Pedro J. Bondaczuk
A história do Camboja (não a recente, mas de um passado já bastante remoto) – país que foi vítima, na década de 70 do século XX, de um dos maiores e mais cruéis genocídios da era moderna, perpetrado por Pol Pot, líder do Khmer Vermelho, retratado no livro e no filme do mesmo nome “Os gritos do silêncio” – está envolvida numa aura de profundo mistério, principalmente no que diz respeito ao súbito colapso de uma das mais prósperas e florescentes civilizações da Ásia.
Nesse aspecto, seu desaparecimento guarda semelhanças com outros tantos enigmas, de outras regiões do mundo, como, por exemplo, o do fim do império maia, nas Américas do Norte e Central. Ou da facilidade com que Fernão Cortez derrotou e submeteu os aztecas, no México. Ou da desintegração do Império Inca na América do Sul. Ou de outros tantos episódios do tipo, inexplicáveis à luz dos conhecimentos atuais, que intrigam os historiadores. Claro que todos esses casos têm lá suas explicações. Mas quais?
Por 600 anos floresceu, no território do atual Camboja, poderoso e notável império, o dos Khmers, cujos domínios estenderam-se do Sul do Mar da China ao Golfo de Sião, tendo em seu âmbito a área do atual Campuchea (nome oficial do país), além de parte da Tailândia, do Laos inteiro e do Vietnã reunifi8cado. Contava, além de inigualável poderio militar, com artistas de grande reputação e talento, poetas e artistas de todas as artes, que legaram, para a posteridade, obras admiráveis. Algumas sobreviveram ao tempo e permanecem vivas. Outras tantas se perderam para sempre. Seus exércitos eram tão bem armados e adestrados, que conquistavam, sem muito esforço, novos territórios, submetendo ao seu domínio os povos vizinhos.
De acordo com os historiadores, os Khmers foram, simultaneamente, “a maravilha e o flagelo” do Oriente. E por muito tempo, mais especificamente, por seis séculos consecutivos. Tratou-se da civilização mais notável e admirável que já surgiu na região do Sudeste Asiático. Não teve outra que rivalizasse nem antes e nem depois do seu surgimento. Em 1432, todavia, algo de muito grave aconteceu. O que? Ninguém sabe, embora haja uma infinidade de especulações. Nesse ano específico o todopoderoso Império Khmer, subitamente, entrou em colapso e... desapareceu, como fumaça que se perde no ar.
O que aconteceu? Mistério! Certeza, certeza mesmo, ninguém tem nenhuma. Foram levantadas, é verdade, muitas hipóteses, algumas lógicas e plausíveis, outras nem tanto, para tentar explicar o fato. Todas, contudo, carecem da devida comprovação.
Há quem afirme, por exemplo, que a região foi atingida pela pandemia de Peste Negra, que na ocasião causou a morte de um quinto da humanidade e chegou a ameaçar a espécie humana de extinção. É a possibilidade mais lógica e plausível, embora ninguém possa afirmar que foi o que aconteceu. O fato é que os khmers espalharam-se por toda a região, mas seu poderoso e florescente império ruiu.
Ficou, contudo, como prova do seu esplendor e grandeza, a magnífica cidade de Angkor Vat, ainda hoje perdida na selva, que causa assombro e admiração aos milhões de turistas do mundo todo que a visitam anualmente. Nela permanecem, quase intactos, mais de 300 majestosos e inigualáveis monumentos que, de açodo com especialistas, são um dos empreendimentos mais arrojados, perfeitos e espantosos já feitos pelo homem em qualquer época ou lugar, talvez desde a Torre de Babel (caso esta tenha, de fato, existido), que teria sido erigida no lugar em que hoje é o território do Yemen, na costa do Mar Vermelho.
Comparando as ruínas (muitas das quais restauradas ou em vias de restauração), já que a área foi tombada pela Unesco e declarada patrimônio cultural da humanidade, as maravilhas do Egito, da Grécia e de Roma se mostram rústicas e primitivas face à perfeição das esculturas e da arquitetura de Angkor Vat. Foi em torno dessa cidade que os khmers estabeleceram a capital do seu império, por volta do século IX da nossa era. Ali desenvolveu-se uma cultura peculiar, posto que com elementos religiosos marcantes, assimilados do hinduísmo e do budismo.
Os imperadores desse povo operoso, hábil, talentoso e disciplinado chegaram a escravizar populações vizinhas, dada a premente necessidade de mão de obra para suas notáveis e arrojadas construções. Afinal, rasgaram, por exemplo, cerradas selvas do vale do Rio Mekong, sumamente férteis, para plantar extensíssimos arrozais. Construíram vasta rede de estradas – várias delas pavimentadas numa época em que no Ocidente sequer se cogitava desse “luxo” – ligando os principais pontos do império e facilitando, sobretudo, o escoamento de suas fartas safras. Dotaram suas principais cidades de água potável, encanada, e de sistemas de irrigação da lavoura, entre outros tantos melhoramentos que na época eram novidades.
O que causa pasmo, todavia, é saber que tudo isso, e muito mais, desapareceu, sem que haja qualquer vestígio de violência ou mesmo de eventual catástrofe natural. A História é farta desses mistérios. O Império Khmer caiu, mas não em decorrência de guerras (outro ponto em que seu desaparecimento parece se igualar ao dos maias nas Américas). O que causou esse colapso e súbito desaparecimento? Foi alguma pandemia? Foi devastador terremoto? Foi outro cataclismo natural jamais registrado? Este é outro dos tantos mistérios que desafiam e certamente seguirão desafiando os pesquisadores sabe-se lá até quando.
O Camboja atual integrou – até 1953, quando foi desmembrado e se tornou independente – a colônia francesa da Cochinchina, junto com o Vietnã e o Laos. Uma das coisas de que os cambojanos mais se orgulham é desse passado glorioso, desse império que foi “a maravilha e o flagelo” do Oriente, do qual restaram, apenas, lendas, mitos, tradições e algumas cidades magnificentes, como Angkor Vat principalmente, posto que tomadas e engolidas, parcial ou totalmente, pelas selvas.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
No comments:
Post a Comment