O
pássaro voou
Pedro J. Bondaczuk
O resultado da reunião de cúpula informal de
Reykjavik, realizada neste final de semana pelo presidente norte-americano
Ronald Reagan e pelo líder soviético Mikhail Gorbachev acabou sendo duplamente
frustrante. Frustrou não somente para as partes envolvidas nas negociações,
mas, especialmente, os povos da Europa, que nutriam grandes expectativas em
relação ao encontro.
Conforme os dois dirigentes admitiram, ao cabo de
mais de dez horas de conversas, nunca as superpotências estiveram tão perto do
entendimento quanto nessa oportunidade. E poucas vezes, em conseqüência,
registrou-se uma frustração tão grande quando este não foi conseguido.
Antes de Reagan e Gorbachev viajarem para a
Islândia, os analistas já previam que o pomo da discórdia, em suas discussões,
seria, mais uma vez, o programa do escudo espacial norte-americano denominado
“Iniciativa de Defesa Estratégica”, que visa criar um sistema capaz de destruir
qualquer míssil inimigo disparado contra o território dos Estados Unidos, ainda
no espaço.
Tudo em torno desse projeto, no entanto, ainda está
no campo da teoria. Mal foi iniciado o estudo da sua viabilidade e esta tem
esbarrado em questões complicadíssimas, que implicam num desenvolvimento
científico e tecnológico que a superpotência ocidental nem mesmo obteve. Ou
seja, os dois antagonistas deixaram de firmar um acordo concreto, reduzindo em
50% seus arsenais nucleares, por causa de um tipo de arma que nem mesmo existe
e talvez jamais venha a existir. É surrealista demais para uma mente lógica e
cartesiana, acostumada a análises concretas de fatos, entender o que aconteceu.
Mas foi, infelizmente, o que se verificou.
Todavia, mesmo nesta questão, as superpotências
estiveram bastante próximas do entendimento. Mikhail Gorbachev, por exemplo,
que no ano passado não aceitava sequer a idéia da mera pesquisa em laboratório
da chamada “guerra nas estrelas”, fez, agora, uma concessão. Propões que esse
sistema continuasse sendo estudado, mas somente no âmbito teórico, sem a
realização de qualquer espécie de teste prático. E isto pelo prazo de uma
década somente.
É evidente que o Cremlin pretendia, com isso, apenas
ganhar tempo. Queria conseguir uma trégua na corrida armamentista, que está
sufocando a economia soviética (que, a bem da verdade, nunca esbanjou saúde,
mas que agora beira à exaustão). Ao analista, porém, parece ser este o aspecto
principal da questão. Reagan, ao que tudo indica, pretende vencer seu rival
ideológico exatamente no plano econômico. Quer levar a corrida armamentista
para um campo que exige investimentos proibitivos, inacessíveis à União
Soviética (a menos que esta esteja disposta a cometer um suicídio
administrativo).
Só que o tiro pode sair pela culatra. Apesar dos
Estados Unidos serem, reconhecidamente, a sociedade nacional mais rica e
desenvolvida do Planeta, as finanças norte-americanas não andam tão saudáveis
quanto seria de se desejar para enfrentar um dispêndio das proporções exigidas
pelo projeto “guerra nas estrelas”, estimado na astronômica cifra de US4 1
trilhão.
Só esse programa, portanto, tende a custar ao
contribuinte desse país algo parecido com o atual Produto Interno Bruto da
superpotência ocidental. E isto sem a mínima garantia que o escudo espacial é,
pelo menos, viável. Há uma série de cientistas ilustres, quase todos ganhadores
de Prêmio Nobel, que arrisca seu prestígio e manifesta, publicamente, seu
ceticismo sobre a viabilidade da tal Iniciativa de Defesa Estratégica.
Destruir um míssil inimigo, míseros dois minutos
após o seu lançamento, sem saber o local exato de onde foi disparado, e através
de uma operação que terá de ser milimetricamente precisa em todas as suas
fases, equivale, conforme alguns experts em balística, a alvejar uma abelha a
mil quilômetros de distância.
Faltou, como se vê, realismo aos dois líderes
políticos. Faltou tato. Faltou bom-senso. Faltou consciência da importância
histórica da sua negociação. Reykjavik já ficou para trás, como mais um
capítulo frustrante no drama vivido pela humanidade, que está num carro sem
freios, descendo, em alta velocidade, uma íngreme ladeira rumo a um abismo
profundo e cujo veículo ninguém tem a competência ou o sangue frio para parar.
E o tempo para que isso seja feito começa, perigosamente, a se esgotar.
(Artigo publicado na página 13, Internacional, do
Correio Popular, em 14 de outubro 1986).
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