Tuesday, April 14, 2015

O mistério dos extremos

Pedro J. Bondaczuk

O escritor e psiquiatra português, Antonio Lobo Antunes, escreveu, certa feita, que “ninguém sabe o que é a morte”, mas que isso não faz muita diferença “porque também nunca sabemos o que é a vida”. Porventura, sabemos? Claro que não!!! O que temos são teorias das mais variadas cabeças e suposições infindas, das mais plausíveis às mais exóticas. Mas certeza, certeza mesmo, a esse propósito, não temos nenhuma. Nem sobre nosso início (qual a finalidade da vida?) e muito menos acerca do nosso fim. Ou seja, desconhecemos a essência dos extremos. Só sabemos que somos mortais. No entanto, desconhecemos como e quando o nosso fim, pelo menos nesta nossa forma carnal, se dará.

Detesto escrever sobre a morte. Contudo é um dos temas que as circunstâncias me forçam a abordar mais vezes. Trata-se de uma das realidades que mais me chocam e que invariavelmente me deixam incômoda sensação de perda. O choque, claro, é maior quando morre alguém que me seja muito próximo, caso de pessoas queridas, ou seja, parentes e amigos. Mas as mortes de apenas conhecidos (e esse conhecimento nem precisa ser presencial, pode ser virtual ou mesmo representado pela leitura de alguma das obras dos que morrem, no caso de serem escritores), não deixam de me comover e de me deixar essa amarga sensação de vazio na alma que sinto agora. E, desta vez, em dose tripla.

Explico. Nos últimos quatro dias morreram, praticamente em sequência, três escritores com perfis e realidades de vida bem diferentes, mas cujas mortes, igualmente, significam irreparáveis perdas para a Literatura. A primeira dessas mortes foi a da crítica teatral – uma das maiores especialistas da obra de William Shakespeare – Bárbara Heliodora, aos 91 anos de idade. Foi uma figura exemplar, não somente pelo seu reconhecido talento e competência (contudo principalmente por eles), mas por dedicar-se à atividade que era sua grande paixão, com a mesma garra e entusiasmo da juventude, até seus derradeiros dias de vida.

A segunda morte que registro foi a que mais me doeu, pelo contato frequente que mantive com essa figura excepcional, nos últimos oito anos (até a terça-feira passada, quando me encaminhou seu último conto que, com certeza, nem ele e nem eu sabíamos que seria o derradeiro). Refiro-me ao jornalista e escritor pernambucano, natural da cidade de Goiana, Marco Albertim. Esse meu amigo virtual faleceu repentinamente, na sexta-feira, aos 64 anos de idade, vítima de fulminante infarto. É o terceiro colunista do espaço que edito na internet que nos deixa intempestiva e definitivamente. Antes dele, haviam “se ido” o escritor e jornalista baiano, Pedro Diedrich (em 2008) e o poeta mineiro, da cidade de Montes Claros, José Geraldo Mendonça Júnior, o talentoso Peninha (em fevereiro passado).

Hoje fui informado, pelo amigo Edir Araújo, da morte do combativo e admirável (e de fato admirado) escritor uruguaio Eduardo Galeano, autor, entre outros livros, do memorável “As veias abertas da América Latina”. Ele, que lutava contra um insidioso câncer, morreu em sua casa, em Montevidéu, aos 74 anos de idade. Deixa, sem dúvida, grande lacuna na Literatura mundial, sobretudo na latino-americana, que talvez nunca venha a ser preenchida. Não tive o privilégio de manter qualquer espécie de contato com ele, mas sempre o considerei “amigo”, pela afinidade de idéias que sempre tive com ele.

Das três mortes citadas, claro que a de Marco Albertim foi a que mais me chocou, comoveu e doeu. Afinal, tive o privilégio e a honra de editar 331 de seus contos, cada um mais atrativo e inteligente do que o outro. Reunidos, eles dariam magnífica coleção de livros desse gênero que tanto aprecio, caso viessem a ser publicados. A seu respeito, assino embaixo a opinião do não menos brilhante e talentoso escritor pernambucano Urariano Mota, colunista fixo do nosso espaço literário desde a sua criação, em 27 de março de 2006 (único remanescente dos fundadores da nossa modesta revista eletrônica diária na internet), que observou (comovido, como eu, porquanto era amigo do nosso já saudoso contista): "Eu posso falar seguramente o seguinte: ainda não soou a hora da justiça literária para Marco Albertim. Ele foi um contista e cronista admirável. Infelizmente, a maioria dos leitores ainda não tomou conhecimento disso";

As editoras – sabe-se lá por qual razão – nunca se deram conta desse extraordinário talento ficcional. Tanto que ele tem apenas um único “livro solo” publicado. Trata-se de “Ingrid tinha alergia à lama do Capibaribe”. A obra foi editada pela Companhia Editora de Pernambuco (Cepe). É pouco, muito pouco, pouquíssimo para um escritor tão completo e tão bom. É, como disse o Urariano: “Ainda não soou a hora da justiça literária para Marco Albertim”. Espero que não tarde a soar e que sua vasta obra, não somente de contos, mas de deliciosas crônicas, seja publicada, mesmo que postumamente. A Literatura tende a ser cruel com seus principais artífices. Espero, todavia, que neste caso se faça justiça, posto que tardia. Além do livro citado, há textos desse hábil contista (que meus leitores conhecem tão bem) nas coletâneas “Panorâmica do conto em Pernambuco” e “Contos de Natal”.           

Peço-lhes escusas por eventual incoerência nestas reflexões de hoje, em ostensivo tom de desabafo. São considerações ditadas pela emoção, com quase nada de razão. Os últimos quatro dias foram de intensa tristeza e de amargo sentimento de perda para mim. Reitero, a título de conclusão, que nunca consegui entender a morte, como ademais não entendo quase nada da vida. Para mim, os extremos do homem são, e provavelmente sempre serão, insondável mistério.


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