Dia
mágico de Outono
Pedro J. Bondaczuk
A
Primavera é, amiúde, decantada em verso e prosa como a estação mais bela do
ano. Discordo. Para mim, o Outono é que tem esta primazia. Pelo menos na cidade
em que vivo, aqui em Campinas, é assim. O destaque dado à Primavera certamente
é influência de escritores do Hemisfério Norte, notadamente de poetas, que são
os que se mostram mais atentos a estas coisas abstratas (abstratas?), É
verdade, óbvio, que a beleza não é propriedade deles. Aliás, não é de ninguém.
É um bem comum, à disposição de quem queira, ou saiba regalar-se com ela.
Todavia,
são os poetas que mais a valorizam. Pudera! São eles que se alimentam de
beleza. Comparo-os a abelhas que transformam o pólen do que é belo em
dulcíssimo e nutritivo mel. No Hemisfério Norte o Outono é feio. É cinzento,
chuvoso, sombrio. Testemunha a natureza despir-se dos seus encantos. de suas
flores. É quando as árvores perdem suas folhas. Não raro, essa estação, ali,
até antecipa, mesmo que em alguns dias, o início do inverno. Em alguns lugares,
nessas latitudes, chega mesmo a nevar nos últimos dias do Outono.
“Bem”, dirá o crítico mordaz (o eterno chato
que vê defeitos em tudo), “aqui no Hemisfério Sul essa estação também antecede
o período mais frio do ano”. É verdade. Mas, principalmente nestes abençoados
trópicos, onde “em fevereiro tem Carnaval”, nosso inverno não pode ser, nem
remotamente, comparado ao que se verifica no outro lado do mundo. Para os
habitantes de lá, o que para nós é intenso frio, não passa de temperatura. Se
não tépida, ao menos amena, como a de início de verão.
Insisto
que aqui em Campinas – e em tantas outras regiões do Brasil – é o Outono que
está revestido da beleza que, para os europeus, norte-americanos e habitantes
de alguns países asiáticos, se manifesta, com todo esplendor, na Primavera.
Tomo
como exemplo o dia de hoje, Esta quinta-feira é tão bela, tão agradável e tão
luminosa que quero, de alguma forma, retê-la e perpetuá-la,para que jamais
termine. Impossível, claro! Fotografias ou filmes até podem reter sua beleza,
mas só a visual. A sensorial fatalmente vai se perder. A temperatura agradável,
a suave brisa e, sobretudo, o sutil aroma das flores do meu jardim logo vão se
esvair. A única forma de retenção deste dia é guardá-lo na memória. Mas então
não estará mais vivo, porém ficará como aquelas borboletas de colecionador.
O
céu está azul, azul... Tem tonalidade de causar inveja aos mais consagrados
mestres da pintura de todos os tempos, peritos, entre outras coisas, em
misturar cores. E com tamanha competência, que chegam “quase” a reproduzir a
realidade. Mas somente quase. Falta alguma coisa na mistura para obter o
brilho, a profundidade e a pureza deste anil que caracteriza a cor do céu neste
início de tarde de quinta-feira, de um luminoso dia de outono. Embora eu goste
de escrever e faça da escrita mais do que missão, fonte inesgotável de
satisfação, a última coisa que eu gostaria de estar fazendo, agora, seria estar
fechado em meu gabinete de trabalho, à frente da telinha do computador,
juntando letras, palavras, sentenças para compor textos. Inclusive este.
Gostaria,
isto sim, de estar, neste momento, caminhando ao sol, pés descalços e braços
nus, livre e solto, concedendo lauto banquete de satisfações sensoriais aos
sentidos, sem nada pensar ou querer. Nós, humanos, somos tolos. Trocamos
satisfações naturais, gratuitas e ao nosso dispor, por tolas preocupações que
nos parecem sumamente importantes, embora não tenham a menor importância. E, pior,
por pueris ambições que, após satisfeitas, nos deixam somente o vazio e o tédio
na alma. Nossa noção de importância é distorcida e equivocada.
Esta
quinta-feira de Outono é como Mário Quintana descreveu como “dia perfeito”, no
poema “O milagre!:
“Dias maravilhosos em que os
jornais
vêm cheios de poesia...
e do lábio do amigo
brotam palavras de eterno
encanto...
Dias mágicos...
em que os burgueses espiam,
através das vidraças dos
escritórios,
a graça gratuita das
nuvens...”
Hoje,
ao meu redor, está assim. Tolice minha, porém, querer reter esta quinta-feira
perfeita. Nem é necessário. Provavelmente, amanhã terei reprise dela, com outro
nome (claro) e com possibilidades de poder usufruir um dia ainda melhor, desde
que me predisponha a esse gozo, Desde que deixe de lado preocupações mesquinhas
e ambições sem futuro. Desde que cale a voz da razão e me entregue, mesmo que
por breves instantes, ao comando exclusivo, primitivo e instintivo dos
sentidos. Só assim poderei ter, também, na sexta-feira, algo como o que foi
descrito por Cecília Meirelles no poema “Os dias felizes”:
“Os dias felizes estão entre
as árvores como
os pássaros:
viajam nas nuvens,
correm nas águas,
desmancham-se na areia.
Todas as palavras são
inúteis,
desde que se olha para o céu.
A doçura maior da vida
flui na luz do sol,
quando se está em silêncio.
Até os urubus são belos,
no largo círculo dos dias
sossegados.
Apenas entristece um pouco
este ovo azul que as crianças
apedrejaram:
formigas ávidas devoram
a albumina do pássaro
frustrado.
Caminhávamos devagar,
ao longo desses dias felizes,
pensando que a Inteligência
era uma sombra da Beleza”.
Por
essa e por outras é que amo, de paixão, o Outono, em detrimento da Primavera,
usualmente decantada em verso e prosa por cronistas e por poetas. Tenho ou não
tenho razão^!
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