Saturday, April 13, 2013


Sobre Quintana e quintanares

Pedro J. Bondaczuk

A poesia de Mário Quintana é tão boa, e recebeu tantas e justas avaliações positivas de outros poetas, críticos literários e leitores, que foi criado, até, um neologismo para caracterizar esses pertinentes elogios (sobre o qual já comentei em texto anterior): “quintanar”. Em princípio, a expressão foi utilizada para caracterizar só as avaliações alheias. Com o tempo, passou a ser usada, também, para nomear os poemas mais expressivos do próprio autor de “Sapatos floridos”.

Ao se referir a “quintanar”, três deles, na minha avaliação, escritos por escritores tidos e havidos como monstros sagrados da Literatura brasileira, têm que, necessariamente, serem lembrados, por se constituírem em peças literárias ímpares, pela precisão e pela criatividade. O primeiro consta do livro “Claro enigma” e é uma crônica, intitulada “Quintana’s bar”. Foi escrita por Carlos Drummond de Andrade e começa assim: “Num bar fechado há muitos anos, e cujas portas de aço subitamente se descerram, encontro quem nunca vira: o poeta Mário Quintana. Tão simples reconhecê-lo, toda identificação é vã. O poeta levanta o seu copo. Levanto o meu. Em algum lugar – coxilha? Montanha? – vai rorejando a manhã...”

Outro quintanar digno de nota é o do poeta Manoel Bandeira, escrito em 13 de março de 1966, intitulado 

“Louvado para Mário Quintana”. Diz:
“Louvo o Padre, o Filho e o Espírito
Santo, a divina trindade,
à qual rogo sempre inspire
tudo o que de qualidade
mais bela, mais alta e pura
possa existir na alma humana
a esse campeão de ternura
no verso: Mário Quintana.

Poetão, em cuja poesia,
feita de carinho, amor,
música, melancolia,
fina graça e fino humor,
ninguém há que não admire,
tua rara sensibilidade.
Louvo o Padre, o Filho e o Espírito
Santo, a divina trindade”.

O terceiro quintanar é mais antigo. Data de dezembro de 1946. Foi escrito por Cecília Meirelles e está contido nestes versos:

“O Natal foi diferente
porque o Menino Jesus
disse à senhora Sant’Ana:
‘vovózinha, eu já não gosto
das canções de antigamente:
cante as de Mário Quintana’.

Viram-se, então, os anjinhos
de livro aberto nas mãos
deslizar no ouro dos ares.
Estudaram nova solfa
pelos celestes caminhos
e ensaiaram quintanares.

Deixaram cair os versos
que já sabiam de cor,
pelos telhados das casas.
E o milagre das cantigas
foi que até seres perversos
amanheceram com asas”.

Como classificar Mário Quintana, embora qualquer classificação que se lhe possa fazer seja dispensável, até por ser impossível de ser feita com rigor e precisão? Deve ser classificado, por exemplo, como poeta urbano? Mas ele também fala do mar!:

“Ò silêncio de quando, em alto mar,
pálida, vaga aparição lunar,
em silêncio vem vindo essa fragata...”

Ah, então a classificação correta seria a de um poeta marinho? Mas ele também trata das nuvens e dos caminhos do imponderável!:

“Deixa-me!
Que tenho a ver com tuas naus perdidas?
Deixa-me sozinho com meus pássaros...
com os meus caminhos...
com as minhas nuvens...”

Bem, face estes versos, seria caso de classificá-lo, então, como poeta do espaço? Mas ele fala da terra, do chão, da sua amada Porto Alegre!:

“Havia um corredor que fazia cotovelo
um mistério encantado com outro mistério no escuro...”

Seria Mário Quintana poeta característico somente do Sul do País, onde nasceu e sempre viveu? Mas ele não se limita a cantar (sequer canta) coxilhas, sagas gauchescas ou o negrinho do pastoreio, como tantos poetas regionalistas gaúchos fazem e fizeram. Sua poética é mais ampla, abrangente, ilimitada e extrapola em muito as fronteiras do Rio Grande do Sul. Poderíamos, então, classificá-lo de poeta nacional? Mas seus temas não se limitam a usos e costumes brasileiros! Ele vai mais fundo. Esquadrinha nossa alma e extrai dela o que ela tem de universal, de intemporal, daquilo que caracteriza o homem de qualquer tempo ou lugar.

Se fosse indispensável, pois, dar um rótulo à poesia de Quintana (mas não é), o mais próximo do ideal seria o de poeta universal. Vejam com que graça e beleza ele trata da fragilidade e efemeridade da vida:

“Minha morte nasceu quando eu nasci.
Despertou, balbuciou, cresceu comigo...”

E brinca com nossos medos, ao escrever:

“Da vez primeira em que me assassinaram,
perdi um jeito de sorrir que eu tinha...
Depois, de cada vez que me mataram,
foram levando qualquer coisa minha...”

Quintana é, portanto, paradigma de talento poético, e isso basta, ou deveria bastar. Ou, como queiram, é a expressão concreta da própria poesia, assumindo, simultaneamente, a aparentemente impossível condição de criatura e criador. E com que beleza faz essa mágica! Contento-me, todavia, com só com a magia de seus versos, pouco me importando rótulos e classificações. Para quê?!!!

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