Educação
e vida criativa
Pedro J. Bondaczuk
A educação, valor básico do homem, está em crise. Cristalizada
em dogmas, não acompanha a evolução da
humanidade – da passagem de uma sociedade industrial para outra de informação,
por exemplo. Não satisfaz, portanto, as necessidades sociais, em um mundo
assoberbado por novas questões e crescentes problemas. O fenômeno ocorre tanto
no Ocidente, quanto no Oriente. Verifica-se quer em países altamente evoluídos
política, econômica, social e tecnologicamente, quer em Estados carentes, até
inviáveis (nestes, logicamente, de forma mais intensa).
O fundador da Soka Gakkai Internacional,
Tsunessaburo Makiguti, já havia detectado essa
inadequação educacional, essa falta de rumos e perspectivas na formação
das novas gerações – encarregadas de absorver e transmitir o patrimônio
cultural da humanidade desde os primórdios da civilização até os dias atuais –
deste século, que se pretendia que fosse o "das luzes" (e que no
entanto se transformou no "da violência" sem limites). Fez, a esse
respeito, uma série de apontamentos, ao longo de 30 anos, que resultaram no
livro "Educação para uma Vida Criativa", publicado no início da
década de 30.
De lá para
cá, muita coisa mudou. O mundo conheceu uma nova e devastadora guerra mundial,
além de mais de duas centenas de conflitos regionais. O homem desvendou o
segredo mais íntimo da matéria, o átomo, e usou esse conhecimento para produzir
as mais terríveis armas, jamais construídas, capazes de eliminar da face da
Terra a humanidade e virtualmente todas as espécies animais e vegetais: as
nucleares. Um astronauta pisou na Lua. Houve uma polarização ideológica que
durou mais de quarenta anos (capitalismo versus comunismo), que só acabou
recentemente, após a queda do Muro de Berlim e a desagregação da União
Soviética. Países novos (e miseráveis) emergiram com o fim do colonialismo,
notadamente na África e na Ásia. O colapso comunista "redesenhou" o
mapa da Europa. O "mercado" foi alçado como uma espécie de panacéia
para todos os males, resultando na atual "globalização" econômica,
que ninguém sabe ainda no que vai dar. O cenário é muito diferente, portanto,
do da década de 30, como diversos também são os problemas mundiais.
Mas as coisas, em termos de educação, melhoraram
nestes mais de sessenta anos, no sentido de prevenir e evitar erros, como os
cometidos ao longo deste século? Estariam as idéias e propostas de Tsunessaburo
Makiguti ultrapassadas? Não! Pelo contrário! O tempo apenas tornou-as mais
atuais. E, sobretudo, mais prementes. O diagnóstico da "doença",
feito há mais de sessenta anos, foi absolutamente correto. Como essa não foi
tratada, apenas se agravou desde então.
Na introdução de "Educação para uma Vida
Criativa", da edição lançada no Brasil pela Editora Record, o professor
Dayle M. Bethel, enfatiza: "Makiguti afligia-se com as imperfeições que
percebia na educação japonesa. Suas preocupações com a educação poderiam mesmo
ser consideradas obsessivas..." E acrescenta: "O processo de
formulação do objetivo na educação era o pensamento central de Makiguti". "Educar para quê?", é a pergunta que se
impõe. Para condicionar o indivíduo a sustentar ideologicamente algum tipo de
regime, ou determinada espécie de governo? Apenas para produzir mão-de-obra
qualificada, robotizando o homem, o tratando como máquina, senão como
mercadoria, como entendem muitos tecnocratas que deva ser o objetivo da
educação? Para formar elites que mantenham o "status quo" vigente?
Para condicionar o indivíduo a produzir e consumir bens materiais, a maioria
supérfluos, esgotando os limitados recursos da Terra?
O líder bolchevique russo, Vladimir Lenin, com
grande franqueza (e não sem acentuada dose de cinismo), em um dos seus textos,
nos dá uma visão nua e crua de quais são os objetivos da maioria dos sistemas
educacionais pelo mundo afora, independentes da ideologia ou forma de governo
dos seus formuladores: "A escola jamais foi apolítica; seu fim e problema,
seus programas e métodos, foram sempre fixados pela classe no poder".
Para Makiguti, no entanto, a sociedade erra quando
age assim e deixa a cargo de acadêmicos e filósofos (a serviço de políticos,
evidentemente) as decisões relativas a objetivos e metas educacionais,
"sempre ocupados com pensamentos muito distantes da realidade da vida
diária". Propõe que tal fixação de metas seja feita por
"profissionais que atuam na educação". Entende que estes,
"embasados em suas experiências diárias, devem abstrair indutivamente
princípios e reaplicá-los em sua prática, na forma de melhorias concretas".
Ou seja, que os objetivos sejam fixados por quem "seja do ramo". Que
se crie uma "ciência da educação" e que essa seja dinâmica, ágil,
mutante, se adaptando instantaneamente às novas necessidades individuais e da
sociedade, sejam quais forem. Recursos materiais para isso existem.
Da obra de Makiguti emergem seis temas, ou áreas de
interesse básico que, reunidos, formam a essência de suas idéias sobre educação
e de suas propostas para a reforma educacional. O primeiro refere-se ao
"objetivo". Para quê educar? "Para tornar o homem feliz!",
responde. No posfácio do livro, David L.
Norton, professor de Filosofia da Universidade de Delaware, em Newark, EUA,
constata: "Makiguti defende que a educação deve ser uma preparação para a
vida no mundo e, principalmente, para se
viver bem. Segundo ele, é preciso viver bem no presente, pois um treinamento
que adia a felicidade para um futuro indefinido é um treinamento do adiamento
da felicidade".
O próprio autor de "Educação para uma vida
Criativa" enfatiza: "Não é prerrogativa dos educadores decidir que a
preparação para a vida adulta deve ser o objetivo da educação. (...Eles) devem
entender que a escolarização que sacrifica a felicidade presente das crianças,
fazendo da felicidade futura sua meta, viola a personalidade infantil e o próprio
processo de aprendizagem". O fundador da Soka Gakkai indica, ao longo de
todo o livro, que "a realização individual está na contribuição
social". Ou seja, no acréscimo que o indivíduo pode dar ao patrimônio
cultural da sua comunidade e por extensão da humanidade (por ínfimo que seja),
que será transmitido às futuras gerações, para que estas transmitam às
seguintes, e assim sucessivamente, numa cadeia sempre evolutiva do homem rumo à
perfeição.
"Começamos reconhecendo que o ser humano não
pode criar matéria. Pode, no entanto, criar valores. A criação de valores é, na
realidade, a essência da natureza humana. Quando elogiamos pessoas por sua
'força de caráter' estamos, na verdade, reconhecendo sua capacidade superior de
criar valores", acentua Makiguti.
"A questão fundamental, portanto, é resolver para que fins, e no
interesse de que valores, a criatividade humana deve ser direcionada",
conclui Dayle M. Bethel. E essa
definição o livro traz com detalhes, abordando, ainda, entre outros assuntos
práticos, a natureza do processo de aprendizagem, o treinamento de professores
e a definição de currículos, além do papel educacional da escola, do lar e da
comunidade. É uma indicação lúcida, competente e segura, que os responsáveis
pela formulação de políticas educacionais, em especial do Brasil, deveriam
olhar com atenção e aplicar os princípios propostos, para fazer da educação o
que ela deveria sempre ser: um guia
seguro para orientar o homem a estar bem consigo próprio e a relacionar-se
harmoniosamente com seus semelhantes.
(Artigo
escrito em 10 de setembro de 1998, para o BSGI News de São Paulo)
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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