Sobre Quintana e
quintanares
Pedro
J. Bondaczuk
A poesia de Mário
Quintana é tão boa, e recebeu tantas e justas avaliações positivas de outros
poetas, críticos literários e leitores, que foi criado, até, um neologismo para
caracterizar esses pertinentes elogios (sobre o qual já comentei em texto
anterior): “quintanar”. Em princípio, a expressão foi utilizada para
caracterizar só as avaliações alheias. Com o tempo, passou a ser usada, também,
para nomear os poemas mais expressivos do próprio autor de “Sapatos floridos”.
Ao se referir a
“quintanar”, três deles, na minha avaliação, escritos por escritores tidos e
havidos como monstros sagrados da Literatura brasileira, têm que,
necessariamente, serem lembrados, por se constituírem em peças literárias
ímpares, pela precisão e pela criatividade. O primeiro consta do livro “Claro
enigma” e é uma crônica, intitulada “Quintana’s bar”. Foi escrita por Carlos
Drummond de Andrade e começa assim: “Num bar fechado há muitos anos, e cujas
portas de aço subitamente se descerram, encontro quem nunca vira: o poeta Mário
Quintana. Tão simples reconhecê-lo, toda identificação é vã. O poeta levanta o
seu copo. Levanto o meu. Em algum lugar – coxilha? Montanha? – vai rorejando a
manhã...”
Outro quintanar digno
de nota é o do poeta Manoel Bandeira, escrito em 13 de março de 1966,
intitulado
“Louvado para Mário Quintana”. Diz:
“Louvo
o Padre, o Filho e o Espírito
Santo,
a divina trindade,
à
qual rogo sempre inspire
tudo
o que de qualidade
mais
bela, mais alta e pura
possa
existir na alma humana
a
esse campeão de ternura
no
verso: Mário Quintana.
Poetão,
em cuja poesia,
feita
de carinho, amor,
música,
melancolia,
fina
graça e fino humor,
ninguém
há que não admire,
tua
rara sensibilidade.
Louvo
o Padre, o Filho e o Espírito
Santo,
a divina trindade”.
O terceiro quintanar é
mais antigo. Data de dezembro de 1946. Foi escrito por Cecília Meirelles e está
contido nestes versos:
“O
Natal foi diferente
porque
o Menino Jesus
disse
à senhora Sant’Ana:
‘vovózinha,
eu já não gosto
das
canções de antigamente:
cante
as de Mário Quintana’.
Viram-se,
então, os anjinhos
de
livro aberto nas mãos
deslizar
no ouro dos ares.
Estudaram
nova solfa
pelos
celestes caminhos
e
ensaiaram quintanares.
Deixaram
cair os versos
que
já sabiam de cor,
pelos
telhados das casas.
E
o milagre das cantigas
foi
que até seres perversos
amanheceram
com asas”.
Como classificar Mário
Quintana, embora qualquer classificação que se lhe possa fazer seja
dispensável, até por ser impossível de ser feita com rigor e precisão? Deve ser
classificado, por exemplo, como poeta urbano? Mas ele também fala do mar!:
“Ò
silêncio de quando, em alto mar,
pálida,
vaga aparição lunar,
em
silêncio vem vindo essa fragata...”
Ah, então a
classificação correta seria a de um poeta marinho? Mas ele também trata das
nuvens e dos caminhos do imponderável!:
“Deixa-me!
Que
tenho a ver com tuas naus perdidas?
Deixa-me
sozinho com meus pássaros...
com
os meus caminhos...
com
as minhas nuvens...”
Bem, face estes versos,
seria caso de classificá-lo, então, como poeta do espaço? Mas ele fala da
terra, do chão, da sua amada Porto Alegre!:
“Havia
um corredor que fazia cotovelo
um
mistério encantado com outro mistério no escuro...”
Seria Mário Quintana
poeta característico somente do Sul do País, onde nasceu e sempre viveu? Mas
ele não se limita a cantar (sequer canta) coxilhas, sagas gauchescas ou o
negrinho do pastoreio, como tantos poetas regionalistas gaúchos fazem e
fizeram. Sua poética é mais ampla, abrangente, ilimitada e extrapola em muito
as fronteiras do Rio Grande do Sul. Poderíamos, então, classificá-lo de poeta
nacional? Mas seus temas não se limitam a usos e costumes brasileiros! Ele vai
mais fundo. Esquadrinha nossa alma e extrai dela o que ela tem de universal, de
intemporal, daquilo que caracteriza o homem de qualquer tempo ou lugar.
Se fosse indispensável,
pois, dar um rótulo à poesia de Quintana (mas não é), o mais próximo do ideal
seria o de poeta universal. Vejam com que graça e beleza ele trata da
fragilidade e efemeridade da vida:
“Minha
morte nasceu quando eu nasci.
Despertou,
balbuciou, cresceu comigo...”
E brinca com nossos
medos, ao escrever:
“Da
vez primeira em que me assassinaram,
perdi
um jeito de sorrir que eu tinha...
Depois,
de cada vez que me mataram,
foram
levando qualquer coisa minha...”
Quintana é, portanto,
paradigma de talento poético, e isso basta, ou deveria bastar. Ou, como
queiram, é a expressão concreta da própria poesia, assumindo, simultaneamente,
a aparentemente impossível condição de criatura e criador. E com que beleza faz
essa mágica! Contento-me, todavia, com só com a magia de seus versos, pouco me
importando rótulos e classificações. Para quê?!!!
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