Em defesa de
personagens verossímeis
Pedro
J. Bondaczuk
O computador pessoal –
nosso queridíssimo PC, cada vez mais personalizado, miniaturizado e portátil –
hoje meio de comunicação imprescindível entre pessoas e empresas, ainda não
chegou à literatura de ficção. Não, pelo menos, para ficar. São raros,
raríssimos os romances, contos, novelas etc., pelo menos entre os nacionais, em
que os personagens se utilizam desse utilíssimo equipamento quando as histórias
são datadas nestes primeiros anos do século XXI. Já nem digo da utilização das
outras tantas engenhocas tecnológicas, cada vez mais comuns, com destaque para
os celulares, praticamente computadores de bolso, com suas “mil e uma
utilidades”. Os escritores, portanto, não vêm descrevendo a contento, com a
verossimilhança que se espera deles, o comportamento do homem contemporâneo.
Qual a razão disso?
Esquecimento? Distração? Pressa? Não sei! Aliás, outros tantos frutos da
modernidade estão ausentes da nossa literatura de ficção. Nos romances cujos
enredos situam-se no século XIX (e também em contos e novelas), os autores
descrevem com precisão os veículos de transporte da época, alem da arquitetura
e decoração das casas, escritórios, lojas e outros tantos cenários em que seus
personagens transitam. Falam, por exemplo, de carruagens, seges e outros meios
similares utilizados pelos nossos ancestrais para se locomover. Nas histórias
atuais, porém, os automóveis, que são o xodó do homem contemporâneo – muitos
têm mais ciúmes deles do que da própria esposa ou do marido, quando o caso –
raramente são mencionados. Muito menos caminhões, ônibus, metrôs e vai por aí
afora.
As redes sociais, tipo
Facebook, Orkut, Twitter e outras tantas, que se tornaram manias mundiais e,
claro, também no Brasil, rarissimamente são citadas, como se não existissem ou
como se pouquíssimos as utilizassem. Dessa forma, tanto os cenários, quanto o
comportamento dos personagens, soam falsos, mentirosos, artificiais, sem aquela
naturalidade que a boa literatura – que é a expressão de tudo o que existe e do
que se faz num determinado período escolhido pelo autor para desenvolver seus
enredos – exige para ser minimamente verossímil.
Faço essa observação
não propriamente a título de crítica, mas de constatação e até de sugestão para
os escritores que me dão a honra de serem meus leitores. Na maioria dos
romances, contos e novelas narrando histórias que supostamente se desenrolam em
nosso tempo, não identifico, na maneira de viver no dia a dia e de se
comportar, privada ou publicamente, pessoas parecidas com as quais convivo ou
cruzo nas ruas diariamente. Seus usos e costumes são mais apropriados ao século
XIX ou aos anteriores. Mas sem a criatividade e rigor descritivo, por exemplo,
de um Machado de Assis, ou de um Lima Barreto ou de tantos outros romancistas,
contistas e novelistas brasileiros de cem ou duzentos anos atrás.
Raros são os
personagens dos enredos atuais, por exemplo, que vão a estádios, que discutem
futebol, que nos fins de semana participam de peladas sucedidas por cervejadas
e fartura de tira-gostos, que os tornam tão obesos. Aliás, dificilmente
encontro os que são, digamos, mais “gordinhos”, embora mais de 60% da população
brasileira esteja acima do peso ideal (nos Estados Unidos esse porcentual já
orbita ao redor de 90%, mais do que caracterizando uma epidemia de sobrepeso),
com aquela barriguinha saliente característica, que tempos atrás era símbolo de
prosperidade, mas que hoje simboliza apenas o que de fato é: mera obesidade,
convite irresistível para a insidiosa diabetes com suas perversas (e não raro
fatais) sequelas, que vem se tornando uma espécie de “doença da moda” do século
XXI.
Mais contundente,
ainda, é o fato dos personagens não serem obsessivamente consumistas, não
entrarem em verdadeiro transe nos corredores dos supermercados e, pior, não
freqüentarem shoppings, que são, nos dias atuais, verdadeiras “catedrais” de
uma “religião” não reconhecida, posto real, que é a do consumismo delirante,
sucedido por estúpido desperdício, ambos estimulados pela indústria da
propaganda. Aliás, as economias dos países industrializados têm isso (consumo e
baixa durabilidade dos produtos) por fundamento, colocando a humanidade em insidiosa
armadilha, da qual não se vislumbra a saída.
Explico. Qualquer
eventual queda de consumo, mesmo que a mais elementar prudência requeira isso,
implicaria em redução da produção. Reduzindo-se esta, milhões e milhões de
trabalhadores mundo afora se veriam desempregados, sem recursos para sustentar
suas famílias, para alimentá-las, vesti-las, abrigá-las, instruí-las e
proporcionar-lhes o necessário lazer. Causaria, pois, o caos social, de
conseqüências imprevisíveis (posto que imagináveis). Por isso, os vários
governos, uns mais e outros menos, estimulam o consumo cada vez maior, quer do
necessário quer, e principalmente, do supérfluo, pois ambos favorecem maior
produção, com a geração de novos postos
de trabalho, que asseguram aos políticos a vitória nas próximas eleições.
Criam, não raro, linhas de crédito, reduzem juros e dão outros tantos tipos de
incentivo para que as pessoas comprem, comprem e comprem a não mais poder.
Nessa equação, porém,
não é levado em conta o fato que os recursos do planeta Terra são limitados e
estão próximos da exaustão (isso sem falar da poluição do ar, das águas e do
próprio solo). A presente geração e as que a antecederam, desde a Revolução
Industrial de meados do século XVIII, demandaram (e desperdiçaram) mais matérias-primas
essenciais para a indústria e para a geração de energia do que todas as pessoas
que antes delas habitaram o Planeta, desde os primórdios da civilização que
remonta sabe-se lá há quantos milênios, já que na maior parte da História o
homem não dispunha de linguagem escrita e, portanto, não há registros de
períodos tão remotos.
Bem, esse assunto é
extenso (temo que interminável) e daria muito pano para manga – aliás não
somente para manga, mas para o casaco inteiro, ou para milhões deles. Deixo,
todavia, para sua reflexão, essa observação e a sugestão, para os ficcionistas
contemporâneos, para que sejam mais atentos e observadores e mais rigorosos na
descrição de cenários destes nossos tempos tão loucos e para a criação de
personagens mais reais, verossímeis, de carne e osso, com o comportamento das
pessoas com as quais convivemos ou meramente cruzamos nas ruas dessas arapucas
de cimento e asfalto que chamamos, eufemisticamente, de “cidades”.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
No comments:
Post a Comment