Tuesday, April 30, 2013


Falta de visão do governo iraquiano


Pedro J. Bondaczuk


As exigências do Iraque, acerca da soberania sobre o canal do Shatt-Al-Arab, no atual estágio das negociações de paz de Genebra, quando elas mal se iniciam, equivale a uma admissão de Bagdá de que não desejava, em momento algum, na verdade, um fim honroso para o conflito que sustentou por oito anos com o Irã. Queria era uma rendição da República Islâmica, o que nos parece uma ingenuidade.

É preciso ter em mente que foi justamente uma questão envolvendo essa via navegável que levou as dias nações ao confronto armado em 1980. O presidente iraquiano, general Saddam Hussein, subestimando a capacidade de recuperação iraniana, valendo-se do caos causado pela Revolução do aiatolá Ruhollah Khomeini, resolveu transformar em "letra morta", nessa ocasião, o Tratado de Argel de 1975.

Esse acordo previa que o Shatt-Al-Arab fosse dividido por uma linha imaginária exatamente ao meio, ficando cada nação com uma parte da sua soberania. Ocorre que o canal é o único meio de saída do Iraque para o Golfo Pérsico, enquanto o Irã tem quilômetros e mais quilômetros de costas dando para essas águas. O que poderia, e deveria, ser feito, antes de se recorrer às armas, seria uma flexibilização no seu uso entre os dois governos. Isto se houvesse o bom senso, que não houve. Ambos resolveram tomar o assunto como pretexto para a resolução pelas armas de uma velha pendência.

Khomeini, por exemplo, tem uma certa mágoa contra o Iraque, por ter sido forçado a deixar Bagdá, que o acolheu no início do seu exílio forçado, nos primeiros anos da década de 70, tendo que seguir para Paris. Por isso, a partir do momento em que seu país foi agredido, em 22 de setembro de 1980, mesmo estando em desvantagem naquele momento, face à desorganização das suas Forças Armadas e à imobilização de sua Aeronáutica, por causa de um boicote dos Estados Unidos, que impedia que os persas adquirissem peças de reposição para seus caças, todos norte-americanos, resolveu "topar a parada".

Talvez o dirigente confiasse que o sentimento religioso do povo do Iraque iria se sobrepujar ao seu patriotismo. Afinal, 50% da população iraquiana é da seita xiita, da qual Khomeini é uma espécie de papa. Não foi isso o que aconteceu. E deu noi que deu: a maior carnificina desde a Segunda Guerra Mundial.

A exigência de Bagdá, logo no início das conversações de Genebra, portanto, equivale a fazer voltar todo o esforço de paz gasto pelas Nações Unidas à estaca zero. Ela surge em um momento em que sequer os dois principais tópicos da Resolução 598 foram ainda cumpridos. Eles são: o recuo dos dois exércitos para fronteiras internacionalmente reconhecidas (ou seja, dividindo o Shatt-Al-Arab ao meio) e a troca de prisioneiros de guerra. Está faltando, portanto, clarividência a Saddam Hussein.

(Artigo publicado na página 14, Internacional, do Correio Popular, em 1 de setembro de 1988)

    
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