Não culpe o mágico
Pedro
J. Bondaczuk
“O poema é uma bola de
cristal. Se apenas enxergares nele o teu nariz, não culpes o mágico”. Esta
tirada genial é de um dos maiores poetas de todos os tempos – e não me refiro,
apenas, ao Brasil – embora não gostasse de ser tratado assim, não por modéstia,
mas por convicção e respeito aos demais peritos na arte de poetar.
Certa feita, em
entrevista publicada pelo jornal “Correio do Povo”, de Porto Alegre, em 20 de
setembro de 1975, perguntaram-lhe quem ele achava que era o maior poeta do
País. E ele não titubeou em responder, em tom de protesto: “Deixe disso. Nenhum
poeta é cavalo de corrida para ser obrigado a chegar em primeiro lugar”. E não
é mesmo.
Refiro-me ao meu
queridíssimo conterrâneo Mário Quintana que considero, literalmente, um mágico.
Não desses que “tiram ouro do nariz”, mas que colhem imaculados lírios em
pestilentos pântanos da alma. E isso ele fazia como ninguém. Embora não tivesse
a ventura e o privilégio de conhecê-lo pessoalmente, ele me é tão familiar como
se freqüentasse a minha casa todos os dias, por anos a fio. E freqüentou, de
fato. Para ser mais preciso, ainda freqüenta. Não em carne e osso, claro, mas
em espírito.
Frequenta não somente
minha casa, mas minha alma, através de seus poemas marcantes que, de tanto ler
e refletir a propósito, são como se fossem meus (quem dera!), frutos da minha
sensibilidade e emoção. Tenho, com ele, a despeito da nossa diferença de idade
(de cerca de quarenta anos) e de haver passado, já, quase duas décadas da sua morte
(ocorrida em 5 de maio de 1994), uma afinidade espiritual como tive com
pouquíssimas pessoas até hoje, se é que já tive com alguém.
Quem é meu leitor
assíduo sabe com que freqüência tenho escrito sobre Mário Quintana. Cito, entre
os tantos textos que redigi sobre ele, um que considero especial, ou seja, o
ensaio “O poeta da ‘Cidade do Sonho’”, que publiquei no jornal “Correio
Popular” de Campinas, na edição de 11 de agosto de 1988 (uma quinta-feira) e
que anos depois adaptei e transformei em conferência que proferi na Academia
Campinense de Letras em 1994, por ocasião da sua morte. Raras vezes escrevi
algo com tamanha paixão. Daí considerar essa peça uma espécie de obra-prima de
minha produção ensaística.
Para mim, Quintana (a
exemplo de Drummond, Bandeira, Cecília Meirelles, Borges, Octávio Paz e um
punhado de tantos outros) não morreu. Não morrerá jamais!! Estará sempre
comigo, vibrando com meus eventuais sucessos, consolando-me quando vier a
fracassar em algum empreendimento ao qual dê a importância que nem tem, fazendo
bem-humorada ironia com meus temores infundados, inundando a minha alma de luz
e de sabedoria.
Há tempos venho
escrevendo periódicas reflexões nas redes sociais – primeiro, no Orkut, e mais
recentemente, no Facebook – tendo, por fulcro temático, vários de seus poemas,
no afã de refrescar a memória das pessoas, (que, infelizmente, parece ser tão
curta), para que não esqueçam a obra desse magnífico poeta. Se o fizerem,
aliás, o prejuízo maior, certamente, será delas. Todavia, esse esquecimento,
caso venha a ocorrer, se constituirá em absurda injustiça. Quintana tem que ser
sempre lembrado notadamente pelas pessoas mais velhas, embora seja
imprescindível ser conhecido pelos jovens. Afinal, sua poesia é tão ágil e
atemporal, que nunca perde o viço da juventude. Por isso, certamente, agradará
os moços idealistas e de bom gosto.
É sumamente agradável,
para mim, escrever sobre uma pessoa tão doce, tão afável, tão terna e tão
sábia, com aquela sabedoria que não agride, mas que atrai, que embevece, que
contagia e que nos torna, também, dotados de um pouquinho dela, digamos, “por
osmose”. Gosto de discorrer, sobretudo,
sobre sua poesia, de simplicidade tamanha que chega a ser, ou a parecer,
“complicada” para os que tentam racionalizar tudo, fechando as portas da alma
para a emoção. Esses são os que Nelson Rodrigues e, posteriormente, Affonso
Romano de Sant’Anna (em inspirado poema) classificaram de “idiotas da
objetividade”. Deus que me livre de ser assim!
Quintana tinha visão
peculiar de poesia que, no meu entender, não é para ser racionalizada (embora
seja fácil de se racionalizar) ou dissecada, como se faz com um cadáver para
estudo médico. É para ser sentida, absorvida, degustada como deliciosa e
saudável iguaria. Destina-se a emocionar, mesmo que às vezes “doa”. E foi o
poeta que deu a melhor definição que já li sobre a arte poética. Em uma das
costumeiras crônicas que publicou no “Caderno de Sábado” do Correio do Povo, de
Porto Alegre, observou, posto que em versos:
“Nada
de brilhaturas.
Nada
de elegantes passos de esgrimista.
Não
é uma dança.
Um
poema é um soco na alma do leitor”.
Nesse aspecto, Mário
Quintana foi imbatível, foi um “Muhammad Ali” da poesia: vigoroso e vencedor, a
nos socar a sensibilidade, com força, com “punch” (como dizem os entendidos de
pugilismo para referirem-se à potência dos golpes), com o mesmo impacto dos que
são peritos na arte de nocautear adversários. Há quem possa considerar
inadequada a metáfora por supostamente remeter a um ato de violência. Tolice.
Um poema, para
sobreviver, para causar efeito e para justificar-se tem que ser assim. Deve
causar impacto tão grande na alma do leitor que chegue a doer, e doer bastante,
como dói um soco recebido no corpo desferido por um pugilista campeão, como o
lendário Muhammad Ali.. Voltarei a escrever (e o leitor arguto já deduziu isso)
sobre Mário Quintana, nas próximas reflexões. Aguardem. Mas, se um poema não
lhe causar espanto, verifique a quantas anda sua percepção e não culpe o
mágico.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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