Inteligência
e memória
Pedro J. Bondaczuk
O fato de determinada pessoa ter
memória privilegiada, capaz de reter, com extrema velocidade, enorme quantidade
de informações, não significa, necessariamente, que ela seja mais inteligente
do que quem não conte com essa peculiaridade. O fator que conta é: o que fazer
com os dados memorizados. É entendê-los e utilizá-los de maneira prática e
eficiente na atividade de nossa escolha. Afinal, até por definição,
inteligência é a capacidade de entendimento quer do concreto, quer do abstrato.
Não tem relação direta com memória. Até porque, informações que não puderem ser
memorizadas, poderão ser obtidas, e atualmente com grande facilidade, em uma
enorme quantidade de fontes, dado o recurso da internet. Basta saber pesquisá-las,
ou seja, ter noção de onde e como procurar.
O ideal, óbvio, é que tenhamos, e
simultaneamente, tanto a capacidade ímpar de memorizar, quanto a de entender
tudo o que for memorizado. E, principalmente, a de sabermos como utilizar,
da maneira mais eficaz e racional, o
acervo de informações que acumularmos na memória. Cito, como exemplo,
determinado indivíduo, que foi mostrado em recente documentário da televisão a
cabo (não me recordo se no National Geographic Chanel ou se no Discovery Science),
que tinha (ou tem) o que se convencionou chamar de “memória fotográfica”.
Bastava que olhasse por um tempo curtíssimo – digamos, por 30 segundos, se
tanto – uma página de uma lista telefônica qualquer para que gravasse na mente
nomes, endereços e telefones nela impressos e os declinasse, sem vacilações e
muito menos erros, todos esses dados, como se os estivesse lendo.
O leitor desavisado, que assistiu
esse documentário, deve ter concluído, face ao que viu: “Puxa, esse sujeito é
um gênio!”. É de fato? Ouso afirmar que não! É apenas habilidoso. Tem, não
nego, a assombrosa capacidade de reter na memória quaisquer dados e informações
que deseje ou que seja desafiado a fazê-lo. Não sabe, todavia, como utilizar
tudo isso, como agir com sua privilegiada aptidão, com esse talento que
extrapola em muito a normalidade. Caso soubesse, convenhamos, não precisaria
ficar se exibindo, provavelmente a troco de algumas moedas, como se fora
miquinho amestrado, para quem se disponha a pagá-lo ou às vezes nem isso.
Estaria aplicando seu admirável talento no comando de alguma grande corporação
multinacional, por exemplo, ou atuando em renomados centros de pesquisa
científica, ou em tantos e tantos outros empreendimentos, em que poderia ser
útil e conseguir projeção. Poderia, mas somente se pelo menos “entendesse” tudo
o que consegue memorizar com tamanha facilidade e eficiência e, sobretudo, se
soubesse o que fazer com esse acervo de informações.
A memória é importante, não nego
e seria burrice negar. Tende a ser balizadora de atos se soubermos o que fazer
com as experiências que ela retiver, boas ou ruins. No primeiro caso, para que
possamos repetir a ação que suscitou resultado tão positivo e/ou agradável. E
no segundo, para corrigirmos o rumo que resultou em algo ruim e talvez
desastroso e reverter fracassos passados, transformando-os em sucessos. Ou seja
(reitero) é necessário saber o que fazer com as informações memorizadas. A boa
memória, por si só, se não for secundada pela inteligência, nos servirá para
pouca coisa. Alguns animais, ditos irracionais, também têm-na, provavelmente
por instinto.
Querem um exemplo? O papagaio.
“Memoriza” uma quantidade relativamente grande de palavras, que repete, repete
e repete, monotonamente. Peçam-lhe, porém, que explique o que está, digamos,
“papagueando”. Claro que sequer entenderá seu pedido, como não entende, também,
o significado de uma única das palavras que memorizou. Outro animal geralmente
citado por supostamente contar com memória privilegiada é o elefante. Diz-se
que, ao cabo dos seus cem anos de vida (alguns vivem até mais), se lembra
nitidamente do local em que nasceu, e nos seus mínimos detalhes, a despeito das
transformações pelas quais tenha passado. Conseguiria, porém, memorizar
informações abstratas? E mesmo que conseguisse, entenderia seu significado e
saberia o que fazer com elas? Não me consta que entenda e muito menos que o
saiba. Tem, portanto (ao que se supõe) boa memória. Todavia, está bilhões de
anos-luz distante de deter um mínimo de inteligência. É tão bronco como
qualquer outro animal irracional.
Não confundam, porém, as coisas e
não interpretem estas reflexões como tentativa de desqualificação da memória e
como negação da sua importância. Sejam “inteligentes” nesse aspecto. Até
porque, é através dessa faculdade que uma geração transmite às demais suas
experiências e descobertas, impedindo que a espécie retroaja à barbárie, num
processo que chamamos de educação. Foi para preservá-la, para impedir que as
grandes idéias, ações e exemplos se perdessem no esquecimento, que se inventou
a escrita.
Reitero, pois, o que escrevi em
determinada crônica: “O passado retido na memória tem, claro, sua importância,
já que nossa vida é uma continuidade, um todo, uma somatória de tempos. Mas só
terá utilidade se o utilizarmos como parâmetro, como medida, como termo de
comparação, para evitar que venhamos a tropeçar nos mesmos obstáculos que nos
derrubaram um dia. Ou para impedir que cometamos os mesmos erros que nos
tornaram infelizes ou frustraram algum dos nossos projetos. Ou para
prevenir-nos de decepções que sejam evitáveis. No mais...”
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