Falta de visão do governo
iraquiano
Pedro J.
Bondaczuk
As
exigências do Iraque, acerca da soberania sobre o canal do Shatt-Al-Arab, no
atual estágio das negociações de paz de Genebra, quando elas mal se iniciam,
equivale a uma admissão de Bagdá de que não desejava, em momento algum, na
verdade, um fim honroso para o conflito que sustentou por oito anos com o Irã.
Queria era uma rendição da República Islâmica, o que nos parece uma
ingenuidade.
É
preciso ter em mente que foi justamente uma questão envolvendo essa via
navegável que levou as dias nações ao confronto armado em 1980. O presidente
iraquiano, general Saddam Hussein, subestimando a capacidade de recuperação
iraniana, valendo-se do caos causado pela Revolução do aiatolá Ruhollah
Khomeini, resolveu transformar em "letra morta", nessa ocasião, o
Tratado de Argel de 1975.
Esse
acordo previa que o Shatt-Al-Arab fosse dividido por uma linha imaginária
exatamente ao meio, ficando cada nação com uma parte da sua soberania. Ocorre
que o canal é o único meio de saída do Iraque para o Golfo Pérsico, enquanto o
Irã tem quilômetros e mais quilômetros de costas dando para essas águas. O que
poderia, e deveria, ser feito, antes de se recorrer às armas, seria uma
flexibilização no seu uso entre os dois governos. Isto se houvesse o bom senso,
que não houve. Ambos resolveram tomar o assunto como pretexto para a resolução
pelas armas de uma velha pendência.
Khomeini,
por exemplo, tem uma certa mágoa contra o Iraque, por ter sido forçado a deixar
Bagdá, que o acolheu no início do seu exílio forçado, nos primeiros anos da
década de 70, tendo que seguir para Paris. Por isso, a partir do momento em que
seu país foi agredido, em 22 de setembro de 1980, mesmo estando em desvantagem
naquele momento, face à desorganização das suas Forças Armadas e à imobilização
de sua Aeronáutica, por causa de um boicote dos Estados Unidos, que impedia que
os persas adquirissem peças de reposição para seus caças, todos
norte-americanos, resolveu "topar a parada".
Talvez
o dirigente confiasse que o sentimento religioso do povo do Iraque iria se
sobrepujar ao seu patriotismo. Afinal, 50% da população iraquiana é da seita
xiita, da qual Khomeini é uma espécie de papa. Não foi isso o que aconteceu. E
deu noi que deu: a maior carnificina desde a Segunda Guerra Mundial.
A
exigência de Bagdá, logo no início das conversações de Genebra, portanto,
equivale a fazer voltar todo o esforço de paz gasto pelas Nações Unidas à
estaca zero. Ela surge em um momento em que sequer os dois principais tópicos
da Resolução 598 foram ainda cumpridos. Eles são: o recuo dos dois exércitos
para fronteiras internacionalmente reconhecidas (ou seja, dividindo o
Shatt-Al-Arab ao meio) e a troca de prisioneiros de guerra. Está faltando,
portanto, clarividência a Saddam Hussein.
(Artigo publicado na página 14,
Internacional, do Correio Popular, em 1 de setembro de 1988)
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