Monday, April 15, 2013


Polêmicas obscurecem memorável obra

Pedro J. Bondaczuk

A obra do pintor e escultor Salvador Dali foi relativamente vasta (de mais de 1.500 pinturas, além de dezenas de esculturas, uma infinidade de desenhos e de esboços, litografias, ilustrações para livros, cenários e vestimentas de teatro e vários outros projetos menores) e foi, sobretudo, originalíssima, para não dizer revolucionária. Os críticos de arte nunca negaram sua importância, embora muitos (provavelmente a maioria), se sentissem incomodados com suas excentricidades e atitudes extravagantes, provavelmente destinadas a chamar a atenção para o que fazia.

Os que condenavam seu histrionismo alegavam que, em vez de atrair a atenção do público para o que pintava, desenhava e esculpia, suas atitudes fora do eixo produziam resultados exatamente opostos aos que supostamente pretendia. Ou seja, suas “palhaçadas” (para alguns) deixavam sua produção, de excelente qualidade técnica e de estimulante e notável originalidade temática, em segundo plano. Pode ser.

Confesso que, comigo, aconteceu exatamente isso. Ou seja, tardou para que eu ignorasse as excentricidades e atitudes teatrais de Salvador Dali, que mais pareciam coisas de alguém mentalmente insano do que atos de um artista de talento, e atentasse, no final das contas, para o que deveria atentar desde o início: para detalhes da sua obra que pode ter pecado em muitos pontos (embora não veja nela defeitos que a comprometam), menos no de falta de originalidade. Creio que o julgamento justo e preciso dela somente agora, passados tantos anos da sua morte, começa a ser feito devidamente, posto que aos poucos e sem a presença do fator subjetivo, da sua caricata figura, para o bem ou para o mal (mais para o segundo do que para o primeiro, no meu modesto entendimento).

Faz-se necessário destacar as atuações de Salvador Dali em atividades que pouco ou nada tinham a ver com as artes plásticas. Atuou, por exemplo, no cinema, escrevendo roteiros. Um dos filmes de que participou foi “Um chien andalou”, de apenas 17 minutos de duração, mas que é destacado por seus biógrafos principalmente por ter feito parceria com ninguém menos que Luís Buñuel, mítico diretor cultuado por cinéfilos do mundo todo. Essa produção, de curta-metragem, ficou famosa principalmente em decorrência de seus gráficos, que simulam a abertura de um globo ocular feita com uma navalha. E nem é preciso destacar que a concepção e execução disso foi obra de Dali.

Aliás, esse não foi o único filme de Buñuel que teve a participação do polêmico artista catalão. Um outro, que merece menção, é “L’age d’or”, datado de 1930. Roteiros ele escreveu diversos, embora poucos fossem aproveitados, pelo menos na íntegra.    Destaque-se que o consagrado diretor cinematográfico espanhol não foi o único cineasta a se valer da criatividade de Salvador Dali. Alfred Hitchcock, por exemplo, utilizou uma de suas originalíssimas idéias, a do sonho, na sequência de Spellbound, que remete o espectador a temas de psicanálise. Ele atuou, também, em uma produção de Walt Disney, no desenho animado “Destino”, que nunca chegou a ver, pois foi concluída anos após sua morte, recentemente, em 2003, por Baker Bloodwort e Roy Disney, conforme informação que colhi na enciclopédia eletrônica Wikipedia. Esse filme contém imagens de sonho, com destaque para estranhas figuras e personagens que andam pelo ar como se pisassem terra firme.              

O “Divino Dali”, como ele se autoproclamava, foi o último sobrevivente de um trio de artistas plásticos espanhóis modernos, tidos e havidos como os virtuais criadores do modernismo. Os outros dois foram, óbvio, Pablo Picasso (que morreu em 1973) e Joan Miró (falecido em 1973. Numa de suas últimas entrevistas, publicada em novembro de 1987 pelo jornal católico “Yá”, o polêmico pintor declarou: “Se eu algum dia morrer, o que espero que nunca aconteça, gostaria que as pessoas nos cafés de Figueres dissessem: ‘Dali morreu, mas não inteiramente”. E isso, de fato aconteceu (ou está acontecendo) face à revisão e conseqüente valorização de sua original (diria única) obra.

Dali considerava-se o maior artista dos tempos modernos. Há quem questione essa auto-análise, achando que, quando o artista catalão dizia essas coisas, não o fazia a sério, embora desse a entender que sim e que a maioria achasse que ele pensava, de fato, isso. Ele era, ao menos em público, emérito provocador e pouco se importava (ao menos aparentemente) com as opiniões negativas alheias. Quanto mais o atacavam, mais se “autolouvava”.

Dali pode não ter sido, como afirmou, o “maior artista dos tempos modernos” (como pode, de fato, ter sido isso e muito mais). Todavia, ninguém sequer lhe ameaçou “a coroa” de mais excêntrico e mais pitoresco produtor de artes. Era multifacetado e polivalente. Recentemente, tive a oportunidade de ler, por exemplo, alguns poemas que compôs, na linha surrealista que caracterizou sua obra e, embora levasse um tempão para entender as mensagens que transmitiu, gostei do que li. Caso se dedicasse à poesia, não faria feio nos meios literários.

As opiniões sobre Salvador Dali e sua obra (mais sobre ele do que sobre o que fez), foram praticamente todas extremadas, carregadas de paixão (ora de amor e até de idolatria, ora de ódio). O poeta Federico Garcia Llorca, amigo de seus tempos de estudante, por exemplo, compôs uma ode lírica elogiando “sua voz de azeitona... e o rumo certeiro de suas flechas”. George Orwell, por seu turno, menosprezou-o e, em uma declaração datada de 1940, qualificou-o de “um pequeno patife, tão anti-social quanto uma pulga”. Já sua esposa, Gala (russa de nascimento), considerou-o “impertinente, pretensioso e insuportável” em seu primeiro encontro.

Todavia essa mulher, igualmente peculiar e digna de atenção, mudaria logo de opinião. Pudera! Foi a leal e dedicadíssima companheira de Salvador Dali nos quarenta anos que durou o seu casamento, que só terminou com a morte dela, ocorrida em 10 de junho de 1982. Alguma coisa (certamente muita) de positivo Gala viu no falastrão, amalucado, mas genial artista, que marcou todo um período na história da arte moderna, notadamente na Europa.

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