Gênio ou louco?
Pedro
J. Bondaczuk
Os artistas, em termos
gerais, têm egos super-inflados. Claro, há exceções. Ademais, essa vaidade que
os caracteriza apresenta graduações. Não é igual e nem tem a mesma intensidade
para todos. Vai desde a (digamos) normal, que seria na verdade a confiança no próprio talento e a avaliação
positiva, mas não exagerada, da própria obra, até algo que beira à paranóia,
mais especificamente, a megalomania. Alguns chegam ao cúmulo de se considerarem
“divinos”, a tanto que chega sua exacerbada auto-apreciação. Claro que estes,
mesmo quando geniais, caem em ridículo e nem são levados a sério, em virtude da
exagerada auto-louvação.
Um dos artistas que
mais aprecio, pela originalidade da sua obra, mas que tinha, ao menos em público,
freqüentes surtos megalomaníacos, é autor, por exemplo, desta afirmação: “Eu
sou um gênio e os gênios não morrem jamais”. Vocês conseguiram identificar a
quem me refiro, apenas por esta declaração? Ele disse, também: “Eu sou mais
famoso do que Jesus Cristo”. E agora, já deu para identificar quem foi esse
sujeito com ego tão inflado? Garanto que não se trata de John Lennon. Ele
declarou, ainda: “Não sou somente o
pintor mais famoso do mundo, sou o próprio
modernismo”.
Agora há duas pistas
para facilitar a identificação. A primeira, refere-se à arte que exercitou. Foi
pintor, ou, mais genericamente, artista plástico. A segunda define a que escola
se vinculou: ao modernismo. Essas declarações polêmicas, e outras tantas do
mesmo teor, que causaram reações as mais diversas no público – desde riso à
profunda revolta – foram feitas pelo artista espanhol, mais especificamente
catalão, Salvador Domingo Felipe Jacinto Dali i Domenech.
Pois é, um sujeito,
digamos, fora do eixo, só poderia ter nome tão pomposo e exageradamente longo
como este. Combina. Para inflar ainda mais seu já de comum inflado ego, contava
ainda com um título de nobreza: 1º Marquês de Dali de Pobal. Nestas
considerações a que me proponho a fazer hoje e por mais alguns dias, vou
nomeá-lo, simplesmente, da maneira que ficou mundialmente conhecido – quer por
suas excentricidades (mais por elas) quer por sua polêmica, mas originalíssima,
obra – Salvador Dali.
Na maior parte dos seus
quase 85 anos de vida, despertou intensa polêmica no público, ora por suas
pinturas e esculturas caracterizadas pela combinação de bizarras imagens
oníricas (mais para pesadelos do que propriamente para sonhos) com uma
qualidade plástica extraordinária, praticamente inigualável; ora por suas
atitudes no mínimo excêntricas, não raro classificadas de malucas. Sua fama
oscilou entre a de gênio e a de louco. E você, caro leitor, o que acha de Dali?
Foi genial, como ele
próprio propalou que era, pela mídia, mundo afora? Ou foi o maluco, o
desequilibrado, o sujeito fora da realidade, rótulo que seus detratores
tentaram lhe impingir? Opto pela primeira, embora não muito convicto. Ademais,
os limites entre a loucura e a genialidade são estreitíssimos e quase
imperceptíveis.
Salvador Dali nasceu na
cidade de Figueres, na rebelde Catalunha – que ainda hoje se empenha, e mais do
que nunca, para obter não apenas autonomia em relação às Espanha, mas a própria
independência – em 11 de maio de 1904. Coincidentemente, morreu na mesma
cidadezinha, em 23 de janeiro de 1989. Por ocasião da sua morte, fui incumbido,
pela chefia de redação do jornal Correio Popular de Campinas, onde eu
trabalhava, de redigir seu necrológio. Sua importância para as artes plásticas,
notadamente para o Surrealismo, era (e é) tamanha, que produzi um texto que
preencheu toda uma página, e sem anúncio, com escassas ilustrações – publicada
na edição de 24 de janeiro de 1989, uma terça-feira –, para relatar, apenas, o
mínimo do mínimo do que se poderia escrever a seu respeito.
Para se ter pálida
idéia da sua importância artística, basta dizer que a notícia da sua morte,
comoveu e chocou toda a Espanha. O casal real espanhol – o rei Juan Carlos e a
rainha Sofia – enviou comovido telegrama de condolências ao então presidente do
governo regional da Catalunha, Jordi Pujol, no qual declarou “profundo pesar
pela perda de um catalão. Um espanhol universal, que nos era pessoalmente
caro”. A despeito da linguagem protocolar, o monarca deixou entrever genuína
emoção com a perda. E destacou que rendia homenagem, sobretudo, “à sua obra
inimitável, que sempre foi uma referência única na história da pintura”.
Imagino como Salvador
Dali se sentiria se pudesse ler essas palavras. Seu ego, já de per si inflado,
inflaria ao infinito, a ponto de produzir, quem sabe, a explosão, ou implosão
sei lá, do artista. A despeito de se tratar de rematado fanfarrão, sua obra
foi, realmente, excepcional. Sua produção mais conhecida (e mais famosa) é, sem
dúvida, “A persistência da memória”, pintada em 1931. Dita assim, com seu nome
oficial, poucos se dão conta do que se trata. Mas tudo muda de figura quando se
menciona a denominação pela qual se tornou conhecida: “Relógios fundidos”.
Já utilizei a
reprodução desse quadro inúmeras vezes como ilustração da volatilidade do tempo
em meus textos na internet, embora não fosse essa a conotação que Dali quis dar
a essa célebre pintura. A interpretação do artista, conforme a enciclopédia
eletrônica Wikipédia, é que “o relógio é, incansavelmente, o pressuposto de que
o tempo é rígido ou determinista, e neste sentido é apoiado por outras imagens,
como a vasta expansão da paisagem e as formigas a voar e a devorar outros
relógios”. Prefiro, porém, a minha “leitura” pessoal dessa obra. É mais
condizente com a realidade, ou mais, com a surrealidade de Salvador Dali.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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