Pedro J. Bondaczuk
A programação de TV no Brasil não tem, infelizmente, uma continuidade qualitativa, como seria de se esperar. Isso acontece tanto no correr de um ano, quanto nas atrações oferecidas por alguns canais durante um único dia. Por exemplo, a Rede Globo tem, sabidamente, os programas mais assistidos do País, e isso não é novidade para ninguém. Mas, anualmente, nos períodos compreendidos entre janeiro e fevereiro, e, no mês de julho, coloca no ar a chamada “programação de férias”, geralmente composta de filmes – de boa qualidade, é verdade – repetidos cansativamente.Com isso, em vez de fornecer opções àqueles que podem ficar até mais tarde diante do televisor, de fato os leva a desligar o receptor e buscar outro meio para se distrair.
Outro aspecto a destacar é o fato de poucos brasileiros poderem se dar o luxo de tirar férias nesse período. Geralmente, quem as tira são estudantes, ao final de um ano letivo, e políticos, cujas assembléias legislativas entrem em recesso. Os demais cidadãos, no caso a maioria esmagadora da população, são obrigados a continuar no batente para garantir o leite das crianças. Esses querem ver seus programas tradicionais, com os quais preenchem, costumeiramente, suas horas de lazer antes de dormir, ou seja, os humorísticos e os seriados. Um operário, que tem que levantar cedo no dia seguinte, para marcar seu ponto na hora certa, não tem tempo (e provavelmente disposição) para assistir os longas-metragens que a emissora exibe. Ainda mais se essa atração não passar de uma reprise, como está ocorrendo no momento com o badalado e decepcionante “Festival 20 Anos”.
Essa atitude nos parece um tanto elitista por parte dos programadores. Eles admitem, tacitamente, que estão voltando sua programação apenas para uma faixa de telespectadores, a mais privilegiada delas, e que, na verdade, se for feita uma pesquisa rigorosa, irá se apurar que não faz do exercício de ver TV hábito diário.
As emissoras podem argumentar que precisam conceder férias aos titulares dos programas suspensos em janeiro, fevereiro e julho. Ou que o objetivo é evitar que a imagem dos humoristas (geralmente são eles) fique desgastada junto ao público. No nosso entender, isso não procede, em absoluto. Quem não se cansou, por exemplo, de assistir o Chico Anysio por 26 anos (e ele não cansa ninguém, porque tem talento), não será por ver suas atuação contínua o ano todo, sem o atual intervalo de três meses, que deixará de ser apreciador desse competente cearense. O mesmo se aplica em relação a Jô Soares, aos Trapalhões etc.
Já quanto à programação diária, e em períodos normais, não existe, igualmente, uma sequência qualitativa. Há muito programa mal cuidado e, por que não dizer, até mesmo chato, intervalado entre duas boas produções. Com isso, a atração que vem a seguir acaba prejudicada, já que o telespectador, ao entrar no ar aquilo que ele não gosta, ou não tem interesse de ver, conta com uma defesa infalível. Levanta-se de sua poltrona e, num simples toque de dedos, gira o seletor de canais para outra emissora. Ou, se nos outros locais não houver nada de atrativo, simplesmente desliga o televisor, com o benefício sobressalente de receber, no final do mês, uma conta pouco menor de luz.
Muita gente reclama da “ditadura” imposta pelas pesquisas de opinião na televisão brasileira. Todavia, a queixa não procede. Estão aí, para qualquer um conferir, programas de má qualidade, visivelmente sem audiência, e que ficam anos a fio no ar, às vezes até no horário nobre, ocupando o lugar que poderia sxer preenchido com produções bem cuidadas e interessantes, Não é necessário sequer identificar essas coisas ruins, enfáticos convites para que o telespectador se recolha mais cedo, ou procure preencher o tempo antes de dormir com outras ocupações, como a leitura, um bate papo, ou, se for de uma faixa de renda mais alta, com o videogame. Elas saltam à vista e só os programadores não vêem.
O ano, portanto, em termos de programação, vai começar, de verdade, neste mês, com a Globo be a Manchete prometendo continuar sua saudável guerrinha pela au8diência, especialmente no gênero das minisséries. E com a emissora aniversariante anunciando o filé mignon das comemorações dos seus 20 anos, como o programado festival de música popular, as séries “O tempo e o vento” e “Grande sertão, veredas”, além daquelas atrações já costumeiras no seu calendário anual, como o Campeonato Mundial de Pilotos de Fórmula Um e as finais da Taça de Ouro de futebol. Até aqui, pelo menos, à exceção do “Rock ‘n Rio” e da transmissão dos desfiles das escolas de samba do Rio de Janeiro, a Globo está devendo, e muito, aos seus fiéis telespectadores.
(Comentário publicado na coluna Vídeo, editoria de Arte e Variedades do Correio Popular, em 1 de março de 1985).
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
No comments:
Post a Comment