Thursday, April 18, 2013


Crise divide antigos aliados


Pedro J. Bondaczuk


O governo da presidenta filipina, Corazón Aquino, está enfrentando nova, e grave, crise, quando ainda não completou, sequer, nove meses de existência. Rumores circulam, diariamente, na imprensa de Manila, dando conta de complôs golpistas, em certas áreas militares, que estariam revoltadas com a trégua com a guerrilha comunista, visando a pacificar o país, que vive um clima de luta armada, virtualmente, desde que se tornou independente.

Para complicar tudo, na terça-feira, o ministro de Defesa, Juan Ponce Enrile, um dos fiadores do novo regime, veia a público para exigir a demissão de determinados membros do atual ministério que, no seu entender, seriam esquerdistas.

A sua atitude foi considerada, inclusive, de rebeldia e suas palavras foram aplaudidas por cerca de 20 mil simpatizantes do ex-ditador, Ferdinand Marcos, que por 21 anos espoliou, torturou e humilhou o povo filipino. Ninguém, no final das contas, acabou entendendo a atitude do ministro, que chegou a classificar o governo de Corazón Aquino de ilegítimo, na medida em que o mesmo aboliu a viciosa Constituição de 1973 e a nova ainda não entrou em vigor, estando na dependência de um plebiscito, marcado para 2 de fevereiro de 1987.

Enrile deveria conscientizar-se que um eventual retorno de Marcos às Filipinas significaria o seu fim. Não imediatamente, é óbvio. No entanto, os ditadores não costumam perdoar os que os traem e que agem no sentido de os fazerem perder o poder, ao qual são tão afeiçoados.

Tais caudilhos têm um perfil definido, que os aproxima muito de uma personalidade paranóica. Julgam-se superiores a qualquer pessoa e não admitem infidelidade. E Ponce Enrile foi um dos responsáveis (certamente o principal) pela precipitada fuga do tirano para um cômodo e confortável exílio no Hawaí.

Portanto, goste ou não, seu destino de homem público está ligado, para sempre, à presidenta Corazón Aquino. Mantendo-se fiel a ela, embora divirja de algumas de suas orientações, poderá permanecer no cargo por vários anos e, com paciência, até modelar a política interna a seu gosto. Sem ela, seu futuro será a prisão, o exílio ou, quem sabe, a morte.

Atitude muito mais coerente teve o outro responsável pela queda de Ferdinand Marcos, o comandante-em-chefe das Forças Armadas, general Fidel Ramos. Ele também discorda do pacto feito pelo governo com os insurgentes comunistas. Também sente-se incomodado com a guinada à esquerda do regime. Afinal, hábitos adquiridos, em tantos anos, quantos foram os do mandato do governante anterior, não se mudam da noite para o dia.

Mas o oficial vem mantendo uma postura discreta, sóbria, e de aparente lealdade a Corazón Aquino. Tanto é que divulgou, anteontem, uma lúcida nota, advertindo os possíveis aventureiros fardados para que nem pensem na hipótese de golpe.

O general sabe o que essa mudança violenta significaria para ele e para os demais que acreditaram ter chegado a hora das Filipinas viverem a sua experiência democrática. Por essa razão, e pelo apoio que a viúva de Benigno Aquino obteve da Casa Branca, quando da sua recente visita aos Estados Unidos, as manobras golpistas terminarão abortadas.

O plebiscito de fevereiro próximo, no entanto, terá um peso muito grande no futuro do atual governo. Uma aprovação em massa à nova Constituição significará, também, um sinal verde a Corazón e uma aprovação popular às providências que tomou até aqui.

Caso, ao contrário, ocorra o oposto, a desaprovação, o melhor que a presidenta tem a fazer é seguir o conselho do seu vice-presidente, Salvador Laurel, e convocar, correndo, uma nova eleição presidencial. Afinal, numa democracia, “vox populi, vox dei”. E convém que ela seja sempre respeitada.    

(Artigo publicado na página 10, Internacional, do Correio Popular, em 8 de novembro de 1986)

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