Sunday, April 14, 2013


Gênio ou louco?

Pedro J. Bondaczuk

Os artistas, em termos gerais, têm egos super-inflados. Claro, há exceções. Ademais, essa vaidade que os caracteriza apresenta graduações. Não é igual e nem tem a mesma intensidade para todos. Vai desde a (digamos) normal, que seria na verdade a  confiança no próprio talento e a avaliação positiva, mas não exagerada, da própria obra, até algo que beira à paranóia, mais especificamente, a megalomania. Alguns chegam ao cúmulo de se considerarem “divinos”, a tanto que chega sua exacerbada auto-apreciação. Claro que estes, mesmo quando geniais, caem em ridículo e nem são levados a sério, em virtude da exagerada auto-louvação.

Um dos artistas que mais aprecio, pela originalidade da sua obra, mas que tinha, ao menos em público, freqüentes surtos megalomaníacos, é autor, por exemplo, desta afirmação: “Eu sou um gênio e os gênios não morrem jamais”. Vocês conseguiram identificar a quem me refiro, apenas por esta declaração? Ele disse, também: “Eu sou mais famoso do que Jesus Cristo”. E agora, já deu para identificar quem foi esse sujeito com ego tão inflado? Garanto que não se trata de John Lennon. Ele declarou, ainda: “Não sou somente o 
pintor mais famoso do mundo, sou o próprio modernismo”.

Agora há duas pistas para facilitar a identificação. A primeira, refere-se à arte que exercitou. Foi pintor, ou, mais genericamente, artista plástico. A segunda define a que escola se vinculou: ao modernismo. Essas declarações polêmicas, e outras tantas do mesmo teor, que causaram reações as mais diversas no público – desde riso à profunda revolta – foram feitas pelo artista espanhol, mais especificamente catalão, Salvador Domingo Felipe Jacinto Dali i Domenech.

Pois é, um sujeito, digamos, fora do eixo, só poderia ter nome tão pomposo e exageradamente longo como este. Combina. Para inflar ainda mais seu já de comum inflado ego, contava ainda com um título de nobreza: 1º Marquês de Dali de Pobal. Nestas considerações a que me proponho a fazer hoje e por mais alguns dias, vou nomeá-lo, simplesmente, da maneira que ficou mundialmente conhecido – quer por suas excentricidades (mais por elas) quer por sua polêmica, mas originalíssima, obra – Salvador Dali.

Na maior parte dos seus quase 85 anos de vida, despertou intensa polêmica no público, ora por suas pinturas e esculturas caracterizadas pela combinação de bizarras imagens oníricas (mais para pesadelos do que propriamente para sonhos) com uma qualidade plástica extraordinária, praticamente inigualável; ora por suas atitudes no mínimo excêntricas, não raro classificadas de malucas. Sua fama oscilou entre a de gênio e a de louco. E você, caro leitor, o que acha de Dali?

Foi genial, como ele próprio propalou que era, pela mídia, mundo afora? Ou foi o maluco, o desequilibrado, o sujeito fora da realidade, rótulo que seus detratores tentaram lhe impingir? Opto pela primeira, embora não muito convicto. Ademais, os limites entre a loucura e a genialidade são estreitíssimos e quase imperceptíveis.

Salvador Dali nasceu na cidade de Figueres, na rebelde Catalunha – que ainda hoje se empenha, e mais do que nunca, para obter não apenas autonomia em relação às Espanha, mas a própria independência – em 11 de maio de 1904. Coincidentemente, morreu na mesma cidadezinha, em 23 de janeiro de 1989. Por ocasião da sua morte, fui incumbido, pela chefia de redação do jornal Correio Popular de Campinas, onde eu trabalhava, de redigir seu necrológio. Sua importância para as artes plásticas, notadamente para o Surrealismo, era (e é) tamanha, que produzi um texto que preencheu toda uma página, e sem anúncio, com escassas ilustrações – publicada na edição de 24 de janeiro de 1989, uma terça-feira –, para relatar, apenas, o mínimo do mínimo do que se poderia escrever a seu respeito.

Para se ter pálida idéia da sua importância artística, basta dizer que a notícia da sua morte, comoveu e chocou toda a Espanha. O casal real espanhol – o rei Juan Carlos e a rainha Sofia – enviou comovido telegrama de condolências ao então presidente do governo regional da Catalunha, Jordi Pujol, no qual declarou “profundo pesar pela perda de um catalão. Um espanhol universal, que nos era pessoalmente caro”. A despeito da linguagem protocolar, o monarca deixou entrever genuína emoção com a perda. E destacou que rendia homenagem, sobretudo, “à sua obra inimitável, que sempre foi uma referência única na história da pintura”.

Imagino como Salvador Dali se sentiria se pudesse ler essas palavras. Seu ego, já de per si inflado, inflaria ao infinito, a ponto de produzir, quem sabe, a explosão, ou implosão sei lá, do artista. A despeito de se tratar de rematado fanfarrão, sua obra foi, realmente, excepcional. Sua produção mais conhecida (e mais famosa) é, sem dúvida, “A persistência da memória”, pintada em 1931. Dita assim, com seu nome oficial, poucos se dão conta do que se trata. Mas tudo muda de figura quando se menciona a denominação pela qual se tornou conhecida: “Relógios fundidos”.

Já utilizei a reprodução desse quadro inúmeras vezes como ilustração da volatilidade do tempo em meus textos na internet, embora não fosse essa a conotação que Dali quis dar a essa célebre pintura. A interpretação do artista, conforme a enciclopédia eletrônica Wikipédia, é que “o relógio é, incansavelmente, o pressuposto de que o tempo é rígido ou determinista, e neste sentido é apoiado por outras imagens, como a vasta expansão da paisagem e as formigas a voar e a devorar outros relógios”. Prefiro, porém, a minha “leitura” pessoal dessa obra. É mais condizente com a realidade, ou mais, com a surrealidade de Salvador Dali.

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