Estrela de Hart brilha mais do que nunca
Pedro J. Bondaczuk
O presidente norte-americano Ronald Reagan, após muito
tempo sem enfrentar a imprensa do seu país, concedeu, anteontem, na Casa
Branca, uma concorrida entrevista coletiva, de pouco mais de meia hora de
duração. Em substância, ao responder as perguntas de argutos jornalistas, não
disse praticamente nada que já não tivesse dito anteriormente acerca do
escândalo “Irangate”.
Repetiu que a operação de venda
de armas para o Irã teve como objetivo inicial uma reaproximação com as alas
moderadas dessa estratégica República do Golfo Pérsico. Admitiu que no curso
das transações, o negócio descambou para a mera troca de armas pelos reféns.
Assegurou desconhecer que os lucros obtidos junto aos iranianos estavam sendo
desviados para os “contras”. E disse que se pudesse voltar tudo atrás, não
repetiria essa forma de agir.
Até aí, tudo bem. Isto ele já
havia dito, desdito, depois dito novamente, nos vários pronunciamentos que fez
pela televisão, após o escândalo ter vindo a furo. Mas ao responder a uma
pergunta, aparentemente inocente, Reagan introduziu um fato novo na questão,
que se os democratas souberem explorar, poderá render polpudos dividendos ao
partido em termos de eleições presidenciais do próximo ano.
O presidente, proposital ou
inadvertidamente (esta hipótese é a mais viável), praticamente “bombardeou” a
candidatura de seu vice, George Bush, à sua sucessão. Garantiu que seu
companheiro de governo, e eventual substituto, “não fez qualquer objeção à venda
de armas para o Irã”.
Isto está em completa contradição
com o que o político texano vem reiteradamente asseverando, procurando se
eximir de sua responsabilidade no escândalo. Dito pelo próprio presidente que
ele participou, pelo menos por omissão, dessa estranha e controvertida
transação, o que pode ter ficado implícito para a opinião pública?
Algo bastante comprometedor para
as suas pretensões de chegar à Casa Branca. Ficou subentendido que Bush ou foi
desleal com o seu chefe, ao permitir que fizesse algo que ele, na qualidade de
ex-diretor da CIA achava errado. Ou, o que é pior, mentiu o tempo todo, para
manter intacta apenas a sua imagem, às custas do desgaste da do presidente.
Anteontem não foi mesmo o melhor
dos dias para George Bush. Enquanto Reagan deixava escapar essa inconfidência,
acerca do seu comportamento, o corretor de armas saudita, Adnan Kashogui, veio
a público para dizer que o vice-presidente lhe havia pedido, em 1985, quando
pesava uma proibição do Congresso sobre a ajuda aos “contras”, que desse uma
contribuição pessoal aos rebeldes anti-sandinistas.
Isto demonstra que o político
texano está mais envolvido no caso do que quer admitir. Quem deve estar
vibrando com os dois episódios é o ex-senador pelo Colorado, Gary Hart, que
esteve até outro dia entre nós e visitou, inclusive, o novo governador de São
Paulo, Orestes Quércia, já com ares de futuro presidente do seu país.
A estrela desse político
democrata, preterido, surpreendentemente, nas primárias de 1984 pelo
inexpressivo ex-vice-presidente de Carter, Walter Mondale, agora está brilhando
mais do que nunca. No mês passado, o seu potencialmente maior rival dentro do
próprio partido, o governador de Nova York, Mário Cuomo, desistiu, com enorme
antecedência, de postular uma candidatura.
Com isso, o seu caminho ficou
mais livre do que nunca. Agora, o outro lado lhe oferece, de bandeja, a cabeça
do maior nome que os republicanos dispõem para o enfrentar. É verdade que as
alamedas e vielas da política apresentam inúmeros meandros e obstáculos
insuspeitados. Mas se as coisas continuarem como estão, dificilmente Hart terá
qualquer adversário que possa ameaçar, sequer de longe, a sua trajetória rumo à
Casa Branca.
(Artigo publicado na página 9,
Internacional, do Correio Popular, em 21 de março de 1987).
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