Pedro J. Bondaczuk
Propuseram-me, dia desses, que escrevesse sobre estilo. Desconfio que não se trate, propriamente, de uma proposta, mas de um desafio. Por que essa desconfiança da minha parte? Simples. O proponente aduziu que eu deveria tratar do assunto “com objetividade”, como se isso fosse possível. Como ser objetivo na abordagem de um tema por si só subjetivo? Afinal, estilo é algo sumamente vago e designa um montão de coisas. Pode referir-se à moda, à maneira de viver, ao jeito de se expressar e vai por aí afora.
A despeito dessas observações, entendi o que o meu solicitante (ou desafiante) quer. Deseja que eu trate dos modos de escrever, característicos de cada escritor. Tudo bem. Estou pronto a atendê-lo. Só não me peça (ou não exija, sei lá) objetividade. Por exemplo, você sabe de onde se origina essa palavra? Sim, porque todas as palavras têm uma origem. Esta, especificamente, proveio do latim “stilus”. E significava coisa muito diferente do que sua “filha” significa hoje. Parte, portanto, já a partir daí a impossibilidade de tratar do assunto de forma objetiva. E, ademais, o que meu solicitante (ou desafiante) entende por “objetividade”? Sim, o quê?
“Stilus” era um objeto de metal, pontiagudo, parecido com uma caneta, dessas antigas. Os romanos utilizavam esse “ancestral” do estilete para escrever ou desenhar. Por que sortilégios essa palavra sofreu tantas e tamanhas transformações de significado, para vir a designar o que designa hoje, ou seja, a maneira especial de fazer qualquer coisa? Não me perguntem, pois não sei desvendar esse tipo de mistério. Sei lá o que passou pela cabeça dos nossos ancestrais.
Fora da literatura, cada pessoa tem a sua forma característica de se comunicar. À primeira vista, pode parecer que todos nós nos comunicamos de uma mesma maneira. Não é assim que as coisas acontecem. Há, por exemplo, no mundo, por volta de vinte mil línguas e dialetos diferentes. Pessoas do mesmo nível intelectual e que se utilizem do mesmo idioma podem até se comunicar de formas parecidas, ou mesmo semelhantes, mas nunca iguais. Parecença ou semelhança nada têm a ver com igualdade. Mesmo que as diferenças não sejam notáveis, elas existem, não raro apenas por sutilezas ou imperceptíveis nuances. Cada qual tem lá o seu “estilo” (e aqui não me refiro ao objeto pontiagudo utilizado pelos romanos para escrever ou desenhar).
Tudo o que escrevi acima vale para as pessoas do mesmo nível intelectual e que se valham da mesma língua. Imaginem quando se trata de indivíduos com desníveis mentais, culturais e intelectuais que vão do um ao infinito e que, de lambuja, falem idiomas diferentes! Se falando, no dia a dia, já nos comunicamos de formas tão diversas (embora, às vezes, isso não pareça que seja assim), imaginem escrevendo! Uns têm facilidade no domínio do idioma, outros empacam ora na grafia, ora na sintaxe, ora na concordância, ora na regência e vai por aí afora. Isso sem contar os que são rigorosamente incapazes de juntar as letras para formar reles palavras, quanto mais para expressar, de forma coerente e compreensível, idéias, mesmo as mais comezinhas.
Há pessoas, por exemplo, que têm alma de artistas, digamos, de escritores, mas que não conseguem expressar com clareza (ou mesmo sem ela), o que pensam, ouvem, observam etc. Machado de Assis, o meu sempre admirável e querido “Bruxo do Cosme Velho”, alude a essa situação no conto “Cantiga de esponsais”, em que escreve: “Parece que há duas sortes de vocação, as que têm língua e as que a não têm. As primeiras realizam-se; as últimas representam uma luta constante e estéril entre o impulso interior e a ausência de um modo de comunicação com o homem”. Estes, como se vê, sequer têm estilo. Não, pelo menos, o literário.
Da minha parte, tenho, como todos que exercem a mesma atividade que exerço, ou seja, a de escritor (ou a de “escrevinhador” como costumo caracterizar minha forma de escrever utilizando caracteres e palavras de origem latina), a minha forma própria de expressão. Há milhares (me atreveria, até, a dizer que há milhões) de pessoas que a apreciam. Em contrapartida, há também milhares, quiçá milhões, que a detestam. Gosto é gosto. Há, por exemplo, quem critique acerbamente o fato de escrever o que escrevo sempre na primeira pessoa. Entendem que isso seja “falta de humildade”, quando não uma forma arrogante de expor idéias.
Óbvio que discordo de quem pensa assim (embora respeite o fato de não gostarem dos meus textos). Esse é meu estilo característico. Justifico-o com o oposto da arrogância que me atribuem, ou seja, com humildade, porquanto só posso saber, com certeza, o que penso, sinto, vejo ou ouço, o que não posso fazer em relação a mais ninguém. Se julgasse ter essa aptidão, aí sim estaria sendo intoleravelmente arrogante. Aceita ou rejeitada, o fato é que minha forma de escrever me identifica e me caracteriza. Não preciso assinar meus textos. Qualquer leitor atento, pela simples forma de exposição, imediatamente percebe que são de minha autoria. A isso denomino de meu “estilo” literário, mesmo que peque pela falta de objetividade pedida (ou exigida) por meu solicitante (ou desafiante). Este é o meu jeito de ser e de escrever.
Já escrevi sobre o mesmo tema – e desconfio que com maior objetividade do que hoje – não uma, mas inúmeras vezes, algumas neste mesmo espaço. Ademais, se meu solicitante (ou desafiante), quiser informações mais específicas e objetivas sobre o tema, que assista aulas de literatura em alguma boa faculdade de Letras. Não serei eu que irei ensiná-lo o que é estilo, o que diferencia os vários que existem e coisas desse tipo. Afinal, não sou professor, mas mero escritor (ou “escrevinhador”, como queiram os que não me apreciam e que adoram me esculachar).
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