O poeta das coisas
simples
Pedro
J. Bondaczuk
O poeta Mário Quintana
foi um dos tantos talentos precoces, desses que começam muito cedo nas artes
(no seu caso, na poesia) e fazem longas carreiras, marcando seus nomes na
literatura de seus países. Nem todos, por uma série de razões, confirmam,
claro, suas aptidões à medida que amadurecem. Quase sempre, não conseguem as
oportunidades que sonhavam (e sem elas, não se chega a lugar algum) e findam,
até, por mudar de atividade. Afinal, têm que cuidar da vida e assegurar o
sustento próprio e da família. Com isso, a Literatura perde excelentes
escritores potenciais.
Felizmente, com
Quintana, isso não aconteceu. Ele confirmou, plenamente, as expectativas dos
que viam nele grande promessa literária. Tornou-se mais do que talento
promissor: grata realidade. E que realidade! Não só confirmou sua vocação, mas
excedeu, em muito, as expectativas depositadas nele. Sua trajetória nas letras
começou quando se mudou para Porto Alegre, para estudar, matriculando-se no
Colégio Militar. Isso ocorreu em 1919, quando tinha apenas 13 anos de idade. Há
já algum tempo, ainda em Alegrete (onde nasceu, em 30 de julho de 1906), já
esboçava seus primeiros poemas.
Suas primeiras
publicações ocorreram exatamente no primeiro ano de Colégio Militar. Foram em
uma revista, a “Hyloea”, órgão da Sociedade Cívica e Literária daquela
instituição de ensino. Contava, então (reitero) com 13 anos de idade. A partir
de então, e pelo resto da vida, não parou de compor e de publicar poesias, em
jornais, revistas e notadamente nos 19 livros que legou à posteridade.
As atividades de
Quintana, porém, não se restringiram à poesia. Publicou, por exemplo, seis
livros voltados à faixa infantil. Trabalhou por anos para a Editora Globo como
tradutor, havendo traduzido mais de 130 livros, com destaque para “Palavras e
sangue”, de Giovanni Papini, “Mrs. Dalloway”, de Virgínia Woolf e,
principalmente, os sete volumes de “Em busca do tempo perdido”, de Marcel
Proust.
Exerceu o jornalismo
praticamente ao longo de toda a vida adulta. Nessa função, trabalhou no
tradicional “Correio do Povo” de Porto Alegre por quase um quarto de século
(para ser mais exato, por 24 anos, entre 1953 e 1977). Ali, assinou uma das
mais disputadas colunas da editoria de Cultura, o célebre “Caderno de Sábado”
que coordenou, onde, além de publicar seus poemas, escreveu e editou crônicas
maravilhosas, que sempre estranhei não terem sido publicadas em livros.
Quintana está presente, com suas belas produções poéticas, em 14 antologias.
Pudera! Um poeta dessa envergadura valoriza e qualifica qualquer publicação do
tipo.
O poeta de Alegrete
manteve-se coerente com sua postura de compor poemas de impacto que, como ele
próprio classificou, eram “socos na alma do leitor”. E que socos! Criou seu
próprio estilo, caracterizado pela ironia, profundidade e perfeição técnica.
Mas quem nunca leu nada do que escreveu e espera um Quintana complicado,
certamente se surpreenderá ao entrar em contato com sua poesia. Não por acaso,
ficou conhecido, nos meios literários, como “o poeta das coisas simples”,
característica que se tornou uma espécie de distintivo, de marca registrada
dele.
Muitos dos seus poemas
são curtos, curtíssimos, praticamente aforismos, embora também haja composto
vários bem longos e detalhados. E nos dois tipos, ele surpreende, com
colocações absolutamente originais, sem, no entanto, perder a simplicidade (e a
ternura, posto que disfarçada por uma tênue ironia). Dos “sintéticos”, cito
este, cujo título não me recordo, que diz:
“Vamos,
vamos
lançar no espaço,
alto,
cada vez mais alto,
a
rede de estrelas”
Como se vê, trata-se de
um poema curtinho, sem complicações de nenhuma espécie, sem metáforas
estranhas, mas que, exatamente pela simplicidade, é como um poderoso soco em
nossa alma. Causa impacto.
Este outro poema, ainda
ilustrando seus efeitos com a linguagem característica do boxe, pode ser
comparado a um “hooke” no fígado, demolidor das resistências dos que
eventualmente ainda relutem em haurir plenamente de sua poesia:
“Eu
gosto das coisas. As coisas, sim!...
As
pessoas atrapalham. Estão em toda a parte.
Multiplicam-se
em excesso.
As
coisas são quietas. Bastam-se.
Não
se metem com ninguém.
Uma
pedra. Um armário. Um ovo.
Ovo
nem sempre.
Ovo
pode estar cheio: é inquietante...”
E para completar a
“luta”, como arrasador Muhammad Ali dos versos, Quintana nos põe a nocaute, com
um potentíssimo direto de direita (ou seria de esquerda?), que nos alcança
exatamente a ponta do queixo, deixando-nos fora de combate, com este poema “O
circo”:
“Me
deixaram sozinho no meio do circo.
ou
era apenas um pátio uma janela uma rua uma esquina
pequenino
mundo sem rumo
até
que descobri
que
todos os meus gestos
pendiam
cada um das estrelas por longos fios invisíveis
e
havia súbitas e lindas aparições”.
Lendo tudo o que já li
“de” e “sobre” Mário Quintana, uma coisa me incomoda bastante, por não
conseguir entendê-la: Qual a razão do “poeta das coisas simples” não ter sido
admitido jamais na Academia Brasileira de Letras? Bem que ele tentou, e por
três vezes, mas as três tentativas foram frustradas. Não que isso fizesse
diferença, como nunca fez. Nem por isso sua obra se desvalorizou ou deixou de
contar com fervorosos adeptos. Mas, convenhamos, foi imperdoável “pisada na
bola” da ABL.
O fato de Quintana não
haver sido cogitado para o Nobel de Literatura, embora igualmente injusto,
ainda é compreensível. Afinal, nesse aspecto, conta com a companhia de outros
tantos e ilustres “monstros sagrados” das letras. Mas, ser recusado, e por três
vezes, na Academia Brasileira?!!! Para mim é demais! Jamais conseguirei
entender essa mesquinha recusa.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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