Monday, April 22, 2013


Divagações sobre a memória

Pedro J. Bondaczuk

A memória é um dos temas recorrentes que não me canso de abordar. Tem relação direta com o tempo, minha obsessão literária, mais especificamente com o passado, e somente com ele. Por que? Porque o presente é tão rápido, rapidíssimo (mais veloz até do que a luz), que, na prática, não passa de abstração. Mal soletro a primeira sílaba da palavra que o nomeia e... ele já passou. O futuro, por sua vez, é tão abstrato quanto. Pode acontecer ou não. E, em um piscar de olhos, imediatamente se torna passado, praticamente sem tempo de ser presente. Por isso, ninguém se “lembra” do que ainda não aconteceu. É uma impossibilidade física, biológica e, sobretudo, lógica.  E o que está acontecendo, no instante em que lembramos, já é passado. Lembramo-nos, pois, somente do que passou, não importa se há mera fração de segundo ou se há um século, caso consigamos emplacar idade centenária.  

A memória é nosso real patrimônio, a única coisa que nos resta até nosso derradeiro sopro de vida. Isso quando resta. Antes que alguém mencione, nem sempre, ou nem todos logram conservá-la por toda a existência. Há doenças que a suprimem por completo. Às vezes, essa amnésia é apenas parcial, mas igualmente indesejável. Outras tantas, as lembranças, embora não desapareçam por completo, misturam-se a fantasias, sem que se consiga distinguir o que aconteceu  do que “achamos” que ocorreu. Refiro-me, pois, a condições normais. E nestas, a memória é a única coisa que de fato nos pertence, que é exclusivamente nossa e que permanece assim até nosso derradeiro sopro de vida.   Tudo o mais se perde, se esfacela, murcha, fenece e desaparece.

Generosa, a memória tem uma característica peculiar: é seletiva (já escrevi a esse propósito, mas nunca é demais reiterar). Apaga (ou atenua) as lembranças dos momentos ruins pelos quais passamos, de perdas, aflições e grandes sofrimentos. Em contrapartida, perpetua episódios felizes, aos quais, além disso, dá  toque todo especial, fazendo com que as alegrias, sucessos e episódios de felicidade nos pareçam maiores e melhores do que de fato foram. Por isso, a memória constitui-se no cerne da nossa personalidade. E é utilíssima em todas as profissões, notadamente, na nossa, de escritores. Quanto mais informações (e, sobretudo, precisas) retivermos, menos tempo perderemos em pesquisas quando da redação de nossos textos.

Se tivermos, por exemplo, na ponta da língua, as regras gramaticais, facilitaremos a tarefa de revisão, embora não possamos eliminá-la, por outras razões que não vêm ao caso mencionar. Gosto de tratar do assunto em seus vários aspectos e me proponho a tratá-lo mais vezes neste espaço diário de reflexão, embora o assunto divida opiniões de leitores. Alguns cobram-me, por e-mail, que o aborde mais amiúde e nos aspectos não somente filosóficos, ou literários, mas também práticos. Outros, porém, reclamam quando trato do tema, sob o pretexto de eu estar sendo repetitivo. Há pessoas que reclamam de tudo. Faz parte da sua personalidade. Confundem o saudável exercício da opinião com ranhetice e mau humor.

Ainda quando se manifestam de maneira cortês, civilizada e, principalmente, educada, são chatos, mas toleráveis. Mas há os megalomaníacos, que se julgam oniscientes e que, para os tornar ainda mais chatos, são mal educados. Esses desmancham-se em palavrões e ofensas, rigorosamente gratuitos e que, em vez de destacá-los favoravelmente, os diminuem aos olhos de qualquer um. Ademais, os que reclamam que sou repetitivo ao escrever sobre a memória são ou distraídos, ou desmemoriados, quando não as duas coisas simultaneamente. Não percebem que o tema, embora seja o mesmo, é abordado por ângulos diferentes. Enfim...     

Mas, voltando a falar de memória, devemos cultivá-la com carinho, constância e muito cuidado, pois será ela que irá nos encantar e consolar em nossos derradeiros dias. Jorge Luís Borges (sempre ele!) constata, num de seus livros: “Somos nossa memória. Somos esse quimérico museu de formas inconstantes, esse montão de espelhos partidos”. E, acaso, não somos?!

Guilherme de Almeida tem um poema extraordinário, que ilustra nossa dificuldade de resgatar o passado com relativa precisão. Diga-se de passagem, que essa não é tarefa fácil. Aliás, muito pelo contrário. Raros o conseguem e, mesmo assim, a tal da precisão é contestável. O referido poema intitula-se "Tempo" e diz:

"Às vezes parece que faz um século.
às vezes parece que faz um minuto.
Eu devo andar tão perdido no tempo,
tão perdido dos outros,

tão perdido de mim mesmo,
que meu rosto no espelho olhou-se esta manhã,
e em vez de perguntar:`Onde é que você está?'
resolveu perguntar:`Quando é que você está?".

Se de um dia para outro, nossa memória faz tamanha confusão de dados, o que dizer de um mês para outro, de um ano para outro, de uma década para outra, de uma vida para outra?

Voltarei, oportunamente, ao assunto, até para atender a solicitação dos leitores que querem saber um pouco mais do que sei e do que penso a respeito. Mas apelo aos desmemoriados para que façam uma forcinha e tentem memorizar o teor desta reflexão de hoje, para não me acusarem, sem fundamento, que estou repetindo o assunto, como um eco que repercute em determinados lugares por um bom tempo, após se haver emitido alguma palavra.

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