Meritória campanha
Pedro J. Bondaczuk
Os ingleses,
tradicionalmente circunspectos, tidos e havidos como um dos povos mais sisudos
do mundo, deixaram de lado, ontem, essa propalada circunspecção. Quem fosse
àquele país ontem, pensaria que se enganou de destino. Acharia que chegou ao
Brasil em pleno Carnaval, tamanho foi o número de pessoas fantasiadas nas ruas.
Foram
quase 4 milhões os que colocaram estranhos narizes de plástico postiços,
vermelhos, fabricados na Tailândia e em Hong Kong, e que compareceram dessa
maneira ao trabalho e às escolas. Até o príncipe Andrew (que aliás sempre se
destacou por seu espírito esportivo) aderiu à brincadeira e posou para uma foto
com o seu “nasal especial”, como diria o humorista e cantor Juca Chaves.
O
leitor poderia pensar que deu um súbito ataque de loucura nos sisudos ingleses.
Afinal, foram 6% da população do país que demonstraram ter muito “fairplay” e,
sobretudo, um grande espírito de solidariedade. O inusitado movimento foi por
uma boa causa, a melhor que se possa desejar. Destinou-se a ajudar a milhares
de famintos africanos.
A
brincadeira foi idealizada por um humorista negro e a televisão promoveu
autêntica maratona, de oito horas de duração, de arrecadação de fundos. São
coisas assim que ainda conseguem nos devolver um pouco de esperança de que nem
tudo está perdido. De que nem todos os homens estão despojados de humanidade.
Há,
graças a Deus, muita gente que ainda se importa com o próximo. Existe,
portanto, uma boa base para se pensar numa reconstrução moral que talvez um dia
ainda possa acontecer no Planeta.
Os
humoristas ingleses resolveram imitar o roqueiro Bob Geldof, que também não
está parado e continua trabalhando em favor dos famintos etíopes. Agora, no
entanto, com maior experiência do que na campanha anterior, fiscalizando, ele
próprio, a entrega de alimentos arrecadados aos destinatários.
Houve
denúncias de que em 1985, muitas das doações, destinadas aos flagelados, foram
desviadas por “espertalhões” desclassificados, que constróem fortunas às custas
da desgraça alheia. Desses, infelizmente, há muitos espalhados por aí. Tantos
como se fossem ervas daninhas, que mais nascem quanto mais são extirpadas.
Quem
dera que governos tivessem a mesma sensibilidade que o povo possui! Certamente
não estaríamos nesta enorme enrascada, com a fome grassando entre um terço da
humanidade, com guerras estúpidas ceifando milhares de jovens sadios e
produtivos e com o espectro nuclear pairando sobre nossas cabeças como uma
sinistra “espada de Damocles”.
(Artigo publicado na página 10,
Internacional, do Correio Popular, em 6 de fevereiro de 1988).
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