Polêmico e desafiador
Pedro
J. Bondaczuk
A personalidade forte
e, sobretudo, o talento artístico invejável de Salvador Dali despertaram
intensas polêmicas sobre sua figura. Isso demorou um tempão, desde que ele
começou a despontar e atrair a atenção do público e da crítica para suas obras,
até sua morte, quando já estava decadente, artística e, sobretudo,
pessoalmente. Foi um artista que despertou intensas, avassaladoras paixões,
quer positivas, quer negativas. Houve quem sempre, até o último momento, se
conservasse fiel a ele, amparando-o e protegendo-o em seus momentos difíceis,
em especial em seus últimos cinco anos de vida. Em contrapartida, muita gente
que lhe devia favores lhe voltou covardemente as costas, quando tinha maior
necessidade de apoio e o atacou ferozmente, mal escondendo um ódio irracional
que, objetivamente, não tinha motivos de existir.
Escrever sobre Dali é
tarefa para gigantes. Excede em muito a minha capacidade. Por maior que seja o
poder de síntese do redator, é impossível retratá-lo sem ambigüidades e nem
omissões, em toda a sua grandeza e em sua fragilidade, a não ser em um alentado
livro, que exigiria tempo e paciência para ser escrito. Minha pretensão, aliás,
ao tratar dessa fascinante figura, não é e nem foi a de esgotar o assunto e nem
mesmo a de sequer traçar seu perfil, mesmo que pálido e incompleto.
O objetivo foi o de
trazer seu nome, há tempos (injusta e perversamente) esquecido, à baila e
mostrar como o que se entende por “sucesso” nas artes é passageiro e fugaz. Não
passa de ilusão que, insensatamente, acalentamos. Eu não nego que acalento. Nem
sempre os artistas que marcam seus nomes na história e são lembrados e
reverenciados geração após geração, são os melhores em suas atividades. A mesma
constatação é válida para os “esquecidos”, muitos dos quais (eles sim) merecedores
de reconhecimento e veneração e jamais do esquecimento a que acabam relegados.
Mas... a vida quase nunca é justa, e com ninguém.
Dali (mas o do auge da
sua carreira e não a figura caricata e triste em que se transformou nos cinco
últimos anos de vida) irritava os adversários pela forma interpretada como
arrogante com que reagia às críticas. Ignorava-as, ou fingia as ignorar,
ridicularizando os que o tentavam ridicularizar. não lhes dando a menor
atenção. Em contrapartida, dava declarações tidas como megalomaníacas,
dizendo-se insuperável (e até acho que era em sua especialidade) e “divino”. Os
ataques mais ferozes que sofreu foram desfechados pelos que, teoricamente,
deveriam ser seus aliados, por supostamente comungarem dos mesmos ideais
artísticos que tinha: os surrealistas.
André Breton, por
exemplo, acusou-o em inúmeras ocasiões de não passar de oportunista, de
mercenário que vendia a alma ao demônio por um punhado de moedas. Disse, entre
outras tantas coisas que sequer tinham a ver com arte, que Salvador Dali era
escandalosamente “admirador de Adolf Hitler”, o que nunca conseguiu provar.
Chegou a cunhar um anagrama para o seu desafeto com os dizeres “Avida dólares”,
que traduzia como “Ávido por dólares”, referindo-se ao adversário. Tentou provar
em várias ocasiões que o inimigo nem mesmo era surrealista. Surreais, para mim,
porém, são essas descabidas e mesquinhas acusações.
Dali, contudo, não se
abalava. Em vez de retrucar, ofendendo o oponente, fazia provocações como esta:
“A única diferença entre Eu e os Surrealistas é que Eu sou o Surrealismo”.
Breton e seus colegas, sobretudo os mais radicais, jamais perdoaram seu
desafeto, que os ignorava de maneira tão acintosa e ostensiva. Mesmo quando
Dali estava no auge, elogiado e reverenciado, estes seus pretensos “colegas de
ideais artísticos” referiam-se a ele no passado, como se já estivesse morto. E
foram os que se aproveitaram da decadência física e psicológica do pintor,
quando a doença neurológica não lhe permitiu mais exercer sua arte, para pisoteá-lo,
sem o mínimo senso de piedade.
Antes de perder o gosto de viver, Dali fez declarações e mais declarações em que se colocava como o maioral, o inigualável, o insuperável. O público não as levava a sério. Ria de suas excentricidades. Os desafetos, todavia, não viam a hora de darem o troco e quando tiveram oportunidade de fazê-lo, agiram com contundência e sem piedade. Dali declarou, certa ocasião, em um de seus tantos pronunciamentos: “Comparado com Zarburan, Velazquez e Messonier, eu não sou nada. Mas comparado com os pintores de hoje acho que sou não apenas o melhor, mas o único. A arte moderna é uma calamidade”. Esta foi, no meu entender, a auto-avaliação mais lúcida feita por Salvador Dali e a mais equilibrada. E eu a endossaria sem a menor relutância, por sua exatidão e clareza.
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