Aula de Literatura
contemporânea
Pedro
J. Bondaczuk
O livro “O castelo de
Frankenstein” provavelmente não é considerado o mais importante da carreira de
Salim Miguel, esse libanês de coração brasileiro, que chegou ao Brasil com
apenas três anos e que agora, aos 90 bem vividos anos de idade, se tornou uma espécie
de paradigma cultural de Santa Catarina, Estado que adotou como seu. Sua obra
literária é vasta, eclética e da melhor qualidade. Consiste de cerca de trinta
livros, cada um melhor do que o outro. Tanto que lhe valeu, com justiça, o
Prêmio Machado de Assis da Academia Brasileira de Letras de 2009, pela
coerência e qualidade uniforme de seu conjunto. Talvez Salim Miguel seja mais
conhecido como ficcionista, embora seja desses intelectuais (cada vez mais
raros) classificados como “homens dos sete instrumentos”. Pudera! Além de
escritor, é jornalista, editor, redator, crítico literário, roteirista, dono de
livraria, diretor da Agência Nacional de Santa Catarina e da Editora da
Universidade Federal de Santa Catarina e superintendente da Fundação Cultural Franklin
Cascaes, entre outras atividades. Ufa! É, sobretudo, homem de cultura e de
ação.
Muitos leitores
manifestaram, por e-mail, estranheza pelo fato de eu escolher um livro lançado
há tanto tempo pelo autor (em 1986) e não algum dos seus lançamentos recentes,
por exemplo, “Nur na escuridão” (muitos confundem esse título achando que seja
“nu” e não “nur” que de fato é), que lhe valeu o prêmio de melhor romance,
tanto pela Associação Paulista dos Críticos de Arte, quanto pela Jornada
Nacional de Literatura de Passo Fundo. Ou então “Primeiro de abril, narrativas
da cadeia”, consagrada como a melhor narrativa de ficção pela União Brasileira
de Escritores. Ocorre que minha intenção foi a de mostrar esta outra faceta de
Salim Miguel, volta e meia ignorada, que é a de crítico literário, todavia
peculiar, diferente da maioria, que foge do lugar comum e que prima pela
clareza, objetividade, simplicidade, sem perder jamais a profundidade em suas
análises.
Alguns leitores
queixam-se que não conseguirão encontrar o livro, provavelmente esgotado
(afinal, passaram-se 28 anos do seu lançamento), no que discordo. Há muitos
meios de se conseguir uma obra de nosso interesse. Como? Em “sebos”, por
exemplo, (hoje em dia existem muitos na internet), ou entrando em contato com a
editora, ou em alguma biblioteca pública e vai por aí afora. Eu, pelo menos,
nunca fiquei na mão quando me interessei por alguma publicação esgotada. Creio
que o leitor atento também não fique. Cabe, aqui, um esclarecimento. Escolho
livros para comentar neste espaço pelas mensagens que contêm, não importando
que sejam lançamentos ou obras muito antigas (não raro antiqüíssimas). Meu
objetivo não é o de promover os autores, de olho nas vendas. Se isso acontecer,
muito que bem. Matarei dois coelhos com uma única cajadada. Todavia, a
finalidade dos meus comentários (não confundir com crítica literária) não é,
propriamente, esta. É a de refletir com vocês, que me aturam, com paciência de
Jó, há já quase nove anos.
E o que “O castelo de
Frankenstein” tem de tão especial? Tem tudo! E já a partir do título, aspecto
que abordei em texto anterior, que é, como demonstrei, inusitado quando levamos
em conta seu conteúdo. E sua originalidade se estende pelos escritores, cujas
obras aborda. Se sustenta pela linguagem, sobretudo ágil, precisa e objetiva,
característica do jornalista, que utiliza. E caracteriza-se pelo estilo,
organização, edição etc.etc.etc. O livro está dividido em quatro partes que,
entrando no espírito do autor ao denominá-lo da forma que o denominou, chamo,
metaforicamente, de “aposentos” desse castelo que, embora de Frankenstein, não
tem nada de assustador. Pelo contrário, só contêm beleza e verdade... e muita
sabedoria.
No primeiro desses
cômodos, Salim Miguel coloca escritores do Estado que ama, Santa Catarina, que
adotou como seu (contudo, a adoção foi mútua). Nessa parte, traça um panorama
das letras catarinenses, destacando nomes que na ocasião tinham projeção
regional e já começavam a se destacar nacionalmente. Cito, entre estes, Adolfo
Boos Jr., Emanuel Medeiros Vieira (cujos textos, volta e meia, publico neste
espaço), Guido Wilmar Sassi, Holdemar Menezes, Ricardo L. Hoffmann e Silveira
de Souza, entre tantos outros. No segundo “cômodo” estão autores nacionais,
tanto os que na época se constituíam em promessas, quanto os “monstros
sagrados” da Literatura Brasileira. Na terceira parte, são abordados ases das
letras hispano-americanas. Finalmente, na quarta, estão cinco mestres
literários mundiais que Salim Miguel confessa estarem entre seus preferidos: os
italianos Ítalo Svevo e Humberto Eco, o russo Nikolai Gogol, o húngaro
Alexander Lenard e o norte-americano Saul Below. “O castelo de Frankenstein” é,
pois, uma aula, imperdível, de Literatura contemporânea.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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