Polêmicas obscurecem
memorável obra
Pedro
J. Bondaczuk
A obra do pintor e
escultor Salvador Dali foi relativamente vasta (de mais de 1.500 pinturas, além
de dezenas de esculturas, uma infinidade de desenhos e de esboços, litografias,
ilustrações para livros, cenários e vestimentas de teatro e vários outros
projetos menores) e foi, sobretudo, originalíssima, para não dizer
revolucionária. Os críticos de arte nunca negaram sua importância, embora
muitos (provavelmente a maioria), se sentissem incomodados com suas
excentricidades e atitudes extravagantes, provavelmente destinadas a chamar a
atenção para o que fazia.
Os que condenavam seu
histrionismo alegavam que, em vez de atrair a atenção do público para o que
pintava, desenhava e esculpia, suas atitudes fora do eixo produziam resultados
exatamente opostos aos que supostamente pretendia. Ou seja, suas “palhaçadas”
(para alguns) deixavam sua produção, de excelente qualidade técnica e de
estimulante e notável originalidade temática, em segundo plano. Pode ser.
Confesso que, comigo,
aconteceu exatamente isso. Ou seja, tardou para que eu ignorasse as
excentricidades e atitudes teatrais de Salvador Dali, que mais pareciam coisas
de alguém mentalmente insano do que atos de um artista de talento, e atentasse,
no final das contas, para o que deveria atentar desde o início: para detalhes
da sua obra que pode ter pecado em muitos pontos (embora não veja nela defeitos
que a comprometam), menos no de falta de originalidade. Creio que o julgamento
justo e preciso dela somente agora, passados tantos anos da sua morte, começa a
ser feito devidamente, posto que aos poucos e sem a presença do fator
subjetivo, da sua caricata figura, para o bem ou para o mal (mais para o
segundo do que para o primeiro, no meu modesto entendimento).
Faz-se necessário
destacar as atuações de Salvador Dali em atividades que pouco ou nada tinham a
ver com as artes plásticas. Atuou, por exemplo, no cinema, escrevendo roteiros.
Um dos filmes de que participou foi “Um chien andalou”, de apenas 17 minutos de
duração, mas que é destacado por seus biógrafos principalmente por ter feito
parceria com ninguém menos que Luís Buñuel, mítico diretor cultuado por
cinéfilos do mundo todo. Essa produção, de curta-metragem, ficou famosa
principalmente em decorrência de seus gráficos, que simulam a abertura de um
globo ocular feita com uma navalha. E nem é preciso destacar que a concepção e
execução disso foi obra de Dali.
Aliás, esse não foi o
único filme de Buñuel que teve a participação do polêmico artista catalão. Um
outro, que merece menção, é “L’age d’or”, datado de 1930. Roteiros ele escreveu
diversos, embora poucos fossem aproveitados, pelo menos na íntegra. Destaque-se que o consagrado diretor
cinematográfico espanhol não foi o único cineasta a se valer da criatividade de
Salvador Dali. Alfred Hitchcock, por exemplo, utilizou uma de suas
originalíssimas idéias, a do sonho, na sequência de Spellbound, que remete o
espectador a temas de psicanálise. Ele atuou, também, em uma produção de Walt
Disney, no desenho animado “Destino”, que nunca chegou a ver, pois foi
concluída anos após sua morte, recentemente, em 2003, por Baker Bloodwort e Roy
Disney, conforme informação que colhi na enciclopédia eletrônica Wikipedia.
Esse filme contém imagens de sonho, com destaque para estranhas figuras e
personagens que andam pelo ar como se pisassem terra firme.
O “Divino Dali”, como
ele se autoproclamava, foi o último sobrevivente de um trio de artistas
plásticos espanhóis modernos, tidos e havidos como os virtuais criadores do
modernismo. Os outros dois foram, óbvio, Pablo Picasso (que morreu em 1973) e
Joan Miró (falecido em 1973. Numa de suas últimas entrevistas, publicada em
novembro de 1987 pelo jornal católico “Yá”, o polêmico pintor declarou: “Se eu
algum dia morrer, o que espero que nunca aconteça, gostaria que as pessoas nos
cafés de Figueres dissessem: ‘Dali morreu, mas não inteiramente”. E isso, de
fato aconteceu (ou está acontecendo) face à revisão e conseqüente valorização
de sua original (diria única) obra.
Dali considerava-se o
maior artista dos tempos modernos. Há quem questione essa auto-análise, achando
que, quando o artista catalão dizia essas coisas, não o fazia a sério, embora
desse a entender que sim e que a maioria achasse que ele pensava, de fato,
isso. Ele era, ao menos em público, emérito provocador e pouco se importava (ao
menos aparentemente) com as opiniões negativas alheias. Quanto mais o atacavam,
mais se “autolouvava”.
Dali pode não ter sido,
como afirmou, o “maior artista dos tempos modernos” (como pode, de fato, ter
sido isso e muito mais). Todavia, ninguém sequer lhe ameaçou “a coroa” de mais
excêntrico e mais pitoresco produtor de artes. Era multifacetado e polivalente.
Recentemente, tive a oportunidade de ler, por exemplo, alguns poemas que
compôs, na linha surrealista que caracterizou sua obra e, embora levasse um
tempão para entender as mensagens que transmitiu, gostei do que li. Caso se
dedicasse à poesia, não faria feio nos meios literários.
As opiniões sobre
Salvador Dali e sua obra (mais sobre ele do que sobre o que fez), foram
praticamente todas extremadas, carregadas de paixão (ora de amor e até de
idolatria, ora de ódio). O poeta Federico Garcia Llorca, amigo de seus tempos
de estudante, por exemplo, compôs uma ode lírica elogiando “sua voz de
azeitona... e o rumo certeiro de suas flechas”. George Orwell, por seu turno,
menosprezou-o e, em uma declaração datada de 1940, qualificou-o de “um pequeno
patife, tão anti-social quanto uma pulga”. Já sua esposa, Gala (russa de nascimento),
considerou-o “impertinente, pretensioso e insuportável” em seu primeiro
encontro.
Todavia essa mulher,
igualmente peculiar e digna de atenção, mudaria logo de opinião. Pudera! Foi a
leal e dedicadíssima companheira de Salvador Dali nos quarenta anos que durou o
seu casamento, que só terminou com a morte dela, ocorrida em 10 de junho de
1982. Alguma coisa (certamente muita) de positivo Gala viu no falastrão,
amalucado, mas genial artista, que marcou todo um período na história da arte
moderna, notadamente na Europa.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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