Monday, June 11, 2012

Vitória de Rama-VII

Pedro J. Bondaczuk



(Poema inspirado na epopéia indiana, “A Ramaiana”)

Continuação



(,,,) Entraram em Lanka, em perseguição,

lutando em cada casa, em cada esquina,
com brados de vitória e emoção,
promoveram grande carnificina.
Mas Sita interveio, com eficiência,
enviou conciliadora mensagem,
pois destacava-se pela clemência,
tão notável como a sua coragem.
Só piedade havia no coração,
com Ravana não tinha semelhança,
e a Lanka concedeu o seu perdão,
sem qualquer sentimento de vingança.

Todavia, quando a princesa honesta
na presença do bom-amado esposo
ficou, não foi recebida com festa:
Rama estava imóvel e silencioso.
Sita lançou-lhe olhar que exprimia
infinita ternura, muito amor,
mas mostrou a cólera que sentia
por esta reação do seu senhor.
Então Rama declarou, lealmente,
que uma dúvida atroz lhe torturava,
lhe oprimia o coração e a mente,
dúvida que só o ciúme ditava.

“Sob este teto você habitou.
Por muitos dias você foi tentada.
Sua fidelidade conservou?
Por Ravana você foi respeitada?”
A estas dúvidas, tão afrontosas,
um público libelo acusador,
ao invés de palavras amorosas,
Sita vacilou, ao peso da dor.
Muito ultrajada, nos seus sentimentos,
deixou o pranto no rosto correr.
Depois, recompôs-se, sem mais lamentos,
e disse, devagar, voz a tremer:

“É assim que você quer me ultrajar,
tratando-me, rude, dessa maneira,
e ao desprezo público me entregar,
como seu fosse simples bailadeira?!
A mim, que de nobre família oriunda,
filha de rei, por você desposada,
príncipe ilustre em que a virtude abunda,
por quem, jamais, julguei ser desprezada?!
Como você pode, heróis sem coroa,
dirigir-se de forma tão vulgar,
em linguagem que apenas me magoa,
a mim, que só vivo para o amar?!

O que restou daquele esposo amigo?
Por que o seu linguajar é tão ferino?
Se toquei no corpo de um inimigo,
a culpa foi, somente, do destino!
Meu coração, que nunca se submeteu,
apesar das torturas e da dor,
nunca deixou de ser somente seu,
jamais traí nosso sublime amor.
Se minha alma, de casta natureza,
não o sensibilizou de verdade,
recuso-me a viver nesta incerteza,
mate-me, devolva-me a liberdade!”

Sita tinha nos olhos um brilho intenso.
Ofendida, torna-se veemente.
Fora ferida em seu pudor imenso,
Por isso chorava copiosamente.
Depois de instantes de recolhimento,
Inda aturdida pela ofensa insana,
Recobra, pouco a pouco, seu alento
E diz, com altivez, ao leal Lakshmana:
“Filho de Sumitra, nobre guerreiro,
acende uma fogueira imensa e viva,
com um ardente e colossal braseiro,
de chama devoradora e ativa.

Em sendo, por tantos golpes terríveis,
injustamente magoada e ferida,
lançarei meus pecados invisíveis
no fogo, pois já não suporto a vida.
Desprezada por quem amo e louvo,
sei que é inútil todo e qualquer rogo,
publicamente, perante este povo,
lançar-me-ei, serenamente, ao fogo.
Nada, nada poderá me impedir
dessa prova de supremo carinho,
pois nesta hora me convém seguir
este duro, doloroso caminho”.

Ao olhar de Rama, foi preparada
por Lakshmana, gigantesca fogueira,
com palha combustível, ressecada,
com seca e aromática madeira.
Tendo Sita um predekshima descrito
a Rama, com a cabeça curvada
avançou, sem nenhum lamento ou grito,
para a fogueira, toda iluminada.
Inclinou-se, primeiro, com respeito,
reverenciou os deuses poderosos,
a seguir, com gracioso trejeito,
saudou todos brâmanes piedosos.

Contra a cabeça juntou suas mãos
(Sita estava serena até ali)
olhou, convicta, para os dois irmãos,
recitou esta prece ao deus Agni:
“Assim como nunca violei, jamais,
quer em público, quer secretamente,
a honra do esposo e dos meus pais,
por atos, palavras, no corpo ou mente,
assim, ó fogo, prova ao mundo inteiro
que os seus julgamentos estão errados.
Quando eu caminhar por este braseiro,
protege-me, fogo, por todos lados”.

Ouvindo estas palavras corajosas,
sem que lamentos, nem ao menos fracos
nelas houvesse, testemunhas ansiosas,
e os chefes do exército dos macacos
até às lágrimas se comoveram.
Após se prosternar ante o esposo,
entrou no fogo, onde tantos arderam,
com um olhar confiante e vitorioso.
Velhos, crianças, toda a multidão
estavam reunidos no lugar.
Todos viram, com grande comoção,
nessa fogueira Sita mergulhar.

Intenso pasmo, enorme estupor
dominavam essas massas ignaras,
eram muitas exclamações de dor
no ar, da populaça e dos raksharas.
Sita, semelhante a ouro polido,
com a suas jóias ornamentada,
lançou-se nas chamas, sem dar ouvido
aos apelos dessa turba excitada.
Os deuses Kuvera, os Manes e Vama,
mesmo Varna, o soberano das águas,
partilhavam o tormento de Rama,
as suas dúvidas e suas mágoas.

O afortunado dos três olhos, Siva,
e Brama, o mestre criador do mundo,
junto aos muros da cidade cativa,
pensativos, em silêncio profundo,
optaram pela pronta intervenção.
Foi quando o criador do universo
tirando Rama da meditação
profunda em que o herói estava imerso,
revelou sua divina presença:
“É hora de acabar com este jogo!
Como podes ver, com indiferença,
que Sita se precipite no fogo?!”

Contudo, as chamas vivas não queimavam
o corpo puro da princesa estóica
e todos convencidos já estavam
da inocência daquela esposa heróica.
E não foi necessário nenhum rogo
pra que Agni penetrasse na chama,
e em seus braços a tirasse do fogo
e em triunfo a restituísse a Rama.
Que cena majestosa e comovente!
E como Sita estava radiosa
e pura, como o sol nascente!

Agni acentuou: “Eis a sua esposa
pura. Nenhuma falta cometeu.
Eis sua Sita, leal e formosa,
que cumpriu aquilo que prometeu.
Aceite-a, porque é imaculada,
pois o fogo vê o que é aparente
e o escondido, sem que escape nada
do seu julgamento, severo, ardente.
E se ele respeitou sua pureza
é porque nenhuma mácula havia,
porque ficou assentado, com clareza,
sua honra, de que lhe dou garantia!”

Rama redargüiu: “Eu estava ciente
de que nada mudou seu coração,
que ela estava pura e era inocente,
cheguei, mesmo, a dizê-lo ao meu irmão.
Sabia que ela me era dedicada
e que o seu pensamento, sem cessar,
vagueava, bem próximo a mim, na estrada,
nos verdes campos e em todo o lugar.
Mas eu quis que não houvesse ninguém,
tanto entre os membros da realeza
quanto entre os súditos, também,
que duvidasse da sua pureza”.

E vários meses depois, escoltados
pelos nobres e pelos generais,
os príncipes entraram, abraçados,
na cidade de Aiodia, triunfais.
Num espetáculo vivo de cores,
de vestes ricas, farta pedraria,
ambos, pisando um tapete de flores,
subiram a imensa escadaria
do majestoso palácio real,
onde a multidão já se amontoava
para o inesquecível festival
que há tanto tempo esse povo esperava.

Próximo ao trono, vestindo uma bata,
que simbolizava a sua pobreza,
esperava-os o nobre Barata,
que lhes deu as insígnias da realeza.
E Rama apareceu em esplendor,
porque era Naraiana, deus augusto,
um deus bondoso e pacificador,
além de príncipe regente justo.
Foi sentar-se, todo vestido de ouro,
na sala de paredes de marfim,
num trono, que era arca de tesouro,
o ar recendia a nardo e a jasmim.

E Aoidia, finalmente, tinha dono,
incessantes foram as alegrias,
havia leões atados ao trono,
colunas ornadas de pedrarias.
Ao longo dos anos do seu reinado,
em que se mostrou monarca capaz,
nenhum súdito foi injustiçado,
só houve a prosperidade e a paz.
Rama tornou-se escravo do dever,
e ao dever seus vassalos obrigava,
todo o povo partilhava o poder
e ninguém a ninguém prejudicava.


Fim


(Poema composto em Campinas, em 30 de maio de 1975).

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