Lembranças
que convém preservar
Pedro J. Bondaczuk
As pessoas mudam com o tempo. Até
aí, eu não disse nada de novo. Sei, inclusive, que se trata de afirmação até
acaciana, de tão óbvia, mas nem por isso (ou, principalmente, por isso) deixa
de ser verdadeira. Não me refiro, aqui, às mudanças fisionômicas, as ditadas
pela evolução da idade. Se mostrarmos, por exemplo, a uma pessoa que nos
conheça, digamos, há apenas alguns meses, uma foto antiga, de quando tínhamos
sete, ou dez ou mesmo quinze anos, e se não lhe dissermos de quem se trata,
raríssimas conseguirão nos identificar na imagem. Mudamos, e mudamos muito e,
infelizmente, nem sempre as mudanças são para melhor, até no que diz respeito
ao que pensamos e a como agimos.
Enquanto algumas pessoas evoluem,
aprendem com a vida, extraem preciosas lições de fracassos e frustrações,
outras tantas caminham para trás. Retrocedem inúmeros passos, corrompem-se,
desencantam-se e ficam pelo caminho, lamentando a má sorte, quando na verdade
suas desventuras nada têm a ver com azar, como alegam, mas são frutos do
próprio comportamento tolo, ou desregrado (que no caso é a mesma coisa, já que
o desregramento é megatolice). Como diz a letra de badalada composição de
Cazuza, “o tempo não para”. Não para mesmo e nunca.
A vida, (como sabemos e sentimos
na própria carne), é rápida demais. Chega um dia em que já não temos mais
projetos ou ideais, ou por havermos concretizado todos os que tínhamos, ou por
termos desistido, ou, o que é mais comum, por havermos fracassado por completo
em sua realização. Restam-nos, então, apenas lembranças. Suaves recordações de
pessoas que amamos e que não existem mais. Ou de circunstâncias que nos fizeram
momentaneamente felizes. E, até mesmo, de deliciosos sonhos que então
acalentávamos. Quem não tem nada de positivo e bom a recordar é o mais
miserável dos miseráveis, embora tenha posses em profusão.
E o que dizer daqueles que fazem
questão de se esquecer dos bons momentos que viveram e que cultivam, apenas,
recordações amargas, de fracassos, perdas, dores e frustrações, das quais,
aliás, nossa vida é bastante pródiga? Há gente assim e não é pouca. Geralmente
são pessoas que nunca experimentaram as delícias de um amor verdadeiro,
correspondidas ou não. “Acham” que amaram, mas estão equivocadas. Quem ama de
fato não esquece um só episódio desse grande amor, que dá encanto e
transcendência mesmo a uma vida aparentemente pacata e vazia. Caso amassem,
jamais se esqueceriam de momentos tão marcantes, como o do primeiro encontro,
da primeira impressão, das primeiras palavras trocadas, do primeiro contato e,
o clímax, do primeiro beijo. São coisas
que nunca mais se apagam da memória dos que se amam ou amaram.
O poeta cubano, Fayad Namis,
chega a comparar estas lembranças aos fatos mais marcantes da história humana.
Conclui que, para os amantes, são mais importantes até do que a invenção da
roda, a descoberta do fogo, a criação da escrita etc. Exagero? Quem já amou de
verdade (ou quem ama) discorda. Eu discordo. Não há nada de exagerado nisso. É
verdade que a memória costuma nos pregar peças incríveis. Fatos de que nos
“lembramos” ter ocorrido de determinada maneira, ocorreram na verdade de outra,
com inúmeros detalhes esquecidos e outros tantos acrescentados por nossa
própria conta, pela imaginação e, portanto, diferentes dos realmente
acontecidos. E não é só isso. Em determinados momentos em que ela não poderia
nos falhar, falha. E nos causa, na melhor das hipóteses, alguns
constrangimentos, logicamente desagradáveis que, na verdade, são bastante chatos.
E nem é necessária a presença de alguma patologia para que a memória nos dê
mancada. Lúcidos e sadios, passamos por essa frustração.
Todos têm tais lapsos em algum
momento da vida. Trata-se, no meu entender, de “mistura de fichas”, de
desorganização em nosso arquivo cerebral. Não acredito, contudo, que isso
ocorra com lembranças de um grande amor. E se ocorrer, não vejo inconveniente
algum no fato da memória “dourar a pílula”. Afinal, tais recordações nos serão
sempre gratíssimas, em qualquer ocasião e, principalmente, na velhice, no ocaso
da vida, fantasiadas pela imaginação ou não. O que não devemos é cultivar
lembranças ruins. Se o fizermos, será a tolice das tolices. Essa insistência no
negativo não permitirá que se percam nas brumas do esquecimento o que nos
humilhou, causou dor (física ou emocional), nos diminuiu e nos fez sofrer.
O escritor italiano, Cesare
Pavese, escreveu, no livro “Il mestiere di vivere”:"Chega uma época em que
nos damos conta de que tudo o que fazemos se transformará em lembrança um dia.
É a maturidade. Para alcançá-la, é preciso justamente já ter lembranças".
Eu acrescentaria, contudo, que devemos “policiar” a memória. Esta, muitas
vezes, é imprudente e/ou perversa. Guarda, ciosamente, o que seria prudente
eliminar sem deixar vestígios, ou seja, recordações amargas, eivadas de
frustração, ressentimentos e rancor. Todavia, descarta o que é sumamente
precioso e deveria ser preservado, sobretudo lembranças do grande amor que
iluminou e tornou transcendentes momentos ímpares da nossa vida. Por estas e
outras é que fico, no final das contas, com a definição da escritora
norte-americana Austin O’Malley, que não canso de citar e de reiterar (para desgosto dos adeptos do politicamente
correto): “A memória é uma velha louca que joga comida fora e guarda trapos
coloridos”. Não permita que a sua aja com tamanha perversidade e loucura.
No comments:
Post a Comment