Monday, April 01, 2013


Contestando o estereótipo

Pedro J. Bondaczuk

Os poetas há muito adquiriram a incômoda fama de alienados, de viverem em um mundo de fantasias que eles próprios “fabricam”, ou engendram, ou imaginam, ausentes do que seus detratores entendem como “realidade”. E esse disparate adquire foros de verdade para os mal informados, para os ignorantes e para os acostumados a rotular pessoas, coisas e atividades como se esse fosse o procedimento mais normal que existe. Claro que não é. Trata-se de generalização injusta e tola, sem fundamento algum e, sobretudo, burra, como soem ser todas as generalizações.

Não nego que possa haver algum poeta, ou alguns deles, que de fato se alienam. Essa é condição estritamente pessoal, individual, que nada tem a ver com a atividade que a pessoa exerce. A alienação, ditada pela falta de informações ou então pela distorção deliberada delas, que têm exatamente o objetivo de alienar os que são propensos a isso (por razões políticas, de “má política” frise-se, ou ideológicas) não se restringe a nenhuma categoria específica, conforme diz a mais comezinha lógica. E muito menos é restrita aos poetas, claro.

Volta e meia ouço essa bobagem dita em tom pomposo  e arrogante. Dependendo, porém, de quem a diz, sequer me dou o trabalho de retrucar. Para quê?! Não iria adiantar mesmo! Seria perda de tempo. É inútil e frustrante tentar esclarecer ignorantes que não querem ser esclarecidos, por se considerarem sábios e não somente nesse assunto, mas em qualquer outro do qual não sabem praticamente nada, ou nada mesmo. Se o fizer, correrei o risco de ser alvo de deboches e zombarias. Para que me submeter a esse desgaste?

Volta e meia sou acusado de “endeusar” os poetas, tratando-os como semideuses, posto serem seres humanos como quaisquer outros, com os mesmos defeitos e contradições dos demais. Tolice! Nunca afirmei que quem tem esse talento, que considero nobre e peculiar, fosse (ou seja) parâmetro de perfeição. Aliás, essa sequer existe. O ser humano é, por natureza, imperfeito.

Além do que, raramente meto o bedelho em suas vidas. Limito-me a comentar suas obras. E quando estas são boas, não tenho o menor escrúpulo de reconhecê-las e apontá-las. Não tenho o hábito obsessivo da crítica pela crítica. Aliás, abstenho-me de fazê-la. Quando alguma coisa não me agrada, um texto, um livro, uma tela, uma composição musical etc., sequer a menciono, até por não me considerar (e não ser) dono da verdade.

Já os bons poemas, os profundos e inteligentes e, sobretudo, bem escritos, entusiasmam-me. Não tenho o menor pejo de explicitar meu entusiasmo. Se não o fizesse, entendo, pelos critérios morais que me norteiam, que estaria sendo hipócrita e falseando a “minha” verdade. Aceito a discordância sobre os conceitos e avaliações que emito e valorizo-a muito mais do que meus detratores pensam. Só não posso aceitar (e não aceito mesmo) conclusões a meu respeito dos que não me conhecem sequer remotamente, nem mesmo pelos textos que escrevo e, ainda assim, se julgam habilitados a manifestar (irresponsáveis) juízos de valor sobre mim.

E por que contesto, com tamanho vigor, com tanta ênfase, com inegável paixão, esse estereótipo aposto por alguns imbecis, adeptos das generalizações, aos poetas? Porque me considero um deles (posto que, possivelmente, o menor entre os menores, embora não tenha isenção para avaliar a qualidade, originalidade e profundidade da minha própria obra). Ademais, posso ter (e de fato tenho) todos os defeitos imagináveis em um ser humano. Menos... o da alienação.     

Proponho-me, nos próximos dias, a refletir e partilhar minhas reflexões com vocês sobre a obra de um dos mais consagrados poetas brasileiros: Carlos Drummond de Andrade. Para tanto, tenho, agora, em minha mesa de trabalho, cinco das suas dezenas de livros, escolhidos aleatoriamente na estante da minha biblioteca, a saber: “Brejo das almas”, “Fazendeiro do ar”, “Viola de Bolso”, “Lições de coisas” e “José”. Além disso, separei, também, recheada pasta de recortes de seus artigos no extinto “Jornal da Tarde” de São Paulo, que integra minha hemeroteca.

Nesses textos, nosso poeta maior desmistifica a acusação que se faz contra os que têm talento para a poesia, de que se alienam da realidade, confinados em um mundo de fantasias, que nada tem a ver com a prepotência, a tortura, a violência, a corrupção e as injustiças sociais com que nos deparamos em nosso cotidiano. Drummond sempre demonstrou, quer em versos, quer em prosa, seu engajamento na busca do bem mais sagrado que as pessoas podem aspirar (e aspiram), representado pela liberdade e pelo absoluto respeito por sua individualidade e dignidade humana. Serão comentários que, certamente, me proporcionarão imenso prazer em redigir e que, espero, também o satisfaçam, meu esclarecido e fiel leitor.

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