Tuesday, April 30, 2013


Da origem da linguagem

Pedro J. Bondaczuk

O filósofo inglês Herbert Spencer foi um dos pensadores mais influentes, e mais polêmicos, do século XIX. Foi expoente do chamado “positivismo”, que tinha em Auguste Comte seu principal nome e cujas idéias inspiraram os “pais” da  República brasileira. Tanto que o lema constante em nossa bandeira, “Ordem e Progresso”, é de inspiração positivista. E a influência dessa corrente filosófica no Brasil não se restringiu a isso. Foi além, muito além, principalmente no que se refere à Educação. Aliás, nossa bandeira é a única do mundo a ter alguma inscrição. Pena que essa exemplar proposição nunca tenha passado de mera intenção. Na prática, não é o que a grande maioria dos nossos políticos busca para o País. Enfim...

Spencer nasceu na cidade inglesa de Derby, em 27 de abril de 1820. Morreu, aos 83 anos de idade, em Brighton, no início do século XX, ou seja, em 8 de dezembro de 1903. A despeito de ser filósofo, foi um dos pensadores que lançaram as bases da Sociologia, disciplina à            qual aplicou idéias características das ciências naturais. Embora não concorde com todas as suas proposições, aprendi muito com a leitura de seus livros. E concordo plenamente com sua conclusão que o indivíduo é mais importante do que a sociedade e, por extensão, que o Estado que integra. Ambos existem para servi-lo, e não ao contrário conforme muitos entendem mundo afora.

Não se trata de anarquismo, ou seja, da defesa de extinção de todas as instituições. Trata-se, isso sim, de colocar as coisas em seus devidos lugares. Até porque, ambos são conceitos abstratos. Concreto é o ser humano que os integra. E a lógica mais comezinha indica que não é o criador que deva servir à criatura, mas o inverso. 

Acabo de ler um dos livros de Herbert Spencer, bastante instigante, posto que dos menos conhecidos de sua relativamente pequena bibliografia. Trata-se da obra “Do progresso – sua lei e sua causa”. De forma bastante didática e metódica, o filósofo expõe sua tese e demonstra-a com argumentos sólidos e fartura de exemplos. E convence. Pelo menos eu fiquei convencido a propósito do que expõe. Sua proposição principal pode ser resumida nas seguintes palavras: “Desde as mais remotas transformações cósmicas, de que ainda existem sinais, até aos mais recentes resultados da civilização, vê-se que o progresso consiste essencialmente na passagem do homogêneo para o heterogêneo”. Ou seja, trata-se de um processo de “análise”, que parte do geral para o particular, e não o contrário, o de “síntese”, como proposto por diversos filósofos.

O que me chama a atenção, em particular, é sua tese sobre a origem da linguagem, tema pelo qual tenho  fascínio, até por razões bastante óbvias. Afinal, a palavra é minha “ferramenta” principal, com a qual exerço minha atividade de “escrevinhador” e assim garanto meu sustento pessoal e o da minha família. É com ela que me identifico e me realizo. É o instrumento pelo qual me comunico com o mundo e com que tenho o retorno dessa comunicação. Não concebo nenhum relacionamento, por elementar que seja, somente por gestos (como, certamente, ocorreu com nossos remotíssimos ancestrais, antes da criação da linguagem oral, sofisticada, mais tarde, com a escrita).

Spencer escreveu, a propósito: “É fato já estabelecido que, nas formas primitivas da linguagem, entraram como únicos elementos os nomes e os verbos. Na gradual multiplicação das partes do discurso, a partir das referidas, na divisão dos verbos em ativos e passivos, e na dos nomes em abstratos e concretos; na distinção de modos, tempos, números, pessoas e casos; na formação dos verbos auxiliares, dos adjetivos, advérbios, pronomes, preposições e artigos, assim como na diversidade de ordens, gêneros e variedades destas partes, com as quais as raças civilizadas exprimem as mais delicadas modificações do pensamento; em tudo isso, repetimos, se vê a passagem do homogêneo para o heterogêneo”.

O “geral”, de que se partiu, foram os substantivos, ou seja, a nomeação de todas as coisas, animadas ou inanimadas, e os verbos, a “ação”. Os demais elementos vieram na sequência. Provavelmente, foram criados muito tempo depois da criação dos dois elementos originais, quem sabe séculos ou até milênios, à medida que nossos remotos ancestrais sofisticavam a forma de expressar o que queriam e pensavam, para torná-la cada vez mais clara ou menos ambígua. É evidente que não há nenhuma prova de que as coisas tenham ocorrido da maneira proposta por Spencer. Mas é o que a lógica indica (embora o homem, convenhamos, nem sempre seja lógico no que pensa ou faz).

Como explicar, todavia, a variedade de idiomas e de dialetos que há no mundo, estimados em torno de vinte mil? Cada um deles nasceu de forma independente, autônoma, sem nenhuma relação de um com o outro? Spencer conclui que não. Baseia-se nos estudos de alguns filólogos para defender a tese que o “homogêneo”, da criação da linguagem, foi uma língua comum que, conforme as circunstâncias de cada grupo humano, sofreu as transformações que a diferenciaram tanto e que não se deu de repente, mas no correr do tempo, na sucessão de gerações, processo que pode, também, ter demorado séculos, se não milênios.

O filósofo afirmou, a propósito: “A filologia descobriu há muito tempo que em todas as línguas se podem agrupar as palavras em famílias com uma origem comum. Um nome primitivo, aplicado indiretamente a uma classe de coisas ou ações mal definidas, modifica-se, depois, de diferentes maneiras para exprimir as divisões fundamentais da classe. Estes vários nomes, derivados duma única raiz, são, por sua vez, origem doutros, e assim sucessivamente. E graças a este sistema de formar, por derivação e composição, termos que exprimem as diferenças mais imperceptíveis, formam-se grupos de palavras tão heterogêneas que, ao não-iniciado, parece incrível que tenham a mesma origem”.

A linguagem humana é dinâmica, diria, figurativamente, que é “viva”. Transforma-se, a todo o momento, com a criação permanente de novas palavras, enquanto muitas outras se tornam arcaicas, por falta de uso. E essas mudanças ocorrem não em uma única língua específica, por exemplo, o português, o inglês, o chinês etc. Verifica-se em “todas”, sendo em umas mais e em outras menos, mas todas elas sempre se transformam. Em todas são criadas novas palavras, enquanto tantas outras são descartadas, por algum tipo de inadequação.

Herbert Spencer vale-se dessa tese para comprovar sua proposição principal, referente ao progresso. Ou seja, que este “sempre” parte do homogêneo para o heterogêneo, e não o contrário. Cita muitos outros exemplos, da astronomia, da física ou da biologia, para demonstrar sua afirmação. Não as reproduzirei, óbvio, porquanto meu interesse centraliza-se, pelas razões expostas, especialmente na “invenção” da linguagem. 

O filósofo conclui: “A multiplicação de línguas dá também testemunho da passagem do homogêneo para o heterogêneo. Seja como pensam Max Muller e Bunsen, que todas as línguas derivam do mesmo tronco, seja como entendem outros filólogos, que procedem de duas ou mais, será sempre certo que, se numerosas famílias de línguas – como as indo-européias – têm a mesma filiação, chegaram a diferenciar-se entre si por um processo de contínua divergência. A própria propagação dos homens pela superfície da terra, dando lugar à diferenciação das raças produziu simultaneament5e a diferenciação das línguas – verdade que se justifica com o exemplo dos dialetos particulares que se falam nas diferentes regiões de cada nação”.

Não faz sentido? Claro que sim!! Para mais detalhes, a propósito, recomendo-lhe, curioso leitor: leia o livro citado de Herbert Spencer. Você só terá a ganhar. É, com certeza, deliciosa aventura intelectual e uma forma inteligente de fugir da mesmice que anda por aí.

Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk

No comments: