Tuesday, April 02, 2013


Faltaram muitos no Tribunal de Nuremberg


Pedro J. Bondaczuk

  
A prática de torturas no mundo está muito mais disseminada do que se pensa. Estão aí relatórios de diversas entidades de defesa dos direitos humanos para comprovar isso, demonstrando que esse flagelo está muito longe de desaparecer.

Seria muito interessante se fazer um dia um estudo acurado dos componentes psicológicos de um torturador. Qual o seu verdadeiro “leitmotiv”? Seria um desmedido fanatismo pela causa a que se liga, ou um desvio patológico de personalidade, no estilo do Marquês de Sade?

Qual a razão que o leva a se deleitar com os gemidos e suspiros de angústia de um ser humano indefeso? É coisa para se pensar...

O fenômeno está muito longe de ser novo e mais distante ainda de acabar. Consternados, lemos, quase diariamente, depoimentos, daqui e de fora, sobre pessoas que se valem dessa estúpida prática para arrancar confissões, as mais variadas, de alguém.

E o instrumental utilizado para isso, com raras “modernizações”, é praticamente o mesmo de que se valiam carrascos profissionais que atuavam nas sombrias masmorras medievais: afogamentos em tinas de água, espancamentos, lacerações nas unhas e órgãos genitais e outros procedimentos tão medonhos que dão arrepios apenas de se pensar.

O que causa estranheza é a dupla personalidade que têm os torturadores. Fora do local em que exercem a sua “tarefa”, são, geralmente, pais ternos, maridos exemplares e amigos leais. Como pode um indivíduo beijar o rosto de uma criança após espancar até a morte, ou ao desfalecimento, ou (o que é pior) à loucura, pessoas manietadas e indefesas, à sua completa mercê?

Como consegue sentir amor por alguma criatura humana alguém que se compraz com gritos de angústia e de dor de um semelhante? O que uma pessoa dessas espera deixar de si no mundo, após a morte? Afinal, nada levamos da vida, só deixamos.

Neste mesmo instante em que o leitor está acompanhando estas nossas considerações, em algum lugar do mundo, alguém está sendo torturado por suas convicções políticas, religiosas ou morais. Alguma pessoa está sendo mantida em condições degradantes, em cárceres infectos e imundos, sem nenhuma esperança de obtenção de qualquer espécie de socorro.

Alguém está sendo sepultado vivo em sombrias masmorras, que bem poderiam trazer inscritas no pórtico a inscrição que o poeta Dante Aligheri colocou na entrada do Inferno, no seu magistral livro “A Divina Comédia”: “Deixai aqui todas as esperanças vós que adentrareis por esta porta”.

Um dos assuntos do momento na imprensa internacional é a intensa busca que se faz ao carrasco nazista Joseph Mengele, visando a puni-lo pelos hediondos crimes que cometeu nos campos de concentração de Auschwitz, na Polônia, durante a Segunda Guerra Mundial.

É uma questão de justiça que ele pague por tudo o que fez contra tantas pessoas aterrorizadas e indefesas. Afinal, nem todos os carrascos, daquele negro período da História humana, puderam responder por seus atos em Nuremberg.

Eichmann, Stangl, Cukur e tantos outros conseguiram safar-se desse acerto de contas. Mas, convenhamos, lendo os relatórios sobre as diversas formas de desrespeito aos direitos humanos, concluímos que faltaram e ainda faltam muitos, muitíssimos criminosos no Tribunal de Nuremberg.

(Artigo publicado na página 10, Internacional, do Correio Popular, em 14 de fevereiro de 1985).

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