Saturday, April 20, 2013


Miterrand, agora, é o "estilingue"


Pedro J. Bondaczuk


Ao que tudo indica, a melhor coisa que poderia ter acontecido ao presidente francês, François Mitterrand, foi a derrota do seu Partido Socialista nas eleições de março passado. Pode parecer paradoxal, mas depois disso, o seu prestígio somente cresceu, livre das preocupações e desgastes decorrentes das responsabilidades de governo. Muitas das suas políticas, criticadas intensamente por aqueles para os quais elas se voltavam, ou seja, os trabalhadores, hoje estão sendo reavaliadas e seus críticos devem estar arrependidos de não terem outorgado uma nova vitória consagradora nas urnas ao PS.

O primeiro-ministro conservador, Jacques Chirac, até que teve uma trégua confortadora assim que assumiu a chefia do gabinete, em março passado. Não enfrentou nenhum confronto trabalhista até este mês e pôde empenhar todos os seus esforços na luta  contra o terrorismo. Nessa tarefa, frise-se, não teve grande sucesso. Afinal, nenhum dos responsáveis pela onda de atentados, que aterrorizou Paris, no mês de setembro passado, foi preso. Mesmo o país tendo se transformado numa autêntica "praça de guerra", tomado que foi por uma verdadeira neurose nacional antiterror.

Qualquer francês sabe, no entanto, que a criminalidade comum, aquela que não tem nenhuma conotação política, faz três vezes mais vítimas diariamente do que a onda de explosões que se verificou na cidade. E nem por isso o cerco aos marginais tem sido maior do que o trivial. Ou seja, Chirac aproveitou o infeliz episódio para colocar em prática aquilo que a extrema-direita vem apregoando há tempos: uma limitação à concessão de cidadania francesa, a imigrantes, em especial aos originários do Norte da África e do Oriente Médio.

Mas a trégua ao premier terminou a partir do momento em que o seu gabinete apresentou o infeliz projeto de reforma universitária em novembro, sem que fosse feita qualquer consulta à parte interessada. E acabou de uma forma dramática, da mesma maneira que o movimento que praticamente encerrou a carreira política de Charles De Gaule, na década de 60.

Paris voltou a viver o mesmo drama dos levantes de estudantes de 1968, só que com muito maior objetividade do que há 18 anos. As questões levadas às ruas foram bem mais objetivas agora do que naquele tempo. O movimento atual não teve conotações ideológicas, mas se caracterizou por exigências práticas, diretas, concretas, palpáveis. Os universitários, assim, forçaram Chirac a capitular pela primeira vez em 9 meses, forçando-o a retirar o projeto da Assembléia Nacional. E aumentando alguns pontinhos no prestígio de Mitterrand, que pôde ficar somente apreciando, de camarote, o desgaste do adversário, com o qual tem que conviver no mesmo governo.

Mas a tempestade maior para o gabinete de centro-direita parece estar reservada para o início de 1987. A atual greve dos ferroviários, portuários e funcionários do metrô deixa no ar a possibilidade do primeiro-ministro ter de enfrentar duras confrontações trabalhistas já em janeiro. Outras categorias ameaçam aderir à paralisação determinada por seus companheiros dos transportes. A exigência de todos é uma só: aumentos salariais expressivos, que Chirac não pretende conceder, para que o seu projeto econômico possa se viabilizar.

A parada, ao que tudo indica, será das mais indigestas possíveis para o premier. E o presidente François Mitterrand, que estava sumamente desgastado há somente nove meses, colecionará, certamente, outros pontinhos de popularidade, garantindo, por antecipação, o sucesso do seu Partido Socialista nas eleições presidenciais de 1988. Ele deve, a esta altura, estar se deliciando com a experiência de, depois de ter sido por cinco anos vidraça, poder se transformar, de uma hora para outra, em estilingue. Agiu bem, portanto, ao aceitar o sistema de "coabitação" que as urnas lhe impuseram. Afinal, a partir de então, só fez mesmo foi colher lucros políticos diante da falta de soluções para os principais problemas nacionais dos seus adversários.

(Artigo publicado na página 14, Internacional, do Correio Popular, em 30 de dezembro de 1986)

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