Miterrand,
agora, é o "estilingue"
Pedro J. Bondaczuk
Ao
que tudo indica, a melhor coisa que poderia ter acontecido ao presidente
francês, François Mitterrand, foi a derrota do seu Partido Socialista nas
eleições de março passado. Pode parecer paradoxal, mas depois disso, o seu
prestígio somente cresceu, livre das preocupações e desgastes decorrentes das
responsabilidades de governo. Muitas das suas políticas, criticadas
intensamente por aqueles para os quais elas se voltavam, ou seja, os
trabalhadores, hoje estão sendo reavaliadas e seus críticos devem estar
arrependidos de não terem outorgado uma nova vitória consagradora nas urnas ao
PS.
O
primeiro-ministro conservador, Jacques Chirac, até que teve uma trégua
confortadora assim que assumiu a chefia do gabinete, em março passado. Não
enfrentou nenhum confronto trabalhista até este mês e pôde empenhar todos os
seus esforços na luta contra o
terrorismo. Nessa tarefa, frise-se, não teve grande sucesso. Afinal, nenhum dos
responsáveis pela onda de atentados, que aterrorizou Paris, no mês de setembro
passado, foi preso. Mesmo o país tendo se transformado numa autêntica
"praça de guerra", tomado que foi por uma verdadeira neurose nacional
antiterror.
Qualquer
francês sabe, no entanto, que a criminalidade comum, aquela que não tem nenhuma
conotação política, faz três vezes mais vítimas diariamente do que a onda de
explosões que se verificou na cidade. E nem por isso o cerco aos marginais tem
sido maior do que o trivial. Ou seja, Chirac aproveitou o infeliz episódio para
colocar em prática aquilo que a extrema-direita vem apregoando há tempos: uma
limitação à concessão de cidadania francesa, a imigrantes, em especial aos
originários do Norte da África e do Oriente Médio.
Mas
a trégua ao premier terminou a partir do momento em que o seu gabinete
apresentou o infeliz projeto de reforma universitária em novembro, sem que
fosse feita qualquer consulta à parte interessada. E acabou de uma forma
dramática, da mesma maneira que o movimento que praticamente encerrou a
carreira política de Charles De Gaule, na década de 60.
Paris
voltou a viver o mesmo drama dos levantes de estudantes de 1968, só que com
muito maior objetividade do que há 18 anos. As questões levadas às ruas foram
bem mais objetivas agora do que naquele tempo. O movimento atual não teve
conotações ideológicas, mas se caracterizou por exigências práticas, diretas,
concretas, palpáveis. Os universitários, assim, forçaram Chirac a capitular
pela primeira vez em 9 meses, forçando-o a retirar o projeto da Assembléia
Nacional. E aumentando alguns pontinhos no prestígio de Mitterrand, que pôde
ficar somente apreciando, de camarote, o desgaste do adversário, com o qual tem
que conviver no mesmo governo.
Mas
a tempestade maior para o gabinete de centro-direita parece estar reservada
para o início de 1987. A atual greve dos ferroviários, portuários e
funcionários do metrô deixa no ar a possibilidade do primeiro-ministro ter de
enfrentar duras confrontações trabalhistas já em janeiro. Outras categorias
ameaçam aderir à paralisação determinada por seus companheiros dos transportes.
A exigência de todos é uma só: aumentos salariais expressivos, que Chirac não
pretende conceder, para que o seu projeto econômico possa se viabilizar.
A
parada, ao que tudo indica, será das mais indigestas possíveis para o premier.
E o presidente François Mitterrand, que estava sumamente desgastado há somente
nove meses, colecionará, certamente, outros pontinhos de popularidade,
garantindo, por antecipação, o sucesso do seu Partido Socialista nas eleições
presidenciais de 1988. Ele deve, a esta altura, estar se deliciando com a
experiência de, depois de ter sido por cinco anos vidraça, poder se
transformar, de uma hora para outra, em estilingue. Agiu bem, portanto, ao
aceitar o sistema de "coabitação" que as urnas lhe impuseram. Afinal,
a partir de então, só fez mesmo foi colher lucros políticos diante da falta de
soluções para os principais problemas nacionais dos seus adversários.
(Artigo publicado na página 14,
Internacional, do Correio Popular, em 30 de dezembro de 1986)
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