Sunday, April 21, 2013


Em defesa de personagens verossímeis

Pedro J. Bondaczuk

O computador pessoal – nosso queridíssimo PC, cada vez mais personalizado, miniaturizado e portátil – hoje meio de comunicação imprescindível entre pessoas e empresas, ainda não chegou à literatura de ficção. Não, pelo menos, para ficar. São raros, raríssimos os romances, contos, novelas etc., pelo menos entre os nacionais, em que os personagens se utilizam desse utilíssimo equipamento quando as histórias são datadas nestes primeiros anos do século XXI. Já nem digo da utilização das outras tantas engenhocas tecnológicas, cada vez mais comuns, com destaque para os celulares, praticamente computadores de bolso, com suas “mil e uma utilidades”. Os escritores, portanto, não vêm descrevendo a contento, com a verossimilhança que se espera deles, o comportamento do homem contemporâneo.

Qual a razão disso? Esquecimento? Distração? Pressa? Não sei! Aliás, outros tantos frutos da modernidade estão ausentes da nossa literatura de ficção. Nos romances cujos enredos situam-se no século XIX (e também em contos e novelas), os autores descrevem com precisão os veículos de transporte da época, alem da arquitetura e decoração das casas, escritórios, lojas e outros tantos cenários em que seus personagens transitam. Falam, por exemplo, de carruagens, seges e outros meios similares utilizados pelos nossos ancestrais para se locomover. Nas histórias atuais, porém, os automóveis, que são o xodó do homem contemporâneo – muitos têm mais ciúmes deles do que da própria esposa ou do marido, quando o caso – raramente são mencionados. Muito menos caminhões, ônibus, metrôs e vai por aí afora.

As redes sociais, tipo Facebook, Orkut, Twitter e outras tantas, que se tornaram manias mundiais e, claro, também no Brasil, rarissimamente são citadas, como se não existissem ou como se pouquíssimos as utilizassem. Dessa forma, tanto os cenários, quanto o comportamento dos personagens, soam falsos, mentirosos, artificiais, sem aquela naturalidade que a boa literatura – que é a expressão de tudo o que existe e do que se faz num determinado período escolhido pelo autor para desenvolver seus enredos – exige para ser minimamente verossímil.

Faço essa observação não propriamente a título de crítica, mas de constatação e até de sugestão para os escritores que me dão a honra de serem meus leitores. Na maioria dos romances, contos e novelas narrando histórias que supostamente se desenrolam em nosso tempo, não identifico, na maneira de viver no dia a dia e de se comportar, privada ou publicamente, pessoas parecidas com as quais convivo ou cruzo nas ruas diariamente. Seus usos e costumes são mais apropriados ao século XIX ou aos anteriores. Mas sem a criatividade e rigor descritivo, por exemplo, de um Machado de Assis, ou de um Lima Barreto ou de tantos outros romancistas, contistas e novelistas brasileiros de cem ou duzentos anos atrás.

Raros são os personagens dos enredos atuais, por exemplo, que vão a estádios, que discutem futebol, que nos fins de semana participam de peladas sucedidas por cervejadas e fartura de tira-gostos, que os tornam tão obesos. Aliás, dificilmente encontro os que são, digamos, mais “gordinhos”, embora mais de 60% da população brasileira esteja acima do peso ideal (nos Estados Unidos esse porcentual já orbita ao redor de 90%, mais do que caracterizando uma epidemia de sobrepeso), com aquela barriguinha saliente característica, que tempos atrás era símbolo de prosperidade, mas que hoje simboliza apenas o que de fato é: mera obesidade, convite irresistível para a insidiosa diabetes com suas perversas (e não raro fatais) sequelas, que vem se tornando uma espécie de “doença da moda” do século XXI.

Mais contundente, ainda, é o fato dos personagens não serem obsessivamente consumistas, não entrarem em verdadeiro transe nos corredores dos supermercados e, pior, não freqüentarem shoppings, que são, nos dias atuais, verdadeiras “catedrais” de uma “religião” não reconhecida, posto real, que é a do consumismo delirante, sucedido por estúpido desperdício, ambos estimulados pela indústria da propaganda. Aliás, as economias dos países industrializados têm isso (consumo e baixa durabilidade dos produtos) por fundamento, colocando a humanidade em insidiosa armadilha, da qual não se vislumbra a saída.

Explico. Qualquer eventual queda de consumo, mesmo que a mais elementar prudência requeira isso, implicaria em redução da produção. Reduzindo-se esta, milhões e milhões de trabalhadores mundo afora se veriam desempregados, sem recursos para sustentar suas famílias, para alimentá-las, vesti-las, abrigá-las, instruí-las e proporcionar-lhes o necessário lazer. Causaria, pois, o caos social, de conseqüências imprevisíveis (posto que imagináveis). Por isso, os vários governos, uns mais e outros menos, estimulam o consumo cada vez maior, quer do necessário quer, e principalmente, do supérfluo, pois ambos favorecem maior produção, com  a geração de novos postos de trabalho, que asseguram aos políticos a vitória nas próximas eleições. Criam, não raro, linhas de crédito, reduzem juros e dão outros tantos tipos de incentivo para que as pessoas comprem, comprem e comprem a não mais poder.

Nessa equação, porém, não é levado em conta o fato que os recursos do planeta Terra são limitados e estão próximos da exaustão (isso sem falar da poluição do ar, das águas e do próprio solo). A presente geração e as que a antecederam, desde a Revolução Industrial de meados do século XVIII, demandaram (e desperdiçaram) mais matérias-primas essenciais para a indústria e para a geração de energia do que todas as pessoas que antes delas habitaram o Planeta, desde os primórdios da civilização que remonta sabe-se lá há quantos milênios, já que na maior parte da História o homem não dispunha de linguagem escrita e, portanto, não há registros de períodos tão remotos.

Bem, esse assunto é extenso (temo que interminável) e daria muito pano para manga – aliás não somente para manga, mas para o casaco inteiro, ou para milhões deles. Deixo, todavia, para sua reflexão, essa observação e a sugestão, para os ficcionistas contemporâneos, para que sejam mais atentos e observadores e mais rigorosos na descrição de cenários destes nossos tempos tão loucos e para a criação de personagens mais reais, verossímeis, de carne e osso, com o comportamento das pessoas com as quais convivemos ou meramente cruzamos nas ruas dessas arapucas de cimento e asfalto que chamamos, eufemisticamente, de “cidades”.

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