Pedro J. Bondaczuk
O Irã foi, com certeza, o país que mais benefícios colheu com a guerra do Golfo Pérsico, sem nenhum ônus, embora não tenha participado diretamente do conflito. Desde o início da crise, o governo iraniano assumiu uma posição de neutralidade, embora condenando, publicamente, a invasão e anexação do Kuwait, com o qual havia tido desentendimento em 1987, justamente porque o emirado estava financiando o Iraque contra a República dos aiatolás.
Recorde-se que na oportunidade os petroleiros kuwaitianos tiveram que navegar sob a bandeira norte-americana e mesmo assim não se livraram por completo de ataques das lanchas velozes da temida Guarda Republicana de Khomeini. Todavia, na crise iniciada em 2 de agosto de 1990, convinha a Teerã manter uma postura de moderação.
O presidente Ali Akbar Hashemi Rafsanjani, embora fruto e cria da Revolução Islâmica, é, sobretudo, um pragmático. Entendeu que se isolando do mundo, o Irã jamais conseguiria se reconstruir depois da desgastante e sangrenta guerra de oito anos com as tropas de Saddam Hussein.
A exemplo da Síria, de Hafez Assad, e da Líbia, do coronel Muammar Khadafy, o país foi considerado um Estado promotor do terrorismo num documento conjunto do Grupo dos Sete, divulgado em 1988. Estava, portanto, segregado pela comunidade internacional. Como essa imagem, evidentemente, os iranianos não poderiam contar com nenhuma ajuda ocidental, principalmente para descongelar os fundos depositados em bancos do Ocidente ainda no regime do deposto xá Rheza Pahlevi e congelados desde 1979, quando da tomada da embaixada norte-americana em Teerã por fundamentalistas xiitas.
Além de tudo, Rafsanjani precisava de dinheiro, não apenas para reconstruir os oleodutos, refinarias e cidades, destruídos na guerra contra o Iraque, mas, principalmente, para gerar novos empregos, para absorver os milhares de soldados que regressaram do front e para a reconstrução dos estragos do devastador terremoto que assolou o país em 1989, que matou dezenas de milhares de pessoas.
A crise do Golfo Pérsico, com todas suas implicações, era a oportunidade de ouro para o Irã. E este segurou-a com as duas mãos. Hoje, Teerã acolhe diplomatas de todo o Ocidente e até já se especula num reatamento de relações com os Estados Unidos.
Os iranianos “herdaram” parte considerável das cotas de exportação de petróleo iraquianas e kuwaitianas, após o embargo imposto pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas às vendas do produto por parte do país invasor e do emirado sob ocupação. Certamente, entraram preciosos dólares nos cofres da República Islâmica, tão carente desses capitais.
Outro fruto do acaso, que caiu do céu para o presidente Rafsanjani foram as rebeliões no Norte e no Sul do Iraque, finda a guerra do Golfo. Principalmente a dos xiitas que, caso tivessem êxito, poderiam implantar em Bagdá um regime à feição do existente em Teerã.
O fato das tropas de Saddam Hussein terem sufocado as revoltas trouxe, é verdade, no terreno prático, um grande contratempo. O Irã se viu forçado, de repente, a acolher mais de um milhão de refugiados, sem dispor de recursos para isso. Todavia, no aspecto político e principalmente de imagem internacional, o êxodo foi outro achado.
Hoje em dia, a República dos aiatolás não mais é vista como Estado terrorista, mas encarada como uma sociedade humanitária que, mesmo sem recursos, está disposta a dar refúgio aos que a procuram.
(Artigo publicado na página 12, Internacional, do Correio Popular, em 4 de maio de 1991)
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