Embalagem insólita de
excelente produto
Pedro
J. Bondaczuk
A objetividade e a
clareza – além do rigor na informação e principalmente no manejo das regras do
idioma – são características, um tanto raras, que distinguem um bom escritor
do, digamos no popular, “meia boca”. Essa eficiência e competência é o que se espera
de qualquer redator que se preze, seja qual for a natureza dos textos que
redige e para o que o faz. Espera-se encontrar essas virtudes muito mais em
quem se propõe a fazer crítica literária.
A razão é tão lógica que dispensa comentários e explicações. Como alguém
pode analisar (e criticar) o que outros escrevem se antes, e acima de tudo, não
souber escrever? Não pode. Ou melhor, não deve. Não faz sentido, não é mesmo?
Porém, muitos (e põe muitos nisso) agem assim. A gente lê suas críticas e
sequer sabe se estão elogiando ou apontando falhas nos livros e autores que se
propõem a abordar. São confusos, incoerentes e contraditórios e isso quando não
“assassinam” essa “última flor do Lácio, inculta e bela” que é a nossa língua
portuguesa.
Confesso que não gosto
de ler critica literária (salvo exceções), embora, por necessidade,
frequentemente a leia. Não por causa dela em si, já que se trata de um gênero,
e dos mais nobres, da Literatura, e esta é sabidamente (por quem me conhece)
minha paixão, mas por raramente encontrar quem a faça bem, com objetividade e
clareza. Admito que pode não passar de coincidência o fato de raramente eu
topar com críticos que me convençam e ilustrem. Não posso e nem devo
generalizar. Como em todas as atividades, nesta, também, há os bons e os
incompetentes. Há críticos com “c” minúsculo e Críticos, com “C” maiúsculo.
Mas... Bem, vamos tratar dos bons. E, nesse caso, Salim Miguel tem que ser
catalogado de excelente. Prova é seu livro “O castelo de Frankenstein”, que
lançou em 1986, pela Editora da Universidade Federal de Santa Catarina. Fiquei
encantado com ele e aprendi muito com suas explanações claras, objetivas e,
sobretudo, corretas em todos os sentidos.
O título dessa obra é
que me chamou, em especial, a atenção. Admita-se que ele tende a espantar quem
compra um produto cultural (que é o caso) apenas pela “embalagem”. Fica mais
fácil comprar, sem equívoco, quando se tem outra referência qualquer, que não
esta, em especial sobre o conteúdo. Sem nenhuma intenção de criticar, eu não
daria esse título ao livro, por razões práticas, eminentemente comerciais. Mas
Salim Miguel explica o que o levou a tomar essa decisão que, à primeira vista,
parece despida de bom senso. Argumenta que tal como o famoso monstro, criado no
século XIX pela escritora inglesa Mary Shelley (e imortalizado no cinema pelo
ator Boris Karloff), seu livro foi composto por “retalhos de cadáveres” de
textos escritos não com a finalidade de serem reunidos e se tornarem um volume
como se escrito propositalmente para esse fim. Nasceu da junção de um artigo
aqui, outro ali, publicados em jornais e revistas diversos, de vários lugares
diferentes, e em épocas variadas, aparentando, à primeira vista ausência de
nexo comum. Não é o que se percebe, todavia, na leitura de “O castelo de
Frankenstein”.
Salim trata disso no
prefácio do livro em que explica, em determinado trecho: “O título devo-o a um
velho amigo e colega de profissão: o escritor Guido Wilmar Sassi. Em uma de
suas inigualáveis cartas, ou em um de nossos intermináveis e surrealistas
papos, ele me falou do título (nem sei por quê ou para quê), talvez lembrando o
Castelo de Alex, de Edmond Wilson. Imediatamente, e sem qualquer cerimônia,
dele me apoderei. Depois, reconsiderei, recuei. Não por escrúpulo pelo rápido furto
ou pela semelhança do título do livro do ensaísta norte-americano. Meu problema
era outro: como justificar o título insólito”.
Mais adiante, Salim
acrescenta: “Foi ainda Guido quem me deu a deixa: Fácil. São matérias variadas
as tuas, aparentemente desencontradas. A meu ver, desconexas só na aparência.
Na verdade, têm um fulcro comum: e todas saídas de um mesmo cérebro e com uma
mesma preocupação. Quanto à diversidade de enfoque, é lógica e se justifica por
si mesma; e na proposta há uma unidade intrínseca e uma idêntica busca.
Concordei. Não lá muito convicto. Eu queria era um pequeno empurrão. Ei-lo, me
disse. Cabe agora ao leitor penetrar nos meandros do Castelo – e aceitá-lo ou
recusá-lo”.
Eu, que “passeei”,
embevecido, pelos aposentos dessa insólita edificação, bisbilhotando, xeretando
em cada canto, sem nenhuma reserva ou escrúpulo, aceitei o título, embora
continue considerando-o, digamos, comercialmente impróprio. Quem ler o livro
também, com certeza, se convencerá que o autor não estava tão errado assim.
Cada um de seus “cômodos” reservam agradáveis surpresas para os que se
dispuserem a vasculhar cada milímetro desse castelo, que não tem nada de
exótico ou de assustador, com o espírito aberto, atento e observador de um
cientista, face um precioso e original espécime. E, afinal de contas, o
importante em um produto não é a embalagem que o envolve, mas o que ela contém.
Isso vale, também, para livros. E o de Salim Miguel é para lá de bom.
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