Por uma identidade
Pedro J. Bondaczuk
João queria
revolucionar
o mercado
inflacionário do sonho.
Resolveu que
iria comprar
com seu parco
salário-mínimo
um mundo
encantado para Maria.
Um planeta
inteiro, onde
milhares de
girassóis dourados
iluminariam os
dias oníricos
e as girândolas,
como carrosséis
coloridos,
seriam as estrelas noturnas
Compraria um
vestido de seda
fiado na roca
da vontade,
tingido com a
mais pura púrpura
de um contido
bem-querer
em que as
formas de Maria
seriam
realçadas. Sem as
estrias roxas das varizes
nas suas
pernas fortes,
de canelas
fininhas,
que o dono da
tecelagem
lhe deu,
através dos anos,
como
abono-produção.
Sem as marcas
da celulite,
da falta da
luz do sol.
Sem os sinais
de desnutrição,
presentes de
debutante,
dados pelos
seus pais,
no dia em que
completou
seus verdes
quinze anos.
Compraria,
para Maria,
um diadema
dourado
para prender
seus cabelos
que o tempo,
tinhoso, pintou.
Marfim do mais
fino, genuíno,
que
substituísse a dentadura,
enegrecida
pelas cáries,
borrada de
nicotina,
prêmio macabro
a marcar-lhe o
sorriso
que a miséria
lhe outorgou.
Compraria um
véu diáfano
para cobrir de
mistérios,
ao estilo
oriental,
o rosto magro
de Maria,
sulcado de
cicatrizes,
textura de
pergaminho
onde a vida
escreveu
uma história
banal.
Apagada.
Triste.
Comum.
Proletária,
de anos de
posses minguadas,
e de filhos
para criar.
Na fila
modorrenta do INSS,
João Tibúrcio
da Silva,
nordestino,
com a graça de Deus,
portador da
senha de atendimento
de número
trezentos e sessenta e cinco,
esperava para
receber
o décimo
auxílio-natalidade.
Mas queria,
por causa de Maria,
sofrida,
pisada e grávida,
revolucionar o
mercado
inflacionário
do sonho
e conquistar,
não se sabe a que custo,
a própria
identidade!
(Poema composto em Campinas, em 2 de março de 1981)
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