Contestando o
estereótipo
Pedro
J. Bondaczuk
Os poetas há muito
adquiriram a incômoda fama de alienados, de viverem em um mundo de fantasias
que eles próprios “fabricam”, ou engendram, ou imaginam, ausentes do que seus
detratores entendem como “realidade”. E esse disparate adquire foros de verdade
para os mal informados, para os ignorantes e para os acostumados a rotular
pessoas, coisas e atividades como se esse fosse o procedimento mais normal que existe.
Claro que não é. Trata-se de generalização injusta e tola, sem fundamento algum
e, sobretudo, burra, como soem ser todas as generalizações.
Não nego que possa
haver algum poeta, ou alguns deles, que de fato se alienam. Essa é condição
estritamente pessoal, individual, que nada tem a ver com a atividade que a
pessoa exerce. A alienação, ditada pela falta de informações ou então pela
distorção deliberada delas, que têm exatamente o objetivo de alienar os que são
propensos a isso (por razões políticas, de “má política” frise-se, ou
ideológicas) não se restringe a nenhuma categoria específica, conforme diz a
mais comezinha lógica. E muito menos é restrita aos poetas, claro.
Volta e meia ouço essa
bobagem dita em tom pomposo e arrogante.
Dependendo, porém, de quem a diz, sequer me dou o trabalho de retrucar. Para
quê?! Não iria adiantar mesmo! Seria perda de tempo. É inútil e frustrante
tentar esclarecer ignorantes que não querem ser esclarecidos, por se
considerarem sábios e não somente nesse assunto, mas em qualquer outro do qual
não sabem praticamente nada, ou nada mesmo. Se o fizer, correrei o risco de ser
alvo de deboches e zombarias. Para que me submeter a esse desgaste?
Volta e meia sou
acusado de “endeusar” os poetas, tratando-os como semideuses, posto serem seres
humanos como quaisquer outros, com os mesmos defeitos e contradições dos
demais. Tolice! Nunca afirmei que quem tem esse talento, que considero nobre e
peculiar, fosse (ou seja) parâmetro de perfeição. Aliás, essa sequer existe. O
ser humano é, por natureza, imperfeito.
Além do que, raramente
meto o bedelho em suas vidas. Limito-me a comentar suas obras. E quando estas
são boas, não tenho o menor escrúpulo de reconhecê-las e apontá-las. Não tenho
o hábito obsessivo da crítica pela crítica. Aliás, abstenho-me de fazê-la.
Quando alguma coisa não me agrada, um texto, um livro, uma tela, uma composição
musical etc., sequer a menciono, até por não me considerar (e não ser) dono da
verdade.
Já os bons poemas, os
profundos e inteligentes e, sobretudo, bem escritos, entusiasmam-me. Não tenho
o menor pejo de explicitar meu entusiasmo. Se não o fizesse, entendo, pelos
critérios morais que me norteiam, que estaria sendo hipócrita e falseando a
“minha” verdade. Aceito a discordância sobre os conceitos e avaliações que
emito e valorizo-a muito mais do que meus detratores pensam. Só não posso
aceitar (e não aceito mesmo) conclusões a meu respeito dos que não me conhecem
sequer remotamente, nem mesmo pelos textos que escrevo e, ainda assim, se
julgam habilitados a manifestar (irresponsáveis) juízos de valor sobre mim.
E por que contesto, com
tamanho vigor, com tanta ênfase, com inegável paixão, esse estereótipo aposto
por alguns imbecis, adeptos das generalizações, aos poetas? Porque me considero
um deles (posto que, possivelmente, o menor entre os menores, embora não tenha
isenção para avaliar a qualidade, originalidade e profundidade da minha própria
obra). Ademais, posso ter (e de fato tenho) todos os defeitos imagináveis em um
ser humano. Menos... o da alienação.
Proponho-me, nos próximos dias, a refletir e
partilhar minhas reflexões com vocês sobre a obra de um dos mais consagrados
poetas brasileiros: Carlos Drummond de Andrade. Para tanto, tenho, agora, em
minha mesa de trabalho, cinco das suas dezenas de livros, escolhidos
aleatoriamente na estante da minha biblioteca, a saber: “Brejo das almas”,
“Fazendeiro do ar”, “Viola de Bolso”, “Lições de coisas” e “José”. Além disso,
separei, também, recheada pasta de recortes de seus artigos no extinto “Jornal
da Tarde” de São Paulo, que integra minha hemeroteca.
Nesses textos, nosso
poeta maior desmistifica a acusação que se faz contra os que têm talento para a
poesia, de que se alienam da realidade, confinados em um mundo de fantasias,
que nada tem a ver com a prepotência, a tortura, a violência, a corrupção e as
injustiças sociais com que nos deparamos em nosso cotidiano. Drummond sempre
demonstrou, quer em versos, quer em prosa, seu engajamento na busca do bem mais
sagrado que as pessoas podem aspirar (e aspiram), representado pela liberdade e
pelo absoluto respeito por sua individualidade e dignidade humana. Serão
comentários que, certamente, me proporcionarão imenso prazer em redigir e que,
espero, também o satisfaçam, meu esclarecido e fiel leitor.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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