Pedro J. Bondaczuk
A Biologia, por definição, é o “estudo da vida”. Buscar sua origem e conhecer, a fundo, esse fator, e procurar, se não perpetuá-la, pelo menos estendê-la ao ponto máximo, é um dos tantos desafios dos pesquisadores dessa nobilíssima área. Uma de suas divisões é uma disciplina relativamente recente, a microbiologia, subdividida, por seu turno, em virologia (estudo dos vírus) e bacteriologia (estudo das bactérias). Nem preciso ressaltar o quanto são fascinantes estes estudos, quer no aspecto teórico, quer, e principalmente, no prático.
Uma das tentativas mais recorrentes dos cientistas é entender os vírus, interferir em seu mecanismo e torná-lo, de mortal inimigo do homem, em seu mais precioso e eficaz aliado. Isso é possível? Teoricamente, sim. Conseguir essa façanha, todavia, é que são elas. No momento em que redijo essas reflexões, há milhares de pesquisadores, mundo afora, fazendo experiências e mais experiências, de olho nesse objetivo. Um deles é o microbiologista Hyman Hartman, da Universidade de Berkeley, na Califórnia.
E por que menciono, especificamente, esse cientista, se há milhares de tantos outros empenhados no mesmíssimo objetivo? Por várias razões. A primeira é que se trata de um dos mais reputados e notáveis homens de ciência da atualidade. A segunda, por haver publicado, em livros, boa parte do que descobriu a propósito. E este é um espaço literário. Há vários outros motivos, óbvio, mas fiquemos com esses dois. Entre as várias funções que Hartman ocupou está a de membro do Painel de Exobiologia da NASA (Administração Nacional de Aeronáutica e Espaço dos Estados Unidos), que integrou entre os anos de 1980 e 1985.
Dos livros que publicou, destaco três (todos escritos em parceria): “Search for the universal ancestor” (com J. G. Lawless e P. Morrison). “Clay mineral and the origino f life” (com A. G. Cairns-Smith) e “The origin and evolution of the cell” (com K. Matsuno). Como se vê, justifica-se, plenamente, o destaque que dou a esse notável cientista.
Chama-me a atenção, todavia, a declaração que o microbiologista deu numa entrevista que já vai longe, datada de novembro de 1994, em que afirmou: “No século XIX, as bactérias conhecidas eram aquelas que causavam doenças. Todas as associações simbióticas que as coisas vivas têm com elas, inclusive o grau com que impulsionam os grandes ciclos geoquímicos do Planeta, eram desconhecidos. Hoje os vírus realmente conhecidos por nós são aqueles que causam problemas. Mas é por isso que esse é o único meio que temos até agora para encontrá-los. Pode ser que a nossa vulnerabilidade aos vírus patogênicos seja justamente o preço a ser pago para que continuemos a aceitar outros benefícios, menos visíveis”. Isso é possível mesmo? Em teoria (pelo menos por enquanto) de fato é.
Pesquisadores – e não somente Hyman Hartman – acreditam que, com o tempo, conseguirão “domesticar” os vírus (a exemplo do que já se faz com algumas bactérias) e usar sua capacidade de “escravizar” células em benefício do homem. Os cientistas do Laboratório de Richard Mulligan, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, são um exemplo disso. Eles vêm efetuando experiências promissoras, pode-se dizer que bem sucedidas, nesse sentido, embora, por enquanto, apenas em camundongos.
Os pesquisadores trabalham (ou trabalharam, pois essas pesquisas datam já de algum tempo) com talassemia beta, doença genética que afeta a produção de hemoglobina nas crianças. É uma tentativa de reparo de genes defeituosos através de mediação de vírus. Richard Mulligan afirmou a propósito: “Quando tivermos resolvido isto, poderá haver outros problemas”. É natural que o pesquisador pense assim. Afinal, o cientista costuma ser precavido e prever, de antemão, tudo o que pode dar de errado em suas pesquisas. Isso não é pessimismo, como os desavisados possam classificar, mas é cautela.
Mulligam, porém, acrescenta: “A maioria de nós acha que em dez ou vinte anos, este tipo de terapia terá um grande efeito sobre a prática da medicina”. Prefiro crer nessa previsão do que na possibilidade das coisas darem errado e as pesquisas acabarem dando em nada. Afinal, elas estão sendo conduzidas por cientistas da maior capacitação científica que se possa imaginar.
Muitas doenças causadas por defeitos nos genes e por danos genéticos, hoje incuráveis, poderão ser curadas por esse processo num futuro, talvez, nem mesmo tão distante. Empenho para esse fim é que não falta. São os casos, por exemplo, do assustador Mal de Alzheimer, da Coréia de Huntington e talvez, até, de doenças maníaco-depressivas. À medida que a virologia avança, pode não estar longe o dia em que, de ameaça à vida, os vírus se transforme num seu poderoso aliado.
Essa intensa tentativa me faz lembrar de uma citação que li há muito tempo, não me recordo de quem e nem quando, que diz que “a melhor forma de nos desfazermos de um inimigo é torná-lo nosso amigo”. Ou seja, é a de operar o “milagre” de tornar o ferrenho e feroz adversário que nos ameace e que pode até nos suprimir a vida, em um fidelíssimo aliado, que nos defenda e nos proteja.
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