Crise
divide antigos aliados
Pedro J. Bondaczuk
O governo da presidenta filipina, Corazón Aquino,
está enfrentando nova, e grave, crise, quando ainda não completou, sequer, nove
meses de existência. Rumores circulam, diariamente, na imprensa de Manila,
dando conta de complôs golpistas, em certas áreas militares, que estariam
revoltadas com a trégua com a guerrilha comunista, visando a pacificar o país,
que vive um clima de luta armada, virtualmente, desde que se tornou
independente.
Para complicar tudo, na terça-feira, o ministro de
Defesa, Juan Ponce Enrile, um dos fiadores do novo regime, veia a público para
exigir a demissão de determinados membros do atual ministério que, no seu
entender, seriam esquerdistas.
A sua atitude foi considerada, inclusive, de
rebeldia e suas palavras foram aplaudidas por cerca de 20 mil simpatizantes do
ex-ditador, Ferdinand Marcos, que por 21 anos espoliou, torturou e humilhou o
povo filipino. Ninguém, no final das contas, acabou entendendo a atitude do
ministro, que chegou a classificar o governo de Corazón Aquino de ilegítimo, na
medida em que o mesmo aboliu a viciosa Constituição de 1973 e a nova ainda não
entrou em vigor, estando na dependência de um plebiscito, marcado para 2 de
fevereiro de 1987.
Enrile deveria conscientizar-se que um eventual
retorno de Marcos às Filipinas significaria o seu fim. Não imediatamente, é
óbvio. No entanto, os ditadores não costumam perdoar os que os traem e que agem
no sentido de os fazerem perder o poder, ao qual são tão afeiçoados.
Tais caudilhos têm um perfil definido, que os
aproxima muito de uma personalidade paranóica. Julgam-se superiores a qualquer
pessoa e não admitem infidelidade. E Ponce Enrile foi um dos responsáveis
(certamente o principal) pela precipitada fuga do tirano para um cômodo e
confortável exílio no Hawaí.
Portanto, goste ou não, seu destino de homem público
está ligado, para sempre, à presidenta Corazón Aquino. Mantendo-se fiel a ela,
embora divirja de algumas de suas orientações, poderá permanecer no cargo por
vários anos e, com paciência, até modelar a política interna a seu gosto. Sem
ela, seu futuro será a prisão, o exílio ou, quem sabe, a morte.
Atitude muito mais coerente teve o outro responsável
pela queda de Ferdinand Marcos, o comandante-em-chefe das Forças Armadas,
general Fidel Ramos. Ele também discorda do pacto feito pelo governo com os
insurgentes comunistas. Também sente-se incomodado com a guinada à esquerda do
regime. Afinal, hábitos adquiridos, em tantos anos, quantos foram os do mandato
do governante anterior, não se mudam da noite para o dia.
Mas o oficial vem mantendo uma postura discreta,
sóbria, e de aparente lealdade a Corazón Aquino. Tanto é que divulgou,
anteontem, uma lúcida nota, advertindo os possíveis aventureiros fardados para
que nem pensem na hipótese de golpe.
O general sabe o que essa mudança violenta
significaria para ele e para os demais que acreditaram ter chegado a hora das
Filipinas viverem a sua experiência democrática. Por essa razão, e pelo apoio
que a viúva de Benigno Aquino obteve da Casa Branca, quando da sua recente
visita aos Estados Unidos, as manobras golpistas terminarão abortadas.
O plebiscito de fevereiro próximo, no entanto, terá
um peso muito grande no futuro do atual governo. Uma aprovação em massa à nova
Constituição significará, também, um sinal verde a Corazón e uma aprovação
popular às providências que tomou até aqui.
Caso, ao contrário, ocorra o oposto, a desaprovação,
o melhor que a presidenta tem a fazer é seguir o conselho do seu
vice-presidente, Salvador Laurel, e convocar, correndo, uma nova eleição
presidencial. Afinal, numa democracia, “vox populi, vox dei”. E convém que ela
seja sempre respeitada.
(Artigo
publicado na página 10, Internacional, do Correio Popular, em 8 de novembro de
1986)
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