Sunday, June 24, 2012

O poeta que veio do Sul

Pedro J. Bondaczuk

O soneto é uma das formas de se fazer poesia mais antigas, delicadas, porém “perigosas”. Pode consagrar um poeta, ao mesmo tempo em que o expõe ao risco de resvalar para a pieguice e, conseqüentemente, para o ridículo, se não souber manejar com perícia as suas regras. Como surgiu em forma de música, (sua conotação, sugerida pela própria palavra, é a de “som”), na Sicília, no século XIII, seu segredo está tanto na perfeição da métrica, quanto, e principalmente, no ritmo.

Santa Catarina foi berço de um dos mais exímios sonetistas da história da literatura, não somente do País, mas de todo o mundo, que foi o poeta simbolista, natural de Desterro, João Cruz e Souza. E é desse mesmo Estado que vem outro escritor, criativo e vigoroso, dotado de imensa sensibilidade poética, e extremo rigor no manejo do soneto. Trata-se do colega de Academia Campinense de Letras, Luno Volpato, natural da bucólica cidadezinha de Braço do Norte, no sul catarinense.

Seu livro, lançado há algum tempo pela Editora Komedi, de Campinas, “Pedras, Pétalas e Palavras”, é dessas preciosidades que se lêem com deleite e enlevo, e que recomendo, com entusiasmo, não apenas aos apreciadores de poesia, mas a todas as pessoas sensíveis e de bom-gosto. Contém 106 sonetos, impregnados de paixão, de saudades, de musicalidade e de muita beleza. São, sobretudo, poesia pura!

Luno Volpato, que além de poeta, é advogado e professor, se formou em letras pela Faculdade de Filosofia de Ciências e Letras de Paranavaí, no Paraná e em Direito, pela Universidade Paulista de Campinas, Unip. Fez uma incursão bem-sucedida pela política: foi vereador, vice-prefeito e prefeito da cidade paranaense de Porto Rico, da qual é o Embaixador Cultural em Campinas, onde reside desde 1976.

Fica difícil ao crítico destacar alguns dos seus sonetos, tamanhas são a harmonia e a beleza de todas as 106 composições. Só se pode recomendar ao leitor que adquira o livro, e se deleite com sua superior inspiração. Ainda assim, escolhi três sonetos, por razões puramente pessoais. O primeiro, justamente o que encerra este volume (com capa bem elaborada de muito bom-gosto e ilustrações de primeiríssima qualidade), é este “Ocaso”:

“Na curva, ao longe, o eco do meu passo,
espectro singular de uma ilusão...
Voraz, vai me engolindo a solidão.
Já sinto – a sufocar-me – o seu abraço...

Um triste adeus ao meu destino traço.
Doído é o badalar do coração...
Um leque de incertezas cinge as mãos.
Dos sonhos da jornada me desfaço.

Qual barco, na distância, a navegar,
singrando auroras, luas e paisagens,
eu parto sem ter porto onde chegar...

A vida é um grande enigma...Vi tecendo
quimeras, emoções, vivas imagens...
Mas, desde que nasci, venho morrendo”.

O segundo soneto que sugiro aos meus leitores é este “Inventário”:

“Meus filhos, aqui deixo meu pedido:
doar cada órgão meu, quando eu morrer...
A quem necessitar...Não esquecer
de o corpo encomendar...Nenhum gemido!

Matéria!...Só um cadáver...Nada mais
restará! Compreendo esta aflição.
Fiz tudo pra cumprir minha missão
e entendo o inconformismo dos mortais.

Minha’alma, em outros campos, vai pousar...
Rever os que partiram – meus amigos...
Incógnita, que busco decifrar...

Só cinzas!...a compor massas inermes...
Escrevam uma inscrição em meu jazigo.
Depois joguem meu corpo para os vermes...”.

Finalmente, minha terceira escolha recai sobre esta pungente homenagem ao saudoso amigo e presidente da Academia Campinense de Letras, Mauro Sampaio, intitulada “Poeta”, que assino embaixo:

“Partiste, velho amigo e companheiro,
quando o mundo clamava por teu canto.
Em nossos corações, saudade e pranto...
Que fazer, se o destino é traiçoeiro!...

Tua obra é um estuário sacrossanto
Manancial de fé, grão-mensageiro.
Cumpriste o teu papel e, em teu roteiro,
a arte e a inspiração foram teu manto.

Teus poemas – tinham voz de cotovias.
Teu gênio – raro brilho e erudição.
Criador de sonoras melodias!...

Das imagens da alma, exímio esteta!
Como poucos, tocaste a perfeição.
Teus versos viverão, mestre e poeta! “.

Encerro esta crônica, com lágrimas nos olhos, recorrendo a esta citação, da querida Hilda Hilst, inserida em matéria sobre o Dia Mundial dos Poetas, publicada pelo Correio Popular em 21 de setembro de 1983: “O poeta tem os olhos no espírito do homem, no possível infinito. Quando o poeta fala, não fala do palanque, não está no comício, não deseja riqueza, não barganha, sabe que o ouro é sangue, sabe de cada um a própria fome. Enquanto vive o poeta, o homem está vivo!”. E isto acontece, mais do que nunca, na poesia de Luno Volpato. É o homem, na mais elevada e nobre acepção do termo, que sobrevive!!!

Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk

No comments: