Friday, April 12, 2013


Poeta da unanimidade

Pedro J. Bondaczuk

Mário Quintana desperta tanta admiração nos outros poetas, 18 anos após a sua morte, que, mais do que escritor, transformou-se numa espécie de sinônimo de poesia. É das raras unanimidades na Literatura Brasileira. Muitos e muitos homens de letras, inúmeros, de todos os cantos do Brasil, famosos ou incógnitos, em versos ou em prosa (não importa), escreveram e escrevem a seu respeito. E há, reitero, unanimidade nessas manifestações. Não há entre quem esteja familiarizado com poesia, ou mesmo que leia pela primeira vez algum poema de Quintana, que não se confesse (positivamente) admirado por sua simplicidade e seu senso de humor.

Portanto, eu, que sou tido como exagerado em elogios aos escritores que aprecio (em alguns casos, sou mesmo, culpa do meu temperamento eslavo), em relação ao poeta meu conterrâneo não cometi, até aqui, nenhum excesso. E olhem que escrevi uma infinidade de textos a seu respeito. Se exagerei em alguma observação, foi para menos, não lhe dando o devido mérito que lhe reconheço. Pelo menos não com a mesma ênfase de outros tantos poetas, críticos, escritores de diversos gêneros e intelectuais de várias áreas.

A admiração por Quintana é tamanha, que o “transformaram”, até, em substantivo da língua portuguesa: “quintanar”. Substantivo sim, não me enganei, e não adjetivo, como alguns podem entender mais apropriado, por se tratar de algo concreto. Afinal, são páginas e páginas de textos tendo o “mago” da poesia como personagem (e ele confessou, constrangido, a propósito do que compôs e que impressionou e impressiona tanta gente: “são tantas coisas lindas e tristes que nem sei como foram parar em minha boca”).

Monteiro Lobato, por exemplo, não se conteve ao ler um poema de Quintana na revista “Ibiraputã” e redigiu uma carta endereçada ao poeta. Estava perpetrado um dos primeiros “quintanares”, representado pelo teor daquela mensagem. O criador do “Sítio do Pica-pau Amarelo” escreveu: Cada conjunto de quatro versos seus constitui perfeita jóia de forma e de filosofia da mais alta qualidade – a que paira no Olimpo do humor. Tanto me têm encantado, que já despertei a atenção dos meus amigos, e muitos andam com cópias à máquina no bolso”. E mais adiante, Lobato acrescenta: “Que coisa bonita o verdadeiro talento! Como vence, como se impõe – como se alastra, por mais escondido que comece!”.

O jornalista e escritor Gustavo Corção foi outro dos tantos que se encantaram com Quintana. E perpetrou, por seu turno, este “quintanar”, em um artigo publicado no “Diário de Notícias” do Rio de Janeiro, em 14 de janeiro de 1962: “Há leitura e leitura. Há diversos patamares, digamos, sete: e foi por acaso, sei lá porque, que ontem, tendo recebido de um dileto amigo um volume de ‘Poesias’, editado pela ‘Globo’, mergulhei na grande poesia de Mário Quintana. E lá pela altura do sétimo patamar conheci-o, sem conhecer, fui seu irmão, sem ter nascido em Alegrete, senti-me patinho feio, sem ter sido um cisne maltratado, senti-me em bares que nunca vi e bebi sem beber na presença distante e próxima de Mário Quintana”.

Viram como não exagero ao tratar do meu ilustre conterrâneo? E essa é apenas pequena amostra de como os mais consagrados escritores, como Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira e vai por aí afora, avaliavam seu extraordinário talento e se desmanchavam, claro, em elogios, sem medir palavras.          

E o próprio Quintana, o que escreveu a seu respeito? Pouco, muito pouco. E quando o fez, fê-lo como que pedindo desculpas, temeroso de ser mal-interpretado, como narcisista, justo ele, que era um sujeito tão simples. Um dos textos de sua lavra que encontrei foi este, que publicou dez anos de sua morte (ocorrida em 5 de maio de 1994) que diz:

“Nasci em Alegrete, em 30 de julho de 1906. Creio que foi a principal coisa que me aconteceu. E agora pedem-me que fale sobre mim mesmo. Bem! Eu sempre achei que toda confissão não transfigurada pela arte é indecente. Minha vida está nos meus poemas, meus poemas são eu mesmo, nunca escrevi uma vírgula que não fosse uma confissão. Ah! mas o que querem são detalhes, cruezas, fofocas... Aí vai! Estou com 78 anos, mas sem idade. Idades só há duas: ou se está vivo ou morto. Neste último caso é idade demais, pois foi-nos prometida a Eternidade”.

Genial! Como não se apaixonar por um ser humano assim, por um poeta com tamanha inspiração, que seria capaz de pedir uma pizza em versos transcendentais e belos, obras primas como tudo o que escreveu?! Quintana confessou mais o seguinte:

“Nasci no rigor do inverno, temperatura: 1 grau; e ainda por cima prematuramente, o que me deixava meio complexado, pois achava que não estava pronto. Até que um dia descobri que alguém tão completo como Winston Churchill nascera prematuro – o mesmo tendo acontecido a sir Isaac Newton! Excusez du peu... 

Prefiro citar a opinião dos outros sobre mim. Dizem que sou modesto. Pelo contrário, sou tão orgulhoso que acho que nunca escrevi algo à minha altura. Porque poesia é insatisfação, um anseio de auto-superação. Um poeta satisfeito não satisfaz. Dizem que sou tímido. Nada disso! sou é caladão, introspectivo. Não sei porque sujeitam os introvertidos a tratamentos. Só por não poderem ser chatos como os outros?”

E Quintana arrematou, de maneira deliciosa, seu tão delicioso texto: “Exatamente por execrar a chatice, a longuidão, é que eu adoro a síntese. Outro elemento da poesia é a busca da forma (não da fôrma), a dosagem das palavras. Talvez concorra para esse meu cuidado o fato de ter sido prático de farmácia durante cinco anos. Note-se que é o mesmo caso de Carlos Drummond de Andrade, de Alberto de Oliveira, de Érico Veríssimo – que bem sabem (ou souberam) o que é a luta amorosa com as palavras”.

Eu também sei, querido poeta, o que é esse combate permanente, em que, não raro, saímos feridos e, sobretudo, frustrados. Mas foi uma luta que você jamais deixou de sair vencedor. Para encerrar estas descompromissadas reflexões de hoje, nada melhor do que esta pitoresca advertência, este divertido esclarecimento de Quintana: “Os poetas não são azuis nem nada, como pensam alguns supersticiosos, nem sujeitos a ataques súbitos de levitação. O de que eles mais gostam é estar em silêncio – um silêncio que subjaz a quaisquer escapes motorísticos e declamatórios. Um silêncio... Este impoluível silêncio em que escrevo e em que tu me lês”. E não é?!!!

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