Centenário do mestre da
crônica
Pedro
J. Bondaczuk
O Brasil sempre
produziu excelentes cronistas, entre seus grandes expoentes literários. Há quem
afirme que o gênero, misto de jornalismo e de Literatura, tenha nascido no
País. Não nasceu. Mas não vem ao caso. Nem por isso deixou de produzir
expoentes, notáveis redatores desses deliciosos retratos do cotidiano, meio que
sem regras, ora confundindo-se com artigos, ora com poesia em prosa, ora, até
mesmo, com o conto, dependendo de quem seja o autor e do tema que aborda.
Machado de Assis é tido
como uma espécie de parâmetro, de paradigma da crônica no País. Concordo!
Depois dele, o cronista que goza de maior reputação, e com toda a justiça,
passados vinte e dois anos da sua morte (completados em dezembro), é o capixaba
Rubem Braga, cujo centenário de nascimento se comemora exatamente neste sábado,
12 de janeiro. Há uma série de cerimônias e homenagens programadas em vários
locais do País e nos meios de comunicação, para marcar o evento.
Um deles será o programa
especial no canal de televisão a cabo Globo News (e ele foi, a partir de 1975,
funcionário da Rede Globo), recordando vários aspectos de sua vitoriosa
carreira. E diversos jornais vão publicar, certamente, matérias alusivas à
data, Brasil afora. Nada mais justo. Há até consenso entre cronistas que Rubem
Braga foi o mestre de todos nós. Praticamente delineou o caminho sobre o que
fazer para uma crônica parecer (e ser) saborosa e duradoura e o que o autor
deve evitar para que o leitor não a ignore e não deixe de lê-la.
Não afirmo, como muitos
o fazem afoitamente, que esse capixaba, nascido em Cachoeiro do Itapemirim (a
mesma cidade natal do cantor Roberto Carlos) tenha sido o “maior cronista” de
todos os tempos de País. Igualmente, não digo que não foi. Esse tipo de
generalização é, como qualquer outro, incorreto e injusto. Ademais é uma
avaliação sumamente subjetiva essa de apontar fulano como sendo melhor do que
beltrano, em qualquer atividade, desde que, claro, ambos desempenhem suas
funções com idêntica habilidade, criatividade e correção, o que ocorre com
grande frequência. É questão, sobretudo, de gosto.
Mas que Rubem Braga foi
excelente cronista, um dos mais bem sucedidos da história do jornalismo e da
Literatura (já que o gênero é uma espécie de “ponte” entre as duas atividades),
disso não há a menor dúvida. Seria burrice, ou desconhecimento, ou alienação
contestar. Não podemos nos esquecer, porém, de Fernando Sabino, de Luís
Fernando Veríssimo e de tantos outros, do passado e do presente, cujos nomes prefiro
não declinar, para não cometer a injustiça de omitir algum. Cito, porém, alguns
poetas que se destacaram, igualmente, na crônica, como os casos de Carlos
Drummond de Andrade, Paulo Mendes Campos, Cecília Meirelles, Mário Quintana,
Vinícius de Moraes (cujo centenário de nascimento igualmente se comemora em
2013 e que, oportunamente, tratarei com mais vagar e destaque) e Affonso Romano
de Sant’Anna, entre tantos, e tantos, e tantos cultores do gênero no País.
Como se vê, o Brasil
sempre teve (e ainda tem) magníficos cronistas. Todavia, sempre houve entre os
que já morreram e há, entre os que ainda, para nossa felicidade, permanecem na
ativa, consenso no reconhecimento da magistralidade de Rubem Braga. De fato,
ele foi “magister” de todos nós, e de várias gerações. Inclusive meu, embora
minhas crônicas não passem de ridículas caricaturas quando comparadas às desse
magnífico mestre. Pudera! O homem foi um gênio na especialidade.
Poucos se lembram que
ele teve formação jurídica, embora não me conste que tenha advogado algum dia,
ou promotor público, ou mesmo juiz. Se o foi, não conseguiu projeção no mundo
da interpretação e execução de leis. Sua vocação não era essa. Era a de
cronista do cotidiano que fez, como mágico da palavra que sempre foi, de
acontecimentos e coisas corriqueiras e triviais, obras primas de
jornalismo-literatura, já que a crônica, reitero, é um meio termo entre as duas
disciplinas, podendo ser catalogada, sem que seja errado, tanto em uma, quanto
na outra.
Rubem Braga iniciou seu
curso de Direito no Rio de Janeiro, mas concluiu-o na Faculdade de Belo
Horizonte, no tenso e dramático ano de 1932, o da Revolução Constitucionalista,
para forçar o então ditador Getúlio Vargas a respeitar a Constituição. O
movimento, em termos práticos, de nada valeu, apesar das muitas vítimas que
deixou em seu rastro. O caudilho gaúcho continuou, e ainda por muitos anos (por
treze, para ser exato) fazendo suas próprias leis e o que lhe dava na cabeça.
A estréia de Rubem
Braga nas redações de jornais – que iria freqüentar até sua morte, em 19 de
dezembro de 1990 – se deu em sua Cachoeiro do Itapemirim natal, no “Correio do
Sul”, em que publicou suas primeiras crônicas. No mesmo ano em que se formou em
Direito, foi contratado pelo Diário da Tarde, com a incumbência de assinar uma
coluna diária. Não ficou muito tempo nesse jornal, mas não por ter sido
despedido, mas por haver sido promovido.
Explico: Rubem Braga
foi convocado a fazer, como repórter, a cobertura da Revolução
Constitucionalista para todos os jornais do grupo Diários Associados, de Assis
Chateaubriand. Fez um trabalho tão competente, que foi transferido, em 1933,
para o Diário de São Paulo, na capital paulista. Só retornou ao Rio de Janeiro
em 1935. Nesse ano, obteve transferência para o “Diário da Noite”, do mesmo
grupo, com a obrigação de também escrever para “O Jornal”.
Não vou transcrever seu
brilhante currículo jornalístico (pelo menos não hoje), pois essa não é a
proposta destas reflexões. Só vou acrescentar que trabalhou por certo tempo no
Recife, em Belo Horizonte – onde publicou seu primeiro livro de crônicas, “O
conde e o passarinho” – e na Itália, na cobertura das peripécias da Força
Expedicionária Brasileira durante a Segunda Guerra Mundial.
Fez várias outras
viagens internacionais, cobrindo importantes eventos. Esteve, por exemplo, na
Argentina, reportando a eleição de Juan Domingo Perón; nos Estados Unidos, para
acompanhar a reeleição de Dwight David Eisenhower na presidência
norte-americana e passou uma temporada de seis meses em Paris (quem me dera!),
como correspondente europeu do Correio da Manhã. Chegou, até, a ser embaixador
do Brasil no Marrocos, no curtíssimo mandato de Jânio Quadros, que viria a
renunciar alguns meses após a posse alegando estar sendo vítima de “forças
ocultas”.
De tantas atividades
jornalísticas que exerceu, todavia, o que ficou, mesmo, para a posteridade foi
sua atuação numa que aparentemente era a menos destacável, tida como de menor
importância em qualquer jornal: a função de cronista. São estranhas, mesmo, as
circunstâncias da vida!
Essa estranheza, porém,
vem acompanhada de uma preciosa lição (outra das tantas deixadas por Rubem
Braga ou que têm relação com sua vida): devemos executar toda tarefa que nos
for designada, por menor que nos pareça, ou de fato seja, com a mesma
competência, aplicação, entusiasmo, paixão e eficiência. Afinal, não sabemos em
qual delas nos sairemos melhor e qual será a valorizada pela posteridade, após
nossa morte. E, como cronista (também) esse ilustre filho de Cachoeiro do
Itapemirim foi nota dez!!! Hoje é lembrado não tanto como o primoroso repórter
que foi, mas, sobretudo, como mestre da crônica, gênero tão pouco valorizado,
contudo que exige tanto de quem o exerce em termos de competência e de
criatividade.
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