Redemocratização inacabada
Pedro J. Bondaczuk
O tenente-general haitiano, Henry Namphy, quando assumiu,
em fevereiro de 1986, aa frente de uma junta de governo, em substituição ao
ditador Jean-Claude Duvaalier, o “Baby Doc”, deposto naquela oportunidade e que
havia fugido do país, disse que no período de dois anos restauraria a
democracia no Haiti.
Assegurou que não pretendia ficar
um único dia a mais à frente das funções de mando governamentais e que encarava
a tarefa como uma “missão de soldado” e não como um privilégio ou uma
prerrogativa. Mas parece que o poder fascina, mesmo, alguns.
Apenas quatro meses depôs de
passar a faixa presidencial ao candidato eleito no controvertido pleito de 17
de janeiro passado, Leslie Manigat (um homem que ele havia escolhido aa dedo
para a presidência), eis que ontem de madrugada o oficial, dito legalista,
desalojou o seu pupilo e protegido do palácio, o exilou para a República
Dominicana, e assumiu novamente as rédeas da nação, tida e havida como a mais
pobre, e, conseqüentemente, uma das mais violentas, de todo o hemisfério
ocidental.
Toda a controvérsia girou em
torno de uma questão meramente castrense, das Forças Armadas. Namphy desejava
transferir o coronel Jean-Claude Paul, leal ao presidente deposto (tanto é que resistiu
ao golpe, com 700 soldados, enquanto pôde), do comando do Batalhão Dessalines,
um dos mais poderosos e temidos do Haiti.
Manigat deu o contra,
evidentemente, mas não foi acatado. O referido oficial foi mesmo removido. O
mandatário tomou a atitude como um ato de insubordinação e destituiu o
todo-poderoso comandante-em-chefe do Exército de suas funções, além de
determinar a sua prisão domiciliar. Foi o quanto bastou para que selasse de vez
a sua queda.
Aliás, sua própria eleição já
havia sido um equívoco, posto que a maioria esmagadora dos haitianos boicotou o
pleito, tido e havido como extremamente fraudulento. Ademais, embora não se
justifique um golpe de Estado, pois um erro nunca é justificado por outro, o
oficial que o presidente tanto se empenhou em defender não é nenhuma flor que
se cheire.
J
ean-Claude Paul está sendo
processado em Miami, na Flórida, por tráfico de drogas. E seria justamente ele
quem iria substituir Namphy no comando do Exército. Os militares não iriam
tolerar, como não toleraram, isso. É claro que o ato de força foi recebido com
repúdio em todos os círculos internacionais sérios.
Espera-se, todavia, somente, que
o general golpista não tome gosto demasiado pela cadeira presidencial e não se
autoproclame “presidente vitalício”. A expectativa é que ele restabeleça o
processo de redemocratização, que havia começado tão bem em 1986, mas que não
teve competência para completar.
(Artigo publicado na página 14,
Internacional, do Correio Popular, em 21 de junho de 1988).
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