Da
origem da linguagem
Pedro J. Bondaczuk
O filósofo inglês Herbert Spencer
foi um dos pensadores mais influentes, e mais polêmicos, do século XIX. Foi
expoente do chamado “positivismo”, que tinha em Auguste Comte seu principal
nome e cujas idéias inspiraram os “pais” da
República brasileira. Tanto que o lema constante em nossa bandeira,
“Ordem e Progresso”, é de inspiração positivista. E a influência dessa corrente
filosófica no Brasil não se restringiu a isso. Foi além, muito além,
principalmente no que se refere à Educação. Aliás, nossa bandeira é a única do
mundo a ter alguma inscrição. Pena que essa exemplar proposição nunca tenha
passado de mera intenção. Na prática, não é o que a grande maioria dos nossos
políticos busca para o País. Enfim...
Spencer nasceu na cidade inglesa
de Derby, em 27 de abril de 1820. Morreu, aos 83 anos de idade, em Brighton, no
início do século XX, ou seja, em 8 de dezembro de 1903. A despeito de ser
filósofo, foi um dos pensadores que lançaram as bases da Sociologia, disciplina
à qual aplicou idéias
características das ciências naturais. Embora não concorde com todas as suas
proposições, aprendi muito com a leitura de seus livros. E concordo plenamente
com sua conclusão que o indivíduo é mais importante do que a sociedade e, por
extensão, que o Estado que integra. Ambos existem para servi-lo, e não ao
contrário conforme muitos entendem mundo afora.
Não se trata de anarquismo, ou
seja, da defesa de extinção de todas as instituições. Trata-se, isso sim, de
colocar as coisas em seus devidos lugares. Até porque, ambos são conceitos
abstratos. Concreto é o ser humano que os integra. E a lógica mais comezinha
indica que não é o criador que deva servir à criatura, mas o inverso.
Acabo de ler um dos livros de
Herbert Spencer, bastante instigante, posto que dos menos conhecidos de sua
relativamente pequena bibliografia. Trata-se da obra “Do progresso – sua lei e
sua causa”. De forma bastante didática e metódica, o filósofo expõe sua tese e
demonstra-a com argumentos sólidos e fartura de exemplos. E convence. Pelo
menos eu fiquei convencido a propósito do que expõe. Sua proposição principal
pode ser resumida nas seguintes palavras: “Desde as mais remotas transformações
cósmicas, de que ainda existem sinais, até aos mais recentes resultados da
civilização, vê-se que o progresso consiste essencialmente na passagem do
homogêneo para o heterogêneo”. Ou seja, trata-se de um processo de “análise”,
que parte do geral para o particular, e não o contrário, o de “síntese”, como
proposto por diversos filósofos.
O que me chama a atenção, em
particular, é sua tese sobre a origem da linguagem, tema pelo qual tenho fascínio, até por razões bastante óbvias.
Afinal, a palavra é minha “ferramenta” principal, com a qual exerço minha
atividade de “escrevinhador” e assim garanto meu sustento pessoal e o da minha
família. É com ela que me identifico e me realizo. É o instrumento pelo qual me
comunico com o mundo e com que tenho o retorno dessa comunicação. Não concebo
nenhum relacionamento, por elementar que seja, somente por gestos (como,
certamente, ocorreu com nossos remotíssimos ancestrais, antes da criação da
linguagem oral, sofisticada, mais tarde, com a escrita).
Spencer escreveu, a propósito: “É
fato já estabelecido que, nas formas primitivas da linguagem, entraram como
únicos elementos os nomes e os verbos. Na gradual multiplicação das partes do
discurso, a partir das referidas, na divisão dos verbos em ativos e passivos, e
na dos nomes em abstratos e concretos; na distinção de modos, tempos, números,
pessoas e casos; na formação dos verbos auxiliares, dos adjetivos, advérbios,
pronomes, preposições e artigos, assim como na diversidade de ordens, gêneros e
variedades destas partes, com as quais as raças civilizadas exprimem as mais
delicadas modificações do pensamento; em tudo isso, repetimos, se vê a passagem
do homogêneo para o heterogêneo”.
O “geral”, de que se partiu,
foram os substantivos, ou seja, a nomeação de todas as coisas, animadas ou
inanimadas, e os verbos, a “ação”. Os demais elementos vieram na sequência.
Provavelmente, foram criados muito tempo depois da criação dos dois elementos
originais, quem sabe séculos ou até milênios, à medida que nossos remotos
ancestrais sofisticavam a forma de expressar o que queriam e pensavam, para torná-la
cada vez mais clara ou menos ambígua. É evidente que não há nenhuma prova de
que as coisas tenham ocorrido da maneira proposta por Spencer. Mas é o que a
lógica indica (embora o homem, convenhamos, nem sempre seja lógico no que pensa
ou faz).
Como explicar, todavia, a
variedade de idiomas e de dialetos que há no mundo, estimados em torno de vinte
mil? Cada um deles nasceu de forma independente, autônoma, sem nenhuma relação
de um com o outro? Spencer conclui que não. Baseia-se nos estudos de alguns filólogos
para defender a tese que o “homogêneo”, da criação da linguagem, foi uma língua
comum que, conforme as circunstâncias de cada grupo humano, sofreu as
transformações que a diferenciaram tanto e que não se deu de repente, mas no
correr do tempo, na sucessão de gerações, processo que pode, também, ter
demorado séculos, se não milênios.
O filósofo afirmou, a propósito:
“A filologia descobriu há muito tempo que em todas as línguas se podem agrupar
as palavras em famílias com uma origem comum. Um nome primitivo, aplicado
indiretamente a uma classe de coisas ou ações mal definidas, modifica-se,
depois, de diferentes maneiras para exprimir as divisões fundamentais da
classe. Estes vários nomes, derivados duma única raiz, são, por sua vez, origem
doutros, e assim sucessivamente. E graças a este sistema de formar, por
derivação e composição, termos que exprimem as diferenças mais imperceptíveis,
formam-se grupos de palavras tão heterogêneas que, ao não-iniciado, parece
incrível que tenham a mesma origem”.
A linguagem humana é dinâmica,
diria, figurativamente, que é “viva”. Transforma-se, a todo o momento, com a
criação permanente de novas palavras, enquanto muitas outras se tornam
arcaicas, por falta de uso. E essas mudanças ocorrem não em uma única língua
específica, por exemplo, o português, o inglês, o chinês etc. Verifica-se em
“todas”, sendo em umas mais e em outras menos, mas todas elas sempre se
transformam. Em todas são criadas novas palavras, enquanto tantas outras são
descartadas, por algum tipo de inadequação.
Herbert Spencer vale-se dessa
tese para comprovar sua proposição principal, referente ao progresso. Ou seja,
que este “sempre” parte do homogêneo para o heterogêneo, e não o contrário.
Cita muitos outros exemplos, da astronomia, da física ou da biologia, para
demonstrar sua afirmação. Não as reproduzirei, óbvio, porquanto meu interesse
centraliza-se, pelas razões expostas, especialmente na “invenção” da
linguagem.
O filósofo conclui: “A
multiplicação de línguas dá também testemunho da passagem do homogêneo para o
heterogêneo. Seja como pensam Max Muller e Bunsen, que todas as línguas derivam
do mesmo tronco, seja como entendem outros filólogos, que procedem de duas ou
mais, será sempre certo que, se numerosas famílias de línguas – como as indo-européias
– têm a mesma filiação, chegaram a diferenciar-se entre si por um processo de
contínua divergência. A própria propagação dos homens pela superfície da terra,
dando lugar à diferenciação das raças produziu simultaneament5e a diferenciação
das línguas – verdade que se justifica com o exemplo dos dialetos particulares
que se falam nas diferentes regiões de cada nação”.
Não faz sentido? Claro que sim!!
Para mais detalhes, a propósito, recomendo-lhe, curioso leitor: leia o livro
citado de Herbert Spencer. Você só terá a ganhar. É, com certeza, deliciosa
aventura intelectual e uma forma inteligente de fugir da mesmice que anda por
aí.
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