Sunday, April 07, 2013


Educação e vida criativa


Pedro J. Bondaczuk

A educação, valor básico do homem, está em crise. Cristalizada em dogmas,  não acompanha a evolução da humanidade – da passagem de uma sociedade industrial para outra de informação, por exemplo. Não satisfaz, portanto, as necessidades sociais, em um mundo assoberbado por novas questões e crescentes problemas. O fenômeno ocorre tanto no Ocidente, quanto no Oriente. Verifica-se quer em países altamente evoluídos política, econômica, social e tecnologicamente, quer em Estados carentes, até inviáveis (nestes, logicamente, de forma mais intensa).

O fundador da Soka Gakkai Internacional, Tsunessaburo Makiguti, já havia detectado essa  inadequação educacional, essa falta de rumos e perspectivas na formação das novas gerações – encarregadas de absorver e transmitir o patrimônio cultural da humanidade desde os primórdios da civilização até os dias atuais – deste século, que se pretendia que fosse o "das luzes" (e que no entanto se transformou no "da violência" sem limites). Fez, a esse respeito, uma série de apontamentos, ao longo de 30 anos, que resultaram no livro "Educação para uma Vida Criativa", publicado no início da década de 30.

De lá  para cá, muita coisa mudou. O mundo conheceu uma nova e devastadora guerra mundial, além de mais de duas centenas de conflitos regionais. O homem desvendou o segredo mais íntimo da matéria, o átomo, e usou esse conhecimento para produzir as mais terríveis armas, jamais construídas, capazes de eliminar da face da Terra a humanidade e virtualmente todas as espécies animais e vegetais: as nucleares. Um astronauta pisou na Lua. Houve uma polarização ideológica que durou mais de quarenta anos (capitalismo versus comunismo), que só acabou recentemente, após a queda do Muro de Berlim e a desagregação da União Soviética. Países novos (e miseráveis) emergiram com o fim do colonialismo, notadamente na África e na Ásia. O colapso comunista "redesenhou" o mapa da Europa. O "mercado" foi alçado como uma espécie de panacéia para todos os males, resultando na atual "globalização" econômica, que ninguém sabe ainda no que vai dar. O cenário é muito diferente, portanto, do da década de 30, como diversos também são os problemas mundiais.

Mas as coisas, em termos de educação, melhoraram nestes mais de sessenta anos, no sentido de prevenir e evitar erros, como os cometidos ao longo deste século? Estariam as idéias e propostas de Tsunessaburo Makiguti ultrapassadas? Não! Pelo contrário! O tempo apenas tornou-as mais atuais. E, sobretudo, mais prementes. O diagnóstico da "doença", feito há mais de sessenta anos, foi absolutamente correto. Como essa não foi tratada, apenas se agravou desde então.

Na introdução de "Educação para uma Vida Criativa", da edição lançada no Brasil pela Editora Record, o professor Dayle M. Bethel, enfatiza: "Makiguti afligia-se com as imperfeições que percebia na educação japonesa. Suas preocupações com a educação poderiam mesmo ser consideradas obsessivas..." E acrescenta: "O processo de formulação do objetivo na educação era o pensamento central de Makiguti". "Educar para quê?", é a pergunta que se impõe. Para condicionar o indivíduo a sustentar ideologicamente algum tipo de regime, ou determinada espécie de governo? Apenas para produzir mão-de-obra qualificada, robotizando o homem, o tratando como máquina, senão como mercadoria, como entendem muitos tecnocratas que deva ser o objetivo da educação? Para formar elites que mantenham o "status quo" vigente? Para condicionar o indivíduo a produzir e consumir bens materiais, a maioria supérfluos, esgotando os limitados recursos da Terra?

O líder bolchevique russo, Vladimir Lenin, com grande franqueza (e não sem acentuada dose de cinismo), em um dos seus textos, nos dá uma visão nua e crua de quais são os objetivos da maioria dos sistemas educacionais pelo mundo afora, independentes da ideologia ou forma de governo dos seus formuladores: "A escola jamais foi apolítica; seu fim e problema, seus programas e métodos, foram sempre fixados pela classe no poder".

Para Makiguti, no entanto, a sociedade erra quando age assim e deixa a cargo de acadêmicos e filósofos (a serviço de políticos, evidentemente) as decisões relativas a objetivos e metas educacionais, "sempre ocupados com pensamentos muito distantes da realidade da vida diária". Propõe que tal fixação de metas seja feita por "profissionais que atuam na educação". Entende que estes, "embasados em suas experiências diárias, devem abstrair indutivamente princípios e reaplicá-los em sua prática, na forma de melhorias concretas". Ou seja, que os objetivos sejam fixados por quem "seja do ramo". Que se crie uma "ciência da educação" e que essa seja dinâmica, ágil, mutante, se adaptando instantaneamente às novas necessidades individuais e da sociedade, sejam quais forem. Recursos materiais para isso existem.

Da obra de Makiguti emergem seis temas, ou áreas de interesse básico que, reunidos, formam a essência de suas idéias sobre educação e de suas propostas para a reforma educacional. O primeiro refere-se ao "objetivo". Para quê educar? "Para tornar o homem feliz!", responde. No posfácio do livro, David  L. Norton, professor de Filosofia da Universidade de Delaware, em Newark, EUA, constata: "Makiguti defende que a educação deve ser uma preparação para a vida  no mundo e, principalmente, para se viver bem. Segundo ele, é preciso viver bem no presente, pois um treinamento que adia a felicidade para um futuro indefinido é um treinamento do adiamento da felicidade".

O próprio autor de "Educação para uma vida Criativa" enfatiza: "Não é prerrogativa dos educadores decidir que a preparação para a vida adulta deve ser o objetivo da educação. (...Eles) devem entender que a escolarização que sacrifica a felicidade presente das crianças, fazendo da felicidade futura sua meta, viola a personalidade infantil e o próprio processo de aprendizagem". O fundador da Soka Gakkai indica, ao longo de todo o livro, que "a realização individual está na contribuição social". Ou seja, no acréscimo que o indivíduo pode dar ao patrimônio cultural da sua comunidade e por extensão da humanidade (por ínfimo que seja), que será transmitido às futuras gerações, para que estas transmitam às seguintes, e assim sucessivamente, numa cadeia sempre evolutiva do homem rumo à perfeição.

"Começamos reconhecendo que o ser humano não pode criar matéria. Pode, no entanto, criar valores. A criação de valores é, na realidade, a essência da natureza humana. Quando elogiamos pessoas por sua 'força de caráter' estamos, na verdade, reconhecendo sua capacidade superior de criar valores", acentua Makiguti.   "A questão fundamental, portanto, é resolver para que fins, e no interesse de que valores, a criatividade humana deve ser direcionada", conclui  Dayle M. Bethel. E essa definição o livro traz com detalhes, abordando, ainda, entre outros assuntos práticos, a natureza do processo de aprendizagem, o treinamento de professores e a definição de currículos, além do papel educacional da escola, do lar e da comunidade. É uma indicação lúcida, competente e segura, que os responsáveis pela formulação de políticas educacionais, em especial do Brasil, deveriam olhar com atenção e aplicar os princípios propostos, para fazer da educação o que ela deveria sempre ser:  um guia seguro para orientar o homem a estar bem consigo próprio e a relacionar-se harmoniosamente com seus semelhantes.


(Artigo escrito em 10 de setembro de 1998, para o BSGI News de São Paulo)      

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