Tuesday, April 23, 2013


Inteligência e memória

Pedro J. Bondaczuk

O fato de determinada pessoa ter memória privilegiada, capaz de reter, com extrema velocidade, enorme quantidade de informações, não significa, necessariamente, que ela seja mais inteligente do que quem não conte com essa peculiaridade. O fator que conta é: o que fazer com os dados memorizados. É entendê-los e utilizá-los de maneira prática e eficiente na atividade de nossa escolha. Afinal, até por definição, inteligência é a capacidade de entendimento quer do concreto, quer do abstrato. Não tem relação direta com memória. Até porque, informações que não puderem ser memorizadas, poderão ser obtidas, e atualmente com grande facilidade, em uma enorme quantidade de fontes, dado o recurso da internet. Basta saber pesquisá-las, ou seja, ter noção de onde e como procurar.

O ideal, óbvio, é que tenhamos, e simultaneamente, tanto a capacidade ímpar de memorizar, quanto a de entender tudo o que for memorizado. E, principalmente, a de sabermos como utilizar, da  maneira mais eficaz e racional, o acervo de informações que acumularmos na memória. Cito, como exemplo, determinado indivíduo, que foi mostrado em recente documentário da televisão a cabo (não me recordo se no National Geographic Chanel ou se no Discovery Science), que tinha (ou tem) o que se convencionou chamar de “memória fotográfica”. Bastava que olhasse por um tempo curtíssimo – digamos, por 30 segundos, se tanto – uma página de uma lista telefônica qualquer para que gravasse na mente nomes, endereços e telefones nela impressos e os declinasse, sem vacilações e muito menos erros, todos esses dados, como se os estivesse lendo.

O leitor desavisado, que assistiu esse documentário, deve ter concluído, face ao que viu: “Puxa, esse sujeito é um gênio!”. É de fato? Ouso afirmar que não! É apenas habilidoso. Tem, não nego, a assombrosa capacidade de reter na memória quaisquer dados e informações que deseje ou que seja desafiado a fazê-lo. Não sabe, todavia, como utilizar tudo isso, como agir com sua privilegiada aptidão, com esse talento que extrapola em muito a normalidade. Caso soubesse, convenhamos, não precisaria ficar se exibindo, provavelmente a troco de algumas moedas, como se fora miquinho amestrado, para quem se disponha a pagá-lo ou às vezes nem isso. Estaria aplicando seu admirável talento no comando de alguma grande corporação multinacional, por exemplo, ou atuando em renomados centros de pesquisa científica, ou em tantos e tantos outros empreendimentos, em que poderia ser útil e conseguir projeção. Poderia, mas somente se pelo menos “entendesse” tudo o que consegue memorizar com tamanha facilidade e eficiência e, sobretudo, se soubesse o que fazer com esse acervo de informações.   

A memória é importante, não nego e seria burrice negar. Tende a ser balizadora de atos se soubermos o que fazer com as experiências que ela retiver, boas ou ruins. No primeiro caso, para que possamos repetir a ação que suscitou resultado tão positivo e/ou agradável. E no segundo, para corrigirmos o rumo que resultou em algo ruim e talvez desastroso e reverter fracassos passados, transformando-os em sucessos. Ou seja (reitero) é necessário saber o que fazer com as informações memorizadas. A boa memória, por si só, se não for secundada pela inteligência, nos servirá para pouca coisa. Alguns animais, ditos irracionais, também têm-na, provavelmente por instinto.

Querem um exemplo? O papagaio. “Memoriza” uma quantidade relativamente grande de palavras, que repete, repete e repete, monotonamente. Peçam-lhe, porém, que explique o que está, digamos, “papagueando”. Claro que sequer entenderá seu pedido, como não entende, também, o significado de uma única das palavras que memorizou. Outro animal geralmente citado por supostamente contar com memória privilegiada é o elefante. Diz-se que, ao cabo dos seus cem anos de vida (alguns vivem até mais), se lembra nitidamente do local em que nasceu, e nos seus mínimos detalhes, a despeito das transformações pelas quais tenha passado. Conseguiria, porém, memorizar informações abstratas? E mesmo que conseguisse, entenderia seu significado e saberia o que fazer com elas? Não me consta que entenda e muito menos que o saiba. Tem, portanto (ao que se supõe) boa memória. Todavia, está bilhões de anos-luz distante de deter um mínimo de inteligência. É tão bronco como qualquer outro animal irracional.

Não confundam, porém, as coisas e não interpretem estas reflexões como tentativa de desqualificação da memória e como negação da sua importância. Sejam “inteligentes” nesse aspecto. Até porque, é através dessa faculdade que uma geração transmite às demais suas experiências e descobertas, impedindo que a espécie retroaja à barbárie, num processo que chamamos de educação. Foi para preservá-la, para impedir que as grandes idéias, ações e exemplos se perdessem no esquecimento, que se inventou a escrita.

Reitero, pois, o que escrevi em determinada crônica: “O passado retido na memória tem, claro, sua importância, já que nossa vida é uma continuidade, um todo, uma somatória de tempos. Mas só terá utilidade se o utilizarmos como parâmetro, como medida, como termo de comparação, para evitar que venhamos a tropeçar nos mesmos obstáculos que nos derrubaram um dia. Ou para impedir que cometamos os mesmos erros que nos tornaram infelizes ou frustraram algum dos nossos projetos. Ou para prevenir-nos de decepções que sejam evitáveis. No mais...”

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