cada um desses casos. O primeiro deles ocorre “em
conseqüência de um curto período de anoxia (falta de renovação de oxigênio) que
provoca o amolecimento cortical difuso. Bastam três minutos de falta de
ventilação para decortificar (deixá-lo sem o córtex cerebral) um paciente, que
terá, daí em diante, apenas vida vegetativa. Seus órgãos continuarão
funcionando, mas estará desligado da vida exterior”.
A morte encefálica
“ocorre quando os comandos da vida se interrompem. Não emana impulso de nenhum
centro encefálico. Pergunto: não seria este o momento da saída da alma? Este é
o diagnóstico científico da morte. O corpo não se relaciona mais com o mundo”.
Finalmente, a morte biológica “ocorre ao término da rigidez cadavérica em que
toda a Catepsina ativada pela anoxia determina a autólise. O processo de
falência termina, para todo o organismo, 24 horas após a morte cardíaca, quando
termina a rigidez cadavérica”. Levamos, portanto, um dia inteiro para
“morrermos” por completo.
A Medicina desenvolveu
estratégias, ou seja, processos para reter por mais tempo esse misterioso sopro
de vida quando ele ameaça escapar. No caso da parada cardíaca, desde que se aja
com rapidez, é possível, em alguns casos, reanimar o paciente e lhe dar ainda
alguma possibilidade de sobrevivência. É claro que se trata de superar o tempo
e depende do motivo que causou a cessação das pulsações do coração. Quanto à
extinção da função cerebral, pode ser feita uma oxigenação sanguínea, mas esse
artifício de pouco (na verdade de nada) adiantará para a pessoa. Seu cérebro –
sede de suas reações, emoções, pensamentos e lembranças – estará
irreversivelmente morto. Mesmo que o processo de morte biológica não vier a
ocorrer, esse indivíduo jamais voltará a ver, conscientemente, a luz do mundo.
Viram, desafiadores
leitores, como não temo abordar temas que me desagradem e apavorem? E nenhum,
absolutamente nenhum me é mais desagradável e me aterroriza mais do que a
morte. Ao escritor, porém, não há (e nem deve haver) assunto interdito,
considerado tabu, desde que tratado, notem bem, com responsabilidade, com
habilidade, com clareza, com verdade e... com bom gosto, para conseguir e
conservar o “prêmio” maior que um comunicador pode aspirar: o da credibilidade.
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