Tuesday, April 14, 2015

O pássaro voou


Pedro J. Bondaczuk


O resultado da reunião de cúpula informal de Reykjavik, realizada neste final de semana pelo presidente norte-americano Ronald Reagan e pelo líder soviético Mikhail Gorbachev acabou sendo duplamente frustrante. Frustrou não somente para as partes envolvidas nas negociações, mas, especialmente, os povos da Europa, que nutriam grandes expectativas em relação ao encontro.

Conforme os dois dirigentes admitiram, ao cabo de mais de dez horas de conversas, nunca as superpotências estiveram tão perto do entendimento quanto nessa oportunidade. E poucas vezes, em conseqüência, registrou-se uma frustração tão grande quando este não foi conseguido.

Antes de Reagan e Gorbachev viajarem para a Islândia, os analistas já previam que o pomo da discórdia, em suas discussões, seria, mais uma vez, o programa do escudo espacial norte-americano denominado “Iniciativa de Defesa Estratégica”, que visa criar um sistema capaz de destruir qualquer míssil inimigo disparado contra o território dos Estados Unidos, ainda no espaço.

Tudo em torno desse projeto, no entanto, ainda está no campo da teoria. Mal foi iniciado o estudo da sua viabilidade e esta tem esbarrado em questões complicadíssimas, que implicam num desenvolvimento científico e tecnológico que a superpotência ocidental nem mesmo obteve. Ou seja, os dois antagonistas deixaram de firmar um acordo concreto, reduzindo em 50% seus arsenais nucleares, por causa de um tipo de arma que nem mesmo existe e talvez jamais venha a existir. É surrealista demais para uma mente lógica e cartesiana, acostumada a análises concretas de fatos, entender o que aconteceu. Mas foi, infelizmente, o que se verificou.   

Todavia, mesmo nesta questão, as superpotências estiveram bastante próximas do entendimento. Mikhail Gorbachev, por exemplo, que no ano passado não aceitava sequer a idéia da mera pesquisa em laboratório da chamada “guerra nas estrelas”, fez, agora, uma concessão. Propões que esse sistema continuasse sendo estudado, mas somente no âmbito teórico, sem a realização de qualquer espécie de teste prático. E isto pelo prazo de uma década somente.

É evidente que o Cremlin pretendia, com isso, apenas ganhar tempo. Queria conseguir uma trégua na corrida armamentista, que está sufocando a economia soviética (que, a bem da verdade, nunca esbanjou saúde, mas que agora beira à exaustão). Ao analista, porém, parece ser este o aspecto principal da questão. Reagan, ao que tudo indica, pretende vencer seu rival ideológico exatamente no plano econômico. Quer levar a corrida armamentista para um campo que exige investimentos proibitivos, inacessíveis à União Soviética (a menos que esta esteja disposta a cometer um suicídio administrativo).

Só que o tiro pode sair pela culatra. Apesar dos Estados Unidos serem, reconhecidamente, a sociedade nacional mais rica e desenvolvida do Planeta, as finanças norte-americanas não andam tão saudáveis quanto seria de se desejar para enfrentar um dispêndio das proporções exigidas pelo projeto “guerra nas estrelas”, estimado na astronômica cifra de US4 1 trilhão.

Só esse programa, portanto, tende a custar ao contribuinte desse país algo parecido com o atual Produto Interno Bruto da superpotência ocidental. E isto sem a mínima garantia que o escudo espacial é, pelo menos, viável. Há uma série de cientistas ilustres, quase todos ganhadores de Prêmio Nobel, que arrisca seu prestígio e manifesta, publicamente, seu ceticismo sobre a viabilidade da tal Iniciativa de Defesa Estratégica.

Destruir um míssil inimigo, míseros dois minutos após o seu lançamento, sem saber o local exato de onde foi disparado, e através de uma operação que terá de ser milimetricamente precisa em todas as suas fases, equivale, conforme alguns experts em balística, a alvejar uma abelha a mil quilômetros de distância.  

Faltou, como se vê, realismo aos dois líderes políticos. Faltou tato. Faltou bom-senso. Faltou consciência da importância histórica da sua negociação. Reykjavik já ficou para trás, como mais um capítulo frustrante no drama vivido pela humanidade, que está num carro sem freios, descendo, em alta velocidade, uma íngreme ladeira rumo a um abismo profundo e cujo veículo ninguém tem a competência ou o sangue frio para parar. E o tempo para que isso seja feito começa, perigosamente, a se esgotar.    

(Artigo publicado na página 13, Internacional, do Correio Popular, em 14 de outubro 1986).


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