Monday, April 08, 2013


Não culpe o mágico

Pedro J. Bondaczuk

O poema é uma bola de cristal. Se apenas enxergares nele o teu nariz, não culpes o mágico”. Esta tirada genial é de um dos maiores poetas de todos os tempos – e não me refiro, apenas, ao Brasil – embora não gostasse de ser tratado assim, não por modéstia, mas por convicção e respeito aos demais peritos na arte de poetar.

Certa feita, em entrevista publicada pelo jornal “Correio do Povo”, de Porto Alegre, em 20 de setembro de 1975, perguntaram-lhe quem ele achava que era o maior poeta do País. E ele não titubeou em responder, em tom de protesto: “Deixe disso. Nenhum poeta é cavalo de corrida para ser obrigado a chegar em primeiro lugar”. E não é mesmo.

Refiro-me ao meu queridíssimo conterrâneo Mário Quintana que considero, literalmente, um mágico. Não desses que “tiram ouro do nariz”, mas que colhem imaculados lírios em pestilentos pântanos da alma. E isso ele fazia como ninguém. Embora não tivesse a ventura e o privilégio de conhecê-lo pessoalmente, ele me é tão familiar como se freqüentasse a minha casa todos os dias, por anos a fio. E freqüentou, de fato. Para ser mais preciso, ainda freqüenta. Não em carne e osso, claro, mas em espírito.

Frequenta não somente minha casa, mas minha alma, através de seus poemas marcantes que, de tanto ler e refletir a propósito, são como se fossem meus (quem dera!), frutos da minha sensibilidade e emoção. Tenho, com ele, a despeito da nossa diferença de idade (de cerca de quarenta anos) e de haver passado, já, quase duas décadas da sua morte (ocorrida em 5 de maio de 1994), uma afinidade espiritual como tive com pouquíssimas pessoas até hoje, se é que já tive com alguém.

Quem é meu leitor assíduo sabe com que freqüência tenho escrito sobre Mário Quintana. Cito, entre os tantos textos que redigi sobre ele, um que considero especial, ou seja, o ensaio “O poeta da ‘Cidade do Sonho’”, que publiquei no jornal “Correio Popular” de Campinas, na edição de 11 de agosto de 1988 (uma quinta-feira) e que anos depois adaptei e transformei em conferência que proferi na Academia Campinense de Letras em 1994, por ocasião da sua morte. Raras vezes escrevi algo com tamanha paixão. Daí considerar essa peça uma espécie de obra-prima de minha produção ensaística.

Para mim, Quintana (a exemplo de Drummond, Bandeira, Cecília Meirelles, Borges, Octávio Paz e um punhado de tantos outros) não morreu. Não morrerá jamais!! Estará sempre comigo, vibrando com meus eventuais sucessos, consolando-me quando vier a fracassar em algum empreendimento ao qual dê a importância que nem tem, fazendo bem-humorada ironia com meus temores infundados, inundando a minha alma de luz e de sabedoria.

Há tempos venho escrevendo periódicas reflexões nas redes sociais – primeiro, no Orkut, e mais recentemente, no Facebook – tendo, por fulcro temático, vários de seus poemas, no afã de refrescar a memória das pessoas, (que, infelizmente, parece ser tão curta), para que não esqueçam a obra desse magnífico poeta. Se o fizerem, aliás, o prejuízo maior, certamente, será delas. Todavia, esse esquecimento, caso venha a ocorrer, se constituirá em absurda injustiça. Quintana tem que ser sempre lembrado notadamente pelas pessoas mais velhas, embora seja imprescindível ser conhecido pelos jovens. Afinal, sua poesia é tão ágil e atemporal, que nunca perde o viço da juventude. Por isso, certamente, agradará os moços idealistas e de bom gosto.

É sumamente agradável, para mim, escrever sobre uma pessoa tão doce, tão afável, tão terna e tão sábia, com aquela sabedoria que não agride, mas que atrai, que embevece, que contagia e que nos torna, também, dotados de um pouquinho dela, digamos, “por osmose”. Gosto de discorrer,  sobretudo, sobre sua poesia, de simplicidade tamanha que chega a ser, ou a parecer, “complicada” para os que tentam racionalizar tudo, fechando as portas da alma para a emoção. Esses são os que Nelson Rodrigues e, posteriormente, Affonso Romano de Sant’Anna (em inspirado poema) classificaram de “idiotas da objetividade”. Deus que me livre de ser assim!

Quintana tinha visão peculiar de poesia que, no meu entender, não é para ser racionalizada (embora seja fácil de se racionalizar) ou dissecada, como se faz com um cadáver para estudo médico. É para ser sentida, absorvida, degustada como deliciosa e saudável iguaria. Destina-se a emocionar, mesmo que às vezes “doa”. E foi o poeta que deu a melhor definição que já li sobre a arte poética. Em uma das costumeiras crônicas que publicou no “Caderno de Sábado” do Correio do Povo, de Porto Alegre, observou, posto que em versos:

“Nada de brilhaturas.
Nada de elegantes passos de esgrimista.
Não é uma dança.
Um poema é um soco na alma do leitor”.

Nesse aspecto, Mário Quintana foi imbatível, foi um “Muhammad Ali” da poesia: vigoroso e vencedor, a nos socar a sensibilidade, com força, com “punch” (como dizem os entendidos de pugilismo para referirem-se à potência dos golpes), com o mesmo impacto dos que são peritos na arte de nocautear adversários. Há quem possa considerar inadequada a metáfora por supostamente remeter a um ato de violência. Tolice.

Um poema, para sobreviver, para causar efeito e para justificar-se tem que ser assim. Deve causar impacto tão grande na alma do leitor que chegue a doer, e doer bastante, como dói um soco recebido no corpo desferido por um pugilista campeão, como o lendário Muhammad Ali.. Voltarei a escrever (e o leitor arguto já deduziu isso) sobre Mário Quintana, nas próximas reflexões. Aguardem. Mas, se um poema não lhe causar espanto, verifique a quantas anda sua percepção e não culpe o mágico.

Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk

No comments: