Wednesday, April 24, 2013


O gelo, o fogo e o ferro


Pedro J. Bondaczuk


O desenvolvimento de uma personalidade sadia, integrada e, sobretudo, voltada para o mundo, e não para o interior das pessoas, é uma das tarefas principais do ser humano durante sua existência. Pode parecer até paradoxo esse empenho, já que cada indivíduo que nasce é único, sem similar no passado e no futuro. Podem surgir sósias, há identidade de características biológicas em gêmeos univitelinos, no entanto não existem e nem existirão duas pessoas exatamente iguais. Cada uma delas é única, é original, é um mundo, é um universo complexo e indevassável em sua totalidade.

Todavia, há comportamentos padrões que massificam, descaracterizam, nulificam o indivíduo. Daí ele ter de desenvolver seu distintivo, sua marca pessoal que se convencionou chamar de "personalidade".

Haveria, porém, como determinar tipos, como o ideal e o pernicioso? Temos, por exemplo, a questão da genialidade, que nunca foi bem entendida. O gênio, em geral, é incompreendido pelos seus contemporâneos. Alguns chegam a ser confundidos com loucos, posto que os comportamentos se assemelhem na medida em que ambos diferem do padrão convencionado como normal.

Sua marca fica impressa na obra que deixa, que resiste à efemeridade e se perpetua, na maioria das vezes, muitos anos após sua morte. Caso típico é o do pintor holandês Vincent Van Gogh.

Fernando Pessoa, ele próprio intelectual genial, hoje reconhecido por todos como desses raros talentos marcantes, que surgem apenas de quando em quando, escreveu a respeito o seguinte: "O gênio é a insanidade tornada sã pela diluição do abstrato, como um veneno convertido em remédio mediante mistura. Seu produto próprio é a novidade abstrata – isto é, uma novidade que, no fundo, se conforma com as leis gerais da inteligência humana e não com as leis particulares da doença mental. A essência do gênio é a inadaptação ao ambiente; é por isso que o gênio (a menos que seja acompanhado de talento de espírito) é em geral incompreendido pelo seu ambiente; e eu digo 'em geral' e não 'universalmente' porque muito depende do ambiente. Não é a mesma coisa ser um gênio na antiga Grécia e na moderna Europa ou no mundo moderno".

Existe alguma forma do indivíduo moldar sua personalidade ou esta é produto da educação e do meio em que vive e, portanto, mera fatalidade? As opiniões a respeito divergem. Muitos educadores entendem que a moldagem é possível e a vontade tem papel determinante nessa tarefa.

Outros, por sua vez, acham que não. O pensador Balmes chegou a apresentar uma fórmula para essa construção de uma identidade positiva: "A verdadeira personalidade deve ter cabeça de gelo, coração de fogo e braços de ferro". Ou, interpretando essa fórmula, têm que ter frieza ao planejar, paixão ao executar e força para tornar concretas obras indispensáveis à sociedade e mais, à humanidade.

Há pessoas com essas características? Presumo que sim. Todavia, se houver, são raras. Ou, então, sumamente modestas para se revelarem. Certamente, se existirem, se destacarão, mesmo que à sua revelia, por serem diferentes.

Seriam os gênios? Não sei! Seriam os santos? Será que estes ainda existem em um mundo cada vez mais inconsciente, violento e egoísta, em que a maioria se preocupa exclusivamente consigo, acha que o próximo existe somente para o servir e que as coisas orbitam exclusivamente ao redor dos seus umbigos? Tenho sérias dúvidas a propósito, embora não ouse afirmar, por não dispor de provas.

Contudo, concordo com a fórmula proposta por Balmes para a construção de uma identidade positiva: cabeça de gelo, coração de fogo e braços de ferro, desde que esses elementos se equilibrem e não haja preponderância de nenhum deles.

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